Coisas do Arco da Velha (#6)
“Home Taping is Killing Music” era a mensagem que por vezes se encontrava nas capas interiores em papel (enventualmente forradas a plástico por dentro) dos discos de vinilo importados de Inglaterra. O logotipo, com uma cassete e dois ossos cruzados, cita não só a simbologia pirata mas também a morte e constitui um sinal dos tempos em que, tal como hoje, se copiava a música. Mas as diferenças eram muitas, para não dizer substanciais. Estas diferenças podem resumir-se a dois aspectos fundamentais: o formato de cópia e respectivo suporte que não era de todo portátil e a inexistência de redes de partilha que não fossem para além do grupo de amigos do bairro. Assim, havia pelo menos alguém que comprava o disco e que se dispunha a emprestar aos outros para o poderem gravar. E os outros eram um grupo de dois ou três (uma dezena eventualmente) de amigos, que o faziam numa atitude comunitária de partilha, ou seja, eu gasto os meus cobres nestes discos, tu gastas naqueles, e depois trocamos. Havia um genuino prazer de ouvir a música, e houvesse dinheiro nos bolsos para a comprar, ninguém na realidade trocava o vinilo pela fita da cassete que enrolava, ficava gasta, degradava rapidamente e tinha uma qualidade sonora que deixava, e muito, a desejar. Hoje, a internet e a produção musical em formato digital alterou por completo este padrão (de consumo e de atitude) e fez com que este aviso pareça estranhamente obsoleto e exageradamente alarmista à época, fruto de uma indústria que, na altura tal como hoje, conviveu mal com o mercado que quis sempre controlar à força, incapaz de ter visão e prever o alcance e dimensão que o problema tem nos dias de hoje quando os primeiros CDs chegaram ao mercado. Aliás, foi precisamente nesta altura em que a ganância das editoras chegou ao seu grau superlativo quando pairou no ar a morte anunciada do vinilo promovendo assim junto das classes com maior poder de compra a substituição maciça dos seus discos antigos por CD. Um erro crasso de onde todos sairam a perder e mais um exemplo de falta de visão cuja melhor elegia foi escrita por José Vitor Henriques ao afirmar “que o vinilo se vestiu de preto para assistir ao enterro do CD”, e eu acrescento, “...ingloriamente assassinado pelo mp3”. A cópia e distribuição de música tornou-se de tal forma facilitada e generalizada que o seu consumo deixou de ser feito com prazer e reflexão, para passar a ser voraz e urgente, como quem consome compulsivamente e de forma doentia numa sociedade inundada de produtos e informação. A questão já não é ter os discos de que se gosta, é conseguir ter o maior número de discos possíveis. Não importa sequer se temos ou não tempo para os escutar, o que importa é dizer que se ouviu ou conhece o maior número possível de bandas. Mas que outra coisa estaríamos à espera num tempo em que cada vez mais se olha sem ver e se ouve sem escutar?
10 comments:
Nem mais, meu caro.
Não querendo vir para aqui armado em puritano, confesso que me intrigam as motivações de gente que disponibiliza música a torto e direito para download gratuito.
O caso é mais grave quando, com enorme antecedência, são disponibilizados discos para edição futura. Assim, recentemente, lembro-me dos casos dos Deerhunter, dos Spiritualized, e dos YYYs (sim, já anda aí!). Contra isto, não há campanha promocional que resista. E, ao contrário do que muita gente armada em rebelde apregoa, os prejudicados são cada vez mais os artistas.
Abraço.
Sem dúvida que os mais prejudicados são os artistas, e em especial os que andam nas franjas do mainstream e em editoras independentes. Para esses, as royalties pagas pela música comprada não são propriamente peanuts, e disponibilizar downloads ou simplesmente ir buscá-los é uma atitude terrorista à carreira musical dessas pessoas. A situação não será tão grave para os grandes nomes, até porque esses têm sempre uma franja de público com poder de compra que acaba por pagar pela música. E mesmo as recentes situações de independência face às editoras acaba por vir apenas de nomes consagrados, como os Radiohead ou NIN. Não sei onde tudo isto irá parar, mas o que vejo é uma menorização cada vez maior do suporte físico e uma consequente diminuição da qualidade do registo audio, o que para alguém (como eu) que aprecia isso, não são propriamente boas notícias.
Realmente , não tenho mais nada a acrescentar, carissimo Mário. Só uma coisa, adoro "vini-LO" hehehe..
Abraços.
Wellington, vinilo é a melhor forma de ouvir música... Ainda vou comprando alguns, mas o problema é o preço! E diga-se que tenho para aí duas vezes mais vinilos que CDs...
Um abraço
Hehe..expressei-me mal..referia-me ao nome "vinilo" com aquele "o" ali no final. Acho um piadão :)
Bela reflexão.
Realmente a partilha e o seu conceito, antigamente, tinha outro significado.
Faz-me confusão como é que existe tanta gente que diz que gosta de música e não tem a mesma em suporte fisico. Tem um ficheiro no PC.
Enfim, isto pode levar-nos a muitos lados, como as motivações que referiu o M.A. e inclusive a questões de conflitos de gerações, pois eu nasci no tempo do vinil e muitos já nasceram no tempo do digital.
Abraço
Wellington,
Acontece que antes de se usar o termo "vinil" para designar os LPs o termo já estava consagrado na língua portuguesa e refere-se a um conjunto de compostos orgânicos com esse grupo funcional, e o termo correcto é, de facto, vinilo. :)
abraço
Shumway,
Conforme referes, é em parte uma questão geracional isto de não sentir necessidade de possuir música num suporte físico. Mas essa questão também se deve ao facto de as novas gerações estarem habituadas a ouvir mp3, o que já de si é um formato de baixa qualidade, e quando assim é não sentem sequer necessidade de pegar nos suportes físicos e até usar sistemas a sério (e não iPods e afins) para ouvir a música. Tudo isto será um enorme desafio para as bandas e editoras independentes, talvez minimizado por enquanto dada a recente globalização do fenómeno que permite chegar também a um número maior de consumidores pagantes. Mas fica sempre a questão, como sobreviverão os músicos que não conseguem ultrapassar a barreira? E as produções a nível nacional? dado que há um claro domínio da música anglo-saxónica, e as restantes propostas musicais ficam cada vez mais encarceradas em nichos de quase culto e sem autonomia financeira para fazer o quer que seja... Estaremos condenados a ouvir basicamente os mesmos formatos musicais?
Obrigado pelo comentário!
Um abraço
Ahhh nem estava em questão se era certo ou errado..era só um comentário bem humorado.
Em português do Brasil, o termo simplesmente não existe (chamamos "vinil" mesmo)por isso acho uma certa graça :)
Abraços.
Concordo, em grande parte, do que foi aqui dito, e acrescento os danos que os leitores de mp3 com auriculares provocam na audição. Também me intriga que alguém que se afirma melómano não tenha uma aparelhagem de jeito em casa, ou uma sequer, quando se pode comprar uma pelo preço de um leitor de mp3. Subscrevo também a referência à menor qualidade do mp3 face ao vinilo e ao CD.
Abraço!
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