Friday 27 April 2007

Rostropovich


Mstislav Rostropovitch, o grande violoncelista russo do século XX faleceu, hoje, aos 80 anos. Ocasião para recordar a sua interpretação, inigualável e inimitável, das 6 Suites para Violoncelo Solo de Johann Sebastian Bach, numa edição cuja capa contava com um desenho do próprio feito por Salvador Dali. Obrigatório!

Thursday 26 April 2007

(In)Oportunismos

Se tens planos para um ano, planta uma seara.
Se tens planos para dez anos, planta uma árvore.
Se tens planos para cem anos, educa um povo.
Provérbio chinês (mais um)

O Bloco de Esquerda (BE), ao seu estilo mais dandy, decide arremessar mais uma pedrada contra a política de emprego através da sugestiva campanha sobre as “Novas Oportunidades” que já foi objecto de várias investidas humorísticas, que até incluem o mais que falado e já enjoado diploma do primeiro ministro. Deve dizer-se que o cartaz do BE tem vários problemas e nenhuma virtude. O primeiro dos quais, e que tem sido fortemente atacado, é que a fórmula humorística apesar de interessante sob esse ponto de vista, é automaticamente relegada para último plano em face de uma mensagem muito mais grave que acaba por passar de forma bem mais directa: estudar, não compensa! Pessoalmente, enquanto defensor da educação e da cultura, nunca permitirei que tal mensagem passe sem receber, de mim, o mais forte e veemente protesto. É que, bem vistas as coisas, mais parece um dos chavões do fascismo que clamava “mais vale ser um burro saudável do que um doutor tuberculoso”. Em política, já o afirmei aqui noutra ocasião, devemos ter algum sentido de responsabilidade para com a forma como exprimimos ideias. O BE não é o Gato Fedorento! O contexto em que se entende esta mensagem, relembrando até o famoso contra-cartaz na praça do Marquês de Pombal se pensarmos num caso e no outro, é totalmente diferente. O investimento na nossa formação e na nossa cultura é um bem inestimável e um garante esssencial à nossa liberdade e é do melhor com que poderemos contribuir para o progresso do país.

Mas o cartaz tem ainda outros aspectos que merecem comentário, mas desta vez irei fazê-los ao melhor estilo BE. A começar pela imagem de uma jovem, denotando desde logo um apuradíssimo conhecimento da sociedade portuguesa onde, apesar de licenciadas, são as mulheres as mais afectadas por este flagelo. Não se está a promover a igualdade entre os sexos, pelo que gostaria de ver um cartaz onde lesse: “Este é o José Manuel que acabou os estudos”. Por outro lado, esta familiaridade no tratamento pessoal é algo de bastante carinhoso. Trata-se a Ana Paula por “Ana Paula”, assim sem mais nem menos! A jovem não tem apelido? Claro que, da parte do BE, nem outra coisa seria de esperar, já que assim até esbatem qualquer potencial diferença na origem social da Ana Paula. É que a Ana Paula, apesar de ser licenciada, nem sequer é tratada por Drª, e ainda bem porque nesta matéria somos verdadeiramente provincianos, mas talvez “Ana Borges” ou “Ana Soares” não ficasse mal de todo venha a Ana Paula de que classe social venha. Assim como não foi inocente o “José Manuel” que eu próprio mencionei, apesar de poder ter dito apenas “Zé Manel” que até ficava com mais estilo. Assim, só com o “José Manuel” até poderíamos pensar no Barroso, o tal que enviámos para a metrópole europeia. Acredito que nesta altura, muitos europeus se devem questionar se não estariam mesmo melhor se o “José Manuel” não tivesse terminado os seus estudos. E o “Francisco”? O que seria do BE se o “Francisco” não tivesse terminado os estudos? E eu, já agora?

Monday 23 April 2007

Coisas Obscuras Não Identificadas


É melhor acender uma vela do que maldizer a escuridão – provérbio chinês.

