O Mundo Formatado
Já tem sido aqui abordada a encruzilhada em que a actual indústria discográfica se encontra. Fruto de um misto de ganância e vistas curtas, não é preciso ser muito perspicaz para se prever que daqui advêm consequências, mais ou menos graves, para as produções discográficas periféricas, da qual Portugal faz parte. Os downloads maciços e a perca de receitas com a venda de CDs, por muita vontade de fazer a cama aos gulosos das multinacionais que nós tenhamos, tem como resultado final o prejuízo efectivo dos que fazem da arte a sua forma de vida e ganha pão. O mundo globalizado põe toda a gente a gostar e a consumir a mesma coisa. Mesmo aquela música dita alternativa ou indie tem, à escala global, mais vendas e proveitos que o mais mediático músico lusitano. E é disso que se trata, de um factor de escala.
Vem isto a propósito de numa recente entrevista, Laurent Filipe afirmar que precisa de 20 mil euros para gravar um disco, valor com que nenhuma editora se atreve a avançar. Se a estupefacção for tão grande como a minha, eu repito: são mesmo 20 mil euros. Isto é o que custa um carro de gama média que muita gente da classe média compra. Claro que ser um músico de jazz, por muitas qualidades que tenha, e Laurent Filipe tem-nas de sobra, não é bem a mesma coisa que um gajo pegar numas guitarras em que arranha uns acordes, dá-lhe umas batidas e coloca três ou quatro notitas num órgão Casio, mistura tudo no computador, faz um sucesso bestial e transforma-se num geniozinho (substantivo recentemente em voga para entronizar qualquer coisa com piada com uma atitude DIY) que conseguiu furar a ganância das multinacionais. Não, aqui falamos de gente que toca música um pouco mais elaborada, acto que a maioria dos ditos geniozinhos seriam incapazes de alguma vez fazerem. E com isto não quero fazer juízos de valor sobre a qualidade intrínseca de cada coisa, pois cada um terá o seu espaço e os seus públicos. O espaço e os públicos onde Laurent Filipe se move tem músicos profissionais que, como toda a gente, precisam de um ganha pão, e por isso 20 mil euros até parece ridiculamente obsceno para produzir um disco que conte com a participação de uma orquestra e alguns convidados, tal como Laurent Filipe confirmou. E isto é de uma pessoa que no dia 8 de Junho de 2009 comemorou, com um concerto no CCB, os seus 30 anos de carreira.
Laurent Filipe (trompete), com Mário Delgado (guitarra), Rodrigo Gonçalves (piano), Nelson Cascais (contrabaixo) e Alexandre Frazão (bateria)
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