Monday, 29 October 2007

Mas Afinal a Música Serve Para Quê?


Vem isto a propósito das comemorações dos 30 anos sobre a edição do álbum “Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols” dos Sex Pistols. Por muitos considerado a “pedrada no charco” (eventualmente noutros sítios também), é um dos marcos fundadores do movimento punk em Inglaterra. Alguns dos frequentadores cá da tasca até sabem que gosto de bandas de rock do movimento progressivo do início dos anos 70 e o punk é muitas vezes apontado como a contra-corrente que devolve o rock às massas, de onde vilmente os progressitas o tinham retirado. Confesso já não ter paciência para esta discussão, mas ainda se lêm peças jornalísticas, como esta escrita por Vítor Belanciano, no Público de 28 de Outubro de 2007:

Se a música fosse apenas música, talvez nem nos lembrássemos deles. Os Beatles tiveram mais fãs a puxar pelos cabelos. Os Rolling Stones estão aí para ganhar o prémio de longevidade. Os Doors não eram verdadeiramente um grupo, eram Jim Morrison. Os Velvet Underground tinham pinta, mas apenas para uma imensa minoria. Dos Pink Floyd é difícil perceber o fascínio.

Estão a perceber o fascínio que me causa a última frase. Pode questionar-se até que ponto uma peça jornalística é apenas isso, ou seja, tendo o propósito de dar informação objectiva, ou mais do que isso, sendo também uma corrente de opinião pessoal. Não vale a pena discutir sobre este assunto, porque sinceramente me estou nas tintas para a opinião do Vítor Belanciano, mas sinto desconforto com esta posição sobranceira de “incompreensão” para com quem ache fascinante ouvir e (cruzes canhoto!) gostar de Pink Floyd. Pessoalmente, eu também acho “incompreensível” o fascínio pela Madonna, mas a partir de uma certa altura um gajo cresce, é mais maduro, e começa a sorrir complacentemente com as afirmações de quem parece ainda espremer borbulhas ao espelho da casa de banho. Mas a seguir, surpresa:

Mas porque a música não é apenas música, estando ligada à maneira de os indivíduos pensarem, agirem e viverem, sendo uma das formas mais antigas de atribuir identidade, associada em certos períodos com movimentos sociais e políticos e com formas alternativas de experimentar o mundo, os Sex Pistols são um dos grupos mais importantes de sempre da história da música popular.

Ora aí está, meu caro Vítor! A música não é apenas música, assim como a literatura não são só romances de cordel, há os que pensam que a música pode também ser muito mais que um simples grito de revolta, por muito urgente que ele seja, ou meia dúzia de acordes tocados à pressa em menos de 3 minutos por quem não distingue uma pauta de música do papel de embrulho da mercearia. Como cada um de nós, age, pensa e vive de forma diferente, é natural que exprima essa atitude na música que faz de forma igualmente diferente. O que não é compreensível aqui é que nos sintamos surpresos por uma significativa maioria não pensar exactamente como nós. E com isto não retiro nenhuma das virtudes e importância ao único álbum dos Sex Pistols, bem pelo contrário. A música vale precisamente pela multiplicidade de formas de expressão, qual caldeirão étnico onde o mundo pode ser visto com cores diferentes. É que já tenho a barba rija e rezo para que não me apareçam borbulhas, que estas com a idade arriscam-se a já não desaparecerem.

Mas agora analisemos os resultados de alguma desta revolta urgente e súbita na altura, passados estes anos, ainda nas palavras de Vítor Belanciano:

Entretanto, os quatro sobreviventes, o cantor John Lydon, o baixista Glen Matlock, o guitarrista Steve Jones e o baterista Paul Cook - Sid Vicious, que também integrou a banda, faleceu em 1979 -, vão reagrupar-se para uma série de cinco concertos.

Eh lá! Então estes gajos, que foram o mais contra-sistema que a Inglaterra viu nascer na música popular nos últimos anos, vão na conversa de apoiar uma iniciativa para engordar os cofres das multinacionais da música com as vendas de mais uma catrefada de discos, mais a reedição dos singles, já para não falar dos concertos?

Em 1976, as taxas de desemprego eram as maiores de sempre desde a II Guerra Mundial e o Governo conservador de Margaret Thatcher era contestado por aqueles que não conseguiam imaginar o futuro. A utopia hippie finava-se. Os ideais contraculturais eram a nova norma. Aos baby-boomers que haviam tentado mudar o mundo e aspiravam à "paz e amor" respondiam os Pistols com No future, expressando impotência e cólera, numa atitude niilista, contra a sociedade, contra o panorama rock da época, contra tudo.

