Saturday 15 November 2008

ProgNósticos: Introdução

Vou aqui iniciar uma série de textos sobre o género e as bandas que formaram o meu gosto musical, em primeiro lugar porque no mundo da crítica musical se confunde fartas vezes qualidade artística com gosto pessoal e em segundo lugar porque o género (rock progressivo) tinha como princípio fundador o não existirem fronteiras para o que se quisesse experimentar e misturar, e esse princípio funcionou para mim como o maior legado que este estilo de música deixou, a mim e a todos o que experimentaram uma vez tentar ouvir algo de completamente diferente.

Se quisermos procurar uma raiz para o conceito de rock progressivo ela está inevitavelmente na explosão do rock psicadélico em finais dos anos 60 onde o consumo excessivo de ácido nas veias levava frequentemente os músicos a embarcarem numa espécie de delírio musical que fugia completamente aos cânones da música rock como uma forma de expressão juvenil agarrada à manifestação exterior de alegria e exuberância associada a uma dose (q.b.) de contestação ao sistema. Nesse aspecto é inegável o contributo dos Beatles cimentado pelo álbum “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band”, talvez por isso mesmo apontado por alguns como um disco que decretou a morte do rock no pior sentido sendo frequentemente mal-amado pelas mesmas razões. A partir daqui tudo seria possível, e várias manifestações vinham a lume nessa mesma altura que antecipavam os destinos para onde o velho rock'n'roll haveria de descambar. Os Moody Blues juntavam-lhe a pompa da orquestra. Frank Zappa fundava uma realidade outsider ao sistema que prevaleceu em toda a sua carreira. As influências jazz haveriam de consumar uma união de facto que só não deu em casamento porque o sistema nunca haveria de deixar que o rock saísse do domínio popular, com tudo o que isso poderia significar em perdas financeiras para as editoras a nível mundial que haveriam (até aos dias de hoje) de levar à manipulação e formatação de gostos e opções para as mentes que continuavam a absorver acriticamente o que lhes ofereciam. Se há ano charneira que materializa estes acontecimentos ele é, seguramente, 1967 ano em que também saiu uma das músicas mais aclamadas de todos os tempos, “Whiter Shade of Pale” dos Procol Harum. A heresia tinha sido professada, e tal como uma reforma à santa igreja do rock os seguidores não tardariam a passar a nova mensagem. Bandas como os Yardbirds, Pink Floyd ou Soft Machine vaguearam pelo psicadelismo e acabaram por dar origem a bandas que assumiram de alguma forma o progressivo ou elas próprias acabaram por enveredar por esses caminhos. Os The Nice (de Keith Emerson) mantém-se como um dos pioneiros, mas se quisermos eleger o disco por excelência do rock progressivo nos anos 60, foi sem margem para qualquer dúvida “In The Court of The Crimson King” dos King Crimson em 1969, uma bíblia condensadora de tudo o que de bom o género deu e poderia dar. De resto, o tempo acabou por levar à natural evolução das coisas, e as bandas que tradicionalmente se associam ao género, e suas representantes mais importantes, iam derivando nesse sentido tal como os Yes, Genesis, Van der Graaf Generator, Gentle Giant, Emerson Lake & Palmer e Jethro Tull.