É este provérbio que abre as primeiras páginas do livro “Um Mundo Infestado de Demónios” de Carl Sagan, publicado pela Gradiva em 1997. Estamos num mundo que se encontra, a vários níveis, com falta de referências e em resposta a isso proliferam as mais estranhas crenças e devoções, sejam as cientologias, cristaloterapias, ou, claro está, a visão de OVNI’s e crenças em extraterrestres com capacidades quase divinas. O que despertou este texto não foi tanto o que li no blog da Radar acerca do convidado do programa “Fala com Ela”, mas algumas palavras que proferiu na entrevista e que apanhei ocasionalmente durante uns breves minutos. Afirmar-se que a visão de OVNI’s constitui uma espécie de estado espiritual é, no mínimo, estranho, mas cada qual pensa o que quiser sobre o assunto. Agora, enquanto pessoa de ciência cabe-me alertar consciências para uma realidade que pode ter tanto de interessante como de perigoso. Acima de tudo porque o que está na base de muitas destas crenças e pseudociências não é mais que uma fé irracional por parte dos potenciais seguidores ou crentes. A ciência faz-se do oposto disto! A fé é substituida pelo cepticismo e o irracional pelo racional. Potenciar as pseudociências apenas traz obscurantismo, o qual foi provado pelos europeus durante a Idade Média. Não fossem os judeus e os árabes, e muitos dos textos clássicos gregos, fundadores da ciência e filosofia modernas não teriam, se calhar, chegado às mãos da cultura ocidental. Não será por acaso que Einstein considerava um milagre a ciência ter sobrevivido até aos dias de hoje. O perigo potencial destas crenças é a privação da nossa liberdade, sobretudo de pensamento. Assinale-se que dar uma dimensão espiritual à vida não é, de todo, incompatível com ciência, e a prova disso são os muitos cientistas profundamente religiosos e crentes numa entidade divina superior. Todos têm noção dos limites da ciência e o que está para além desses limites entra no domínio da especulação.


Carl Sagan é conhecido pela espantosa série Cosmos que determinou que muitos jovens seguissem uma carreira em ciência. Era professor numa das mais prestigiadas universidades americanas, a Universidade de Cornell, e esteve associado a vários programas espaciais da NASA. Mas no livro “Um Mundo Infestado de Demónios”, publicado já durante os seus últimos meses de vida, deixa um manifesto contra as pseudociências que sempre procurou combater de forma séria e não jocosa como, erradamente, muita gente faz. São um conjunto de ensaios e artigos de opinião alguns originalmente publicados em várias revistas de divulgação nos Estados Unidos, muitas ligadas ao fenómeno dos OVNI’s. Nele encontramos algumas histórias que nos demonstram quão ténue é a fronteira entre a sanidade e a loucura (ou alucinação). Mas a que é mais reveladora do espírito que pretendo aqui explorar, é a do “dragão na minha garagem”. Nela somos levados a ser condescendentes com o nosso vizinho que, um dia, nos diz que tem um dragão na sua garagem. Movidos pela curiosidade, pedimos que nos mostre o dragão, mas acabamos por ser confrontados, na garagem, com a informação de que o dragão é, afinal, invisível. Mas esse facto não nos faz desistir e propomos formas indirectas de assinalar a sua presença, como espalhar areia no chão e verificar se o dragão deixa pegadas. Mas o nosso vizinho diz-nos que o dragão flutua no ar, por isso, não deixa pegadas. Mas como os dragões cospem fogo, um detector de infravermelhos deverá revelar a sua presença, mas aí o nosso vizinho diz-nos que o fogo do dragão é imaterial e, como tal, indetectável por este método. Ao fim de várias outras propostas, que acabam sempre por esbarrar numa impossibilidade qualquer, qual a diferença entre existir “aquele dragão” e não existir dragão nenhum? Esta pequena história aqui resumida sintetiza muito bem os princípios da actividade científica e os das pseudociências. Em ciência, qualquer hipótese ou teoria está constantemente a ser testada e se algo falhar, pode mesmo implicar o abandono da teoria ou da hipótese. Qualquer teoria em ciência tem de ser falsificável. O erro é algo com que os cientistas lidam constantemente e aceitam de forma natural, e porquê? Porque se promove o culto do cepticismo e porque o erro pode não ser (normalmente não é) imediatamente visível ou mesmo determinável com facilidade, mas é uma forma de sabermos que consiguimos melhorar o que fazemos. Quanto às hipóteses ou teorias que resistem à falsificabilidade, nem sequer merecem esse epíteto, ou como diria Wolfgang Pauli (prémio Nobel da Física em 1945 por importantes contributos para a Teotia Quântica, nomeadamente o seu famoso “Princípio de exclusão de Pauli”) “They are not even wrong!”.

Sunday 22 April 2007

Dia Internacional do Planeta Terra


Hoje comemorou-se o Dia Internacional do Planeta Terra e já há vários meses que, sob os auspícios da IUGS (International Union of Geological Sciences), se determinou que 2008 será o Ano Internacional do Planeta Terra. Um gesto para alertar consciências, sobretudo políticas, de onde partem decisões que determinam as nossas vidas.


Saturday 21 April 2007

É Hoje...

.. e amanhã!

Mais uma demanda do Graal sónico para ter a (ilusória) presença em nossa casa dos músicos e das músicas que fazem o nosso deleite.

Thursday 19 April 2007

Coisas do Arco da Velha (#1)


Mais um título emprestado, desta vez a um dos mais importantes grupos musicais que alguma vez apareceram em Portugal: refiro-me à Banda do Casaco. Com o intuito de puxar um pouco pelas memórias, irei abrir esta rubrica precisamente com a Banda do Casaco, agradecendo assim, em forma de homenagem, o uso do título do seu segundo disco retirando da Arca escondida das Memórias coisas que são, também, do Arco da Velha.