Pois... mas passados estes anos, mais parece aquela cena de ver o Durão Barroso, estudante de Direito em pleno PREC, com discursos inflamados, a exigir que pendurassem todos os capitalistas pelos tomates (ou seja, os “bollocks” dos ditos), hoje como o insigne presidente da Comissão Europeia.

...o jornalista e escritor francês Benoit Sabater resume a acção do grupo: "Eles não queriam reconstruir nada. Apenas criar situações caóticas, de forma esteticamente relevante, nas ruas ou em palco. A sua música criou uma nova dinâmica, mas também as capas, o visual, os corpos abandonados, as suas declarações. As situações criadas por eles não pretendiam gerar um mundo mais fraterno, mas sim mostrar que tudo era simulacro. Era necessária uma inversão de valores. Fazer tábua rasa de tudo. Tudo."

Acho notável que, passados estes anos, mais velhos e maduros (supõe-se, ou talvez não) não consigam perceber que o simulacro não só se mantém como também fazem parte dele, porventura mais amplo que há 30 anos atrás, e mais invisível. Revolução, precisa-se! Deixem ficar o “Never Mind the Bollocks” que até nem faz mal às mentes, mas apagem-me é estes gajos que já estão vendidos ao sistema!

10 comments:

Anonymous said...

Ó credo... pfffuu fascinada...

Pois o Público tem dessas coisas...

Fica bem Strange

rita maria josefina said...

Os Sex Pistols tiveram - na minha opinião de não presente na altura - um papel fundamental no aparecimento e afirmação do movimento Punk naquele tempo. E apesar do único álbum deles ser absolutamente intemporal, acho esta tretazinha das reuniões familiares de bandas que já não estão no activo há décadas uma perfeita tristeza...uma manobra de martking absolutamente desnecessária. Fui ver os Police por arrasto e antes n tivesse ido. Nem os meus queridos Smiths - ainda bem que se deixam estar cada um no seu canto a fazer as suas coisas.
A musica tem o seu tempo para aparecer e os concertos o seu tempo para acontecer. e há muitos grupos - que apesar da intemporalidade das suas musicas - já deviam ter dedicado a outros afazeres há algum tempo...

olha, os The Cure por exemplo..

but that's just me thinking..:)

by the way - gosto bastante de Pink Floy - em especial do Dark Side Of The Moon

Mr. S said...

Muito interessante este artigo. Este album foi sem duvida uma das influencias mais importantes para a cultura punk.
Agora um convite: Bar do Bairro no próximo sábado ouvir musiquinha da boa, surprise.sometimes é o nome da noite.
Junta-te á brigada do Gin! ;)
Cheers!

Mr. S said...

Ah... sou eu a meter som...daí a (boa) publicidade!
Ao aparecer habilita-se sem sorteio a um gordon's com água tónica! :D

Mr. S said...

E prometo levar o Never Mind the Bollocks e fazer uma pequena homenagem ao punk! :P

strange quark said...

YellowAstronaut: na realidade eu nem ligo, mas esta sobranceria de bater sistematicamente no rock progressivo já chateia; é uma espécie de moda que contagiou a geração dos 30 e muitos e se há coisas que detesto são precisamente as modas. No fim acaba por ser como as discussões familiares entre os Corsos no Astérix: já ninguém se lembra sequer porque é que não se podem ver nem pintados. :)

Aparece sempre!

strange quark said...

Rita: o problema que coloco relativamente aos Sex Pistols é que eles próprios foram uma espécie de campanha de marketing, o que na altura até era algo inovador. Na realidade, creio que foram mais as marionetas do Malcolm Maclaren e companhia. Quanto à importância histórica do disco é inegável, mas musicalmente está muito longe de ser um disco de qualidade, e isto poucos críticos têm coragem de dizer. Os The Clash, nesse aspecto, estão positivamente a anos-luz de distância para melhor. E do outro lado do Atlântico haviam os Talking Heads e a Patti Smith, mas mais uma vez mais estamos a falar de algo que está muitos patamares acima dos Pistols.

strange quark said...

Mr.S.

Isto é assédio puro :))

Por razões de força maior, atendendo à importantíssima efeméride em data próxima, vejo-me na contingência de declinar, por agora, o convite. Já disse à Extravaganza que isto até ao final do ano está mal parado... mas fica prometida uma visita. :))

Ainda darei um feedback no teu blogue.

extravaganza said...

Olha que a mim não me oferece ele assim copos, não!! ;)

rita maria josefina said...

em termos de qualidade, além dos The Clash - que ADORO - tens os Buzzcocks, os Gang Of Four, os Ramones.. por ai...