O rock progressivo nunca pretendeu ser um género popular, agarrado a tops ou a fazer música para dançar. Nunca se assumiu herdeiro para cantar desgraças, pessoais ou alheias, ou com pretensões de combater o sistema que não fosse o da própria música onde sempre foram outsiders (basta percorrer e ler o que as publicações da especialidade da altura afirmavam sobre o género ou sobre o que faziam). Tinham seguramente uma visão mais complacente do Mundo, ressaca dos anos “flower power”, que potenciou por vezes ligações a experiências mais espirituais e transcendentes, com tudo de mau que inevitavelmente também daí advém. Foi comum confundir-se erradamente o movimento progressivo, fundamentalmente britânico, com o krautrock alemão. O krautrock também foi uma contra-resposta, mas à música anglo-saxónica em geral, tendo como pedras basilares um punhado de músicos com formação erudita fortemente influenciados pela criatividade emanada da escola alemã e personificada em compositores como Karl-Heinz Stockhausen. Kraftwerk, Neu! e Can foram os seus mensageiros populares, facto que aliado ao uso das electrónicas e estruturas musicais simples haveriam de consagrar o movimento como inspirador de toda a pop electrónica até aos dias de hoje. E as consequências disso ainda não acabaram chegados que estamos ao estado superlativo da samplagem de tudo e mais alguma coisa, acto que leva a questionar se a própria essência da criação musical não se arrisca a cair numa vulgaridade perigosa onde facilmente se confunde arte com colagens espertas e plágio bem mascarado. Mas essa é uma outra história, que apenas vem demonstrar que os caminhos trilham-se em função dos obreiros que constroem as estradas e dirigem-se necessariamente para os locais onde elas mesmas foram construídas, e os locais eram diferentes no Krautrock e no Progressivo, mas o background também era e por isso discutir o assunto é tão estéril como não conseguir perceber porque razão os chineses não são católicos.

Só uma pequena advertência: estes textos são uma (tentativa de) reflexão pessoal sobre um género musical por parte de alguém que é um simples cidadão informado e que passou horas durante anos a ouvir muitas destas músicas, mas que no fundo são as verdadeiras fontes para se falar sobre elas.

Caros leitores, bem vindos ao Mundo do Progressivo!

Monday 10 November 2008

A Génese dos Genesis


Hoje, dia 10 de Novembro, os Genesis lançam cá para fora a 3ª e última caixa de uma série que abrange os vários períodos da sua obra e que pretende disponibilizar toda a sua discografia de originais completamente remasterizada. Esta última caixa, e para mim a única apetecida, cobre os anos 1970-1975, tambem conhecidos como os anos Gabriel. A caixa contém 7 SACD (Super Audio CD, que é um formato de alta resolução) e 6 DVD que inclui 5 dos primeiros discos que editaram (o primeiro registo continua de parte até porque os próprios não detém os seus direitos): Trespass (1970), Nursery Cryme (1971), Foxtrot (1972), Selling England By the Pound (1973) e The Lamb Lies Down on Bradway (1974). A verdadeira alma do grupo que me marcou indelevelmente encontra-se toda aqui. A sequência de discos é um crescendo de maturidade que vai formando uma sonoridade e identidade muito própria de uma banda que afirmava não pretender tocar no “Top of the Pops”, o programa da BBC onde as modas musicais se passeavam. Andavam por um género musical entretanto amaldiçoado e hoje algo ignorado, embora tenham contribuido para que a música popular não servisse exclusivamente como veículo dançável pouco dado a pensamentos mais profundos. Quando se fala em algum renascimento do “progressivo”, pontuado por exemplos óbvios como “OK Computer” dos Radiohead, ou menos óbvios como algumas propostas musicais que alguém convencionou chamar de pós-rock, não se deverá esquecer que as raízes estão também aqui, apesar da negação constante da mesma. As propostas musicais não evoluem de forma independente e estanque, e o progressivo foi uma consequência natural do psicadelismo, assim como muitas das novas formas são uma consequência natural do edifício musical que entretanto se foi construindo ao longo de décadas.

Daqui para a frente os Genesis perderam toda a sua consistência e orientação até acabarem numa vulgar banda pop. No entanto, preservaram sempre uma qualidade: qualquer um dos seus elementos é um músico de excepção, e se dúvidas há, oiçam-se precisamente estes registos iniciais. Para finalizar, lembro que o formato SACD disponibilizado é híbrido, ou seja, é compatível com os leitores de CD normais, mas para ouvir em alta resolução é mesmo necessário um leitor SACD (e um bom sistema, também!).