A Banda do Casaco resulta da reunião entre António Pinho, membro fundador da Filarmónica Fraude, e Nuno Rodrigues, a que se juntam Celso de Carvalho e, mais tarde, António Pinheiro da Silva. No entanto, na formação da Banda do Casaco encontramos um leque variado de músicos, que ora vêm ora vão, de uma qualidade excepcional. Destacam-se, de entre outros, Carlos Zíngaro, Armindo Neves, Mena Amaro, Né Ladeiras, Rão Kyao, Gabriela Schaff e Jerry Marotta (na altura, baterista da formação que acompanhava Peter Gabriel, em estúdio e em palco). A Banda do Casaco prima por um certo eclectismo musical, que ora tinha raízes no folclore, ora era pop, ou rock, ou experimental, ou sei lá que mais... A mistura era, no entanto, tudo menos inconsequente ou desajustada. Aliada à primorosa estrutura musical haviam as palavras de António Pinho, que deambulavam por paisagens bem portuguesas regadas com uma dose muito forte de ironia e algum surrealismo. O retrato de Portugal era por vezes amargo e triste, e apesar de terem a sua obra editada no pós 25 de Abril não impediu que, de certa forma, tenham visto a sua mensagem calada. Na realidade, mais um caso de incompreensão generalizada, matizada pelas vistas curtas de uma certa inteligentzia nacional, intelectualóide e bacoca. A situação mais gritante ocorre com aquele que é considerado por muitos uma das obras-primas da música portuguesa “Hoje há Conquilhas Amanhã não Sabemos”. Recuperado dos escombros (se assim podemos dizer) em 2006, é significativa a mensagem que encontramos no interior da re-edição em CD escrita por Nuno Rodrigues: “Que obscura guia de marcha terá tido o Património Cultural de empresas intervencionadas pelo estado e administradas por heróicos militares após o 25 de Abril?”. De facto, como é possível que as masters originais desta obra tenham, pura e simplesmente, desaparecido? Acto exemplificativo de um Fahrenheit 451, obra homónima de Ray Bradbury, cuja leitura aconselho, e que foi transposta para o cinema por François Truffaut.


Por ocasião dessa re-edição, António Pinho e Nuno Rodrigues deram uma entrevista ao Nuno Galopim no suplemento 6ª do DN de 1 de Dezembro de 2006, de que vale a pena transcrever a seguinte passagem:

NG – E com os músicos da época, como se relacionavam?

NR – Relativamente mal, porque não nos percebiam. Lembro-me de um concerto em 1977, na Aula Magna...
AP – Precisamente onde mostrámos o Hoje Há Conquilhas...
NR – Era um concerto com a Brigada Vítor Jara, os Trovante e nós. Foi uma noite escaldante... A Né Ladeiras, que estava na Brigada Vítor Jara (e veio depois para a Banda do Casaco), veio dizer-nos que parte da sala estava inflamada porque corria o boato que nós tínhamos acabado de chegar de Londres para gravar o hino do MIRN. Enviámos para o palco, primeiro, o Carlos Barreto. Pedimos-lhe que tocasse com o contrabaixo uma improvisação de uns dez minutos até toda a gente estar perfeitamente enraivecida.
AP – Não estávamos a fechar o espectáculo porque a organização achava que éramos os mais famosos. Eles prepararam o grande prato final que era o vamos massacrar estes tipos! Atirámos o Carlos Barreto. Estávamos todos nervosos porque era um apupo contínuo... A história está muito bem relatada no livro de memórias do Manuel Faria, dos Trovante. Aquilo era um urro tremendo. E fiz, à saloia, aquilo que, hoje, o cantor mais pimba faz num arraial popular: dirigi os apupos. Esquerda, direita, e de repente deixaram-se comandar...
NR – Começámos, depois, a tocar o Romance de Branca Flor, que começa connosco a bater palmas nas pernas... E alguém, na plateia, diz: “as palmas, seus fascistas, também são folclore?”... e o António salta para uma mesa e responde: “depende de quem as bate!”...
AP – Aquilo acalmou e começaram a gostar... Mas havia essa discussão estéril do se é ou não folclore... E perguntei se um penico de barro feito por um artesão do Minho é ou não folclore... Alguém responde que é. E eu respondo: “é, uma merda!”. Descambou... E no fim, quando terminámos, queriam mais. Dissemos que não sabíamos tocar mais nada e que, então, fizessem como no Quando o Telefone Toca. Fizeram pedidos, e nós repetimos... Foi uma coisa de loucos!

