Wednesday, 8 April 2009

ProgNósticos: Genesis - I

Parte 1

Para começar a rúbrica que decidi dedicar ao rock progressivo, nenhuma outra banda a poderia abrir senão a da minha eleição: os Genesis. Nada pode explicar, de forma racional, o impacto que uma dada banda tem em nós em momentos fulcrais da nossa vida e que acabam por formar a nossa maioridade musical, independentemente de quão cedo ela nos bateu à porta. No meu caso, foi aos 6/7 anos de idade, mas é óbvio que o irmão mais velho foi fundamental no processo. Tal como cada uma das principais bandas associadas ao rock progrssivo (ou art rock, onde também é por vezes engavetado), os Genesis têm uma identidade própria e única no género. A sua música contém frequentes pinceladas pastorais e é suportada em estruturas acústicas fortes, mas quedarmo-nos por aqui é algo redutor para o que foram fazendo ao longo do seu período mais importante, de 1970 a 1975. Uma banda de meninos de colégio privado, fruto da reunião de dois grupos de amigos, Peter Gabriel e Tony Banks de um lado e Mike Rutherford e Anthony Phillips do outro em 1967, a que se foram juntando uns bateristas pelo meio que não atinavam com o grupo nem o grupo com eles. Basicamente deram em músicos para poderem interpretar o que compunham, já que não encontravam niguém para o fazer. Até neste processo nasceram do avesso, pois normalmente as bandas só encontram o prazer da composição depois de se iniciarem e crescerem na execução musical, geralmente com covers das suas bandas preferidas.



