Os Eco-Idiotas
É Agosto, ninguém acha de mau-gosto
Num tempo em que a facilidade de reconhecimento maniqueista do capitalismo americano bom e do comunismo soviético mau se esvaneceu, procuram-se identificar novas referências e causas por que lutar. Os novos contestatários, sem as figuras carismáticas dos regimes revolucionários para os guiarem numa demanda romântica típica dos primeiros anos da juventude, atiram-se ao que apanham pela frente. Uma das causas actuais é a da preservação do meio ambiente. Vem isto a propósito da recente destruição de uma plantação de milho transgénico no Algarve por um bando de arautos da defesa ecológica. A manifestação por causas ecológicas e em prol da defesa do ambiente ou da saude pública são, a meu ver, de importância inquestionável. O que já não é compreensível é que a pretexto disso se prive alguém do seu rendimento vandalizando uma plantação. Aliás, tem-se criado um alarmismo exagerado relativamente aos organismos transgénicos condimentado com muita falta de informação, mas pouca importância se dá à actividade agrícola que faz uso de fertilizantes e pesticidas com um manancial de químicos cujos efeitos imediatos na saúde pública são bem mais graves. Notáveis são igualmente as declarações de Miguel Portas, mostrando simpatia para com a acção mas censurando o facto de se ter atingido um pequeno agricultor. Dá para questionar qual o plafond mínimo a partir do qual a acção passa a ser perfeitamente aceitável. Já estou a ver os activistas a investigarem as declarações de IRS dos proprietários ou o IRC das explorações agrícolas para determinar se a plantação visada cumpre os requisitos para a vandalizarem. Finalmente, creio que só mesmo os elementos de uma sociedade abastada e sem preocupações com a alimentação se lembrariam de cometer tal acto.
O mundo está cada vez mais plural, miscigenado e urbanóide, mas mais igual em termos de referências, nomeadamente por via da sociedade de consumo. A Natureza é algo que está longe, é bonito e importa preservar a todo o custo, mesmo que para isso se tenha que privar os nativos dos paraísos naturais das oportunidades de melhorarem as suas condições de vida, esquecendo-se que a verdadeira preservação da Natureza está na alteração dos (nossos) hábitos de vida no primeiro mundo. Ao mesmo tempo também se vai achando piada fazer férias do tipo “ecológico” em sítios remotos, que não são isentas de impactos negativos para esses locais no pressuposto que o privilégio seja exclusivo dos eco-turistas e vedado às massas. Vão igualmente surgindo formas de vida alternativas que até têm várias virtudes, mas alguns dos seus praticantes revelam certos indícios de intolerância, a exemplo do que li recentemente sobre “veganossexuais” (já haviam os metrossexuais... é mais um género!). Aí, uma adepta afirmava que a ideia de beijar alguém que usa carne na sua dieta alimentar era nojenta. Em primeiro lugar, até desconfio que a autora destas palavras deve ser familiar do Macário Correia. No entanto, gostaria de salientar que considero que cada um é inteiramente livre de seguir os princípios de vida que entender sem que tal me cause qualquer incómodo. Mas isso não me impede de considerar que a forma como a afirmação foi proferida raia uma intolerância típica de algumas seitas religiosas. O espírito de tolerância parece-me um dever cívico básico de cada um de nós e acima de tudo devemo-nos saber respeitar uns aos outros reconhecendo precisamente aquilo em que somos diferentes e não apenas o que temos em comum.
Cartoon de Bandeira, publicado a 20 de Agosto de 2007 no DN (clicar para ver melhor).