Saturday 8 November 2008

Doce Tentação

O que leva um gajo como o Rui Reininho desatar agora a desenterrar uma versão de uma música das Doce dos idos anos 80, mais precisamente uma que levaram ao festival da Eurovisão? E o que é que dá numa rádio que é incapaz de passar música que não seja alternativa ou de “bom gosto” segundo o seu critério, passar uma coisa destas? Por acaso até se assistiu recentemente a uma espécie de reacção enxofrada de um colaborador da rádio aparentemente por não ter gostado de uma comparação entre intérpretes, supostamente porque uma é de “bom gosto” e a outra é de “mau gosto”. E é isto que me deixa perplexo neste mundo. Há pessoas que acham que definem o que é “bom gosto” e “mau gosto” com uma facilidade extrema e não aceitam quem pense de forma contrária. Pessoas que gostam de apregoar as suas raízes liberais, alguns laivos de intelectualidade e sentido democrático que depois aplicam uns rabiscos de lápis azul (para os mais novos, era assim que a comissão de censura da ditadura cortava os textos antes de serem publicados) em comentários e opiniões, sejam sérios ou meramente a brincar, porque obviamente são incapazes de conviver com uma diversidade de opiniões ou de sentirem que “o seu mundo idealizado da adolescência” se torna dessacralizado na perspectiva do seu interlocutor. Por mim continuo a achar a música das Doce de um mau gosto terrível, seja cantada por elas, pelo Rui Reininho, ou até mesmo pelo António Victorino D'Almeida. Há quem não concorde comigo? Também não vejo problema nisso, pois cada um é livre de se exprimir como lhe dá na real gana. E se passa na rádio e não gosto, é simples: desligo ou mudo de posto! Pode haver muita música de que não gostava quando era adolescente e que depois de ter crescido passei a ouvir com outra atenção e reflexão, mas garanto que as Doce, Abba e afins não se contam entre essas peças. São tão más agora como o eram há 20-30 anos atrás e de certeza que nunca representaram a minha adolescência.

Friday 7 November 2008

Obamania


Qual espécie de Beatlemania pós-moderna assiste-se, um pouco por todo lado, ao rejúbilo pela vitória de Barack Hussein Obama na corrida presidencial americana. Cá nestas hostes também se saúda essa vitória, mas confesso uma certa indifereça e baixa expectativa pelas eleições americanas, e esta não foi excepção. Afinal, a dualidade democrata/republicano é bem mais difusa e ambígua que o simples liberal/conservador ao bom estilo europeu, e tenho para mim que os presidentes americanos são, normalmente, um bom exemplo de pragmatismo na governação, e quando toca a comandar o país é tão certo como me chamar Strange Quark que nada é deixado ao acaso ou irá contra os intresses da pátria que se comanda. Obama não será por isso diferente do que espero que ele seja, ou então ainda nos arriscamos a ter um ícone da dimensão de um Kennedy, provavelmente com o mesmo fim trágico. O que me assustou na candidatura opositora foram fundamentalmente as posições perante a ciência e política ambiental. Aqui residem as minhas maiores expectativas relativamente a esta nova administração, e logo veremos se estarão à altura. E aproveito para referir que, em termos de preferências, a minha pessoal recaíu sempre em Obama, mesmo no momento em que lutava contra Hilary Clinton. Contudo, é inegável o momento histórico da eleição, a começar pelo facto de ser o primeiro afro-americano a dirigir os destinos dos americanos. O segundo facto, mais simbólico que outra coisa qualquer, é que neste momento de grande tensão no Médio-Oriente termos um presidente americano que se chama Hussein talvez seja um bom pronuncio sobre a política externa americana e a potencialidade de se promover o apaziguamento da região, algo que foi completamente esquecido pelo macaco que ainda mora na Casa Branca. Finalmente, creio que esta onda de felicidade comum se justifica porque Bush filho terá sido seguramente o presidente mais imbecil da História, deixando um legado desastroso de guerra, ruina financeira e crise económica. E para terminar, deixo o link para a melhor frase de congratulação pela vitória de Obama.