Em 1969 editam o primeiro disco que mais não era que uma emulação dos Bee Gees e que ainda hoje permanece com os direitos na mão do produtor Johnatan King, responsável quer pelo nome da banda quer pelo título do disco, um resultado aliás no mínimo infeliz. Em 1970 assinam com a etiqueta Charisma de Tony Stratton-Smith (que tinha no catálogo os Van der Graaf Generator) e fazem sair o seu verdadeiro primeiro disco, Trespass. Um trabalho algo desequilibrado ainda, mas claramente formador de uma identidade que os caracterizaria nos anos seguintes. Têm em "The Knife" a canção com alma de rock puro e directo demonstrando serem capazes de lidar com agressividade e tensão na música. Esta é também uma marca do guitarrista Anthony Phillips que abandonaria o grupo pouco depois. O lado mais anguloso da música deixaria de se manifestar, e a “agressividade” ia dando lugar aos momentos mais pastorais e estruturados num certo sinfonismo das composições. Não admira pois que nunca tenham sido particularmente amados pela inteligentzia da crítica musical. A formação clássica, com a entrada de Phil Collins e Steve Hackett haveria de tomar forma no álbum seguinte, Nursery Cryme, em 1971, que aliás ainda tem trechos musicais com o cunho de Phillips. No entanto, nota-se que o salto qualitativo musical é substancial, com uma bateria que deixava de ser um mero instrumento para dar ritmo, e passar a ser um instrumento de corpo inteiro enchendo e criando as melodias que se desenvolviam pelas longas composições com 8 a 10 minutos. A guitarra de Hackett, por sua vez, dava ao conjunto a subtileza e requinte de uma voz sólida quer quando entra a apoiar na altura certa a música, ou quando se destaca e toma o comando das operações, que não foram assim tantas vezes quanto isso (os solos de guitarra não eram, de todo, uma característica destes rapazes). Ainda que nos Genesis prevaleça uma democracia no acto criativo da composição musical, e até à saída de Peter Gabriel todas as músicas são invariavelmente assinadas como “Genesis”, torna-se perceptível que são Tony Banks e Peter Gabriel que fazem valer as suas ideias com mais frequência. Os dois amigos de escola representam também as duas personalidades (e principais tensões) subjacentes ao grupo, Tony Banks mais clássico, luminoso e musical, Peter Gabriel mais intenso, criativo e negro. O espaço de actuação do grupo foi-se definindo com o tempo, com Banks a liderar a componente musical e Gabriel a tomar conta da escrita e das performances ao vivo (já que Banks não o deixava mexer nos teclados), que culminou na criação de personagens e uso de fatos e máscaras invulgares (para não dizer estranhos) conjuntamente com pinturas faciais, e que acabaram por der ao grupo uma visibilidade pouco usual tendo em conta o seu estatuto de banda de culto na altura. É neste contexto que colocam cá fora as duas obras seguintes, Foxtrot (1972) e Selling England by the Pound (1973). São obras musicais maduras (para muitos, conforme o gosto, representa o pináculo do grupo) onde os elementos da banda se encaixam na perfeição e onde vão explorando as visões surrealistas de Gabriel, como em “Suppper's Ready”, um dos monumentos musicais do rock digam o que disserem, ou temas tão diversos como a consciência ecológica em ambiente sci-fi apoteótico, revisitação de vivências britânicas a que não são estranhas referências literárias várias e a mais pura exploração da música como veículo de story telling com características de peça de teatro (Gabriel a fazer das suas). Na banda dava para se experimentar de tudo o que lhes viesse à cabeça, e mesmo para os que denotam falta de pachorra para ouvir composições intermináveis, eram capazes de produzir (e produziram várias) composições curtas e simples com os tons pastel de uma tarde outonal num qualquer lugar da Inglaterra rural ou de um passado histórico. Em 1973 até alcançam um certo sucesso com o lançamento do single “I Know What I Like”. Na música dos Genesis, os teclados enchem e dominam as composições mais arrojadas, mas encontram sempre uma secção rítmica de guitarras (mais acústica ou mais eléctrica) por detrás, solidificadas pela bateria de Collins que lhes confere um tom jazzístico inconfundível. A espaços, o tom mais pastoral é evocado pela flauta de Peter Gabriel. Mas a haver sonoridades inconfundíveis estas são sem dúvida os teclados de Banks, em especial o uso do Mellotron (comprado aos King Crimson e com sonoridades que são assustadoramente semelhantes às que encontramos em Exit Music ou Lucky dos Radiohead! Esta observação é claramente uma provocação, mas muitos críticos musicais deram por elas), ou as texturas da guitarra de Hackett que ora lhe fazia soltar um lamento agustiante que nos tocava fundo, ora percurtia as cordas com doses certas de distorção. Mas quando tomamos o conjunto, tudo se encaixa e faz sentido, tal e qual uma jam session inspirada. Na verdade, esta era a forma como verdadeiramente trabalhavam e compunham as suas músicas.

2 comments:

muguele said...

Ora pois começa muito bem. Os Genesis também são uma das minhas referências juvenis e uma das razões porque ainda hoje gosto de "progressivo", para além de terem proporcionado a abertura necessária à descoberta da porta da "fusão" que me fez chegar a alguns tipos de Jazz. No fim, acho (ao contrário de muita gente) que é música que nos ajuda a "abrir a mente".

strange quark said...

"Abrir a mente"! Nem mais! Esse tem sido desde sempre o meu argumento em defesa do rock progressivo. É certo que nós nos inclinamos musicalmente para estruturas musicais simples, que nem por isso deixam de ser extraordinariamente belas e sedutoras, ao contrário do que as bandas do progressivo no fundo faziam. Mas isto é como ler um livro ou ver um filme que exige muito mais de nós, como espectadores (ouvintes neste caso), que uma simples novela na televisão. Nem sempre teremos a disponibilidade mental para o fazer, mas uma coisa é certa: muita coisa eu fui gostando ao longo destes anos e poucas são as bandas que vamos re-ouvindo ao longo da vida. Esta é, para mim, uma delas.

E quanto à fusão jazz, não será por acaso, como te referi, que a Mahavishnu Orchestra tenha sido uma das referências destes meninos.