Loucos? É o mínimo que se pode dizer... De facto, foram tempos muito confusos, mas também devem ter sido, ao mesmo tempo, muito estimulantes.

Ainda falta uma edição integral da obra da Banda do Casaco em CD. Esperemos que a iniciativa da Companhia Nacional de Música nos possa vir a devolver estas pérolas:

1975 – Dos Benefícios de um Vendido no Reino dos Bonifácios
1976 – Coisas do Arco da Velha
1977 – Hoje Há Conquilhas Amanhã Não Sabemos
1978 – Contos da Barbearia
1980 – No Jardim da Celeste
1982 – Também Eu
1984 – Com Ti Chitas

E assim, para terminar, fica em audição o tema “É Triste Não Saber Ler” do disco de 1976, bem demonstrativo do porquê deste grupo merecer um lugar destacado na história da música.

Tuesday 17 April 2007

Aquecimento Global Político

As embrulhadas com o diploma e o percurso académico do primeiro ministro ameaçam transformar-se num novelo de onde não parece haver escapatória possível. Todos os dias se acrescenta mais um dado, um carimbo, uma folha de papel, uma assinatura, uma data, uma conferência de imprensa. Por isso, lembrei-me que esta imagem do filme “Ice Age 2”, com Scrat a proteger a sua querida avelã, é bastante adequada para o momento que o primeiro ministro atravessa.

Friday 13 April 2007

Dia Aziago

Foi assim, que me exprimi no blog da Radar. Hoje, sexta-feira 13 dei conta, logo de manhã, que o DN deixou de publicar o suplemento “”. Como que a fazer jus à má fama deste dia vim a saber mais tarde, através do blog da Radar onde descaradamente fiz a pergunta ao Nuno Galopim, que essa interrupção é definitiva. Já não sei a quantos episódios de desaparecimento de instrumentos de difusão cultural e informativa com qualidade assiti nos últimos anos. Assim de repente, nas ondas hertzianas, lembro-me da XFM que deixou órfã uma comunidade de ouvintes que, embora sendo uma imensa minoria, não foram suficientes para assegurar a viabilidade comercial da rádio. Manteve-se, na mesma frequência, uma VOXX que não era bem a mesma coisa, mas que acabou por desaparecer também. A TSF foi, desde há vários anos, uma referência na informação. A mesma TSF beneficiou, de forma substancial, com a extinção da XFM pois acabou por absorver parte da equipa desta. As melhorias musicais fizeram-se sentir, e a pouco e pouco foi construindo uma programação que era um “luxo” dentro do panorama nacional. Mas, como tudo o que é bom acaba depressa, há cerca de dois anos (estou a escrever de memória, por isso não tomem estas referências muito a sério) decidem importar da RR um indigente para seu director de programas, responsável também pelo inqualificável programa a “Idade da Inocência”. Foi o afundanço total. A TSF é, hoje, uma sombra sem substância do que chegou a ser. Na rádio, os programas de autor quase não existem. A Radar acaba por ser um oásis neste deserto de propostas radiofónicas, menos por mérito próprio e mais por falta de opções que o desejável. Faltam claramente alternativas.

Ao nível da imprensa escrita, o caminho parece continuar glorioso de afundanço em afundanço até ao enterramento total. A revista “Grande Reportagem” fez o calvário (sempre estamos na Páscoa) do costume: a novidade, a afirmação, o adormecimento, a reestruturação (leia-se, intenção de fazer desaparecer lentamente) e o fecho. O suplemento “Sons” foi o que, há já vários anos, me fazia adquirir o DN semanalmente. Ainda tinha o bónus das crónicas audiófilas do José Vitor Henriques. Depois veio a reestruturação (para a “”) com o abandono do José Vitor Henriques (a primeira perda). Recentemente ouvimos notícias que davam conta que a linha editorial do DN iria mudar e popularizar o jornal (que, como sabemos, é sinónimo de imbecilizar, ajavardar, mediocrizar). O suplemento “” não resistiu porque, claro está, não era popular. Hoje, portanto, comprei o Público e assim me manterei até que lhe aconteça popularizar-se porque já não alimento outra esperança que não essa. Se não acontecer, tanto melhor. Mais me custa ver que a “” tinha a mão segura de um Nuno Galopim que um dia decidiu seguir um sonho despertado em detrimento de uma carreira, seguramente ao nível do colega e aluno brilhante que foi.

De consolação, serve-nos a notícia da presença dos TV on the Radio no SBSR. The show must go on!

Thursday 12 April 2007

NIИ


Year Zero dos Nine Inch Nails está à porta (16 de Abril) e parece mais que uma recompensada espera. Em audição integral em http://yearzero.nin.com/, Trent Reznor apresenta-nos um cardápio musical de primeira água e um dos discos mais entusiasmantes que ouvi este ano.

Wednesday 11 April 2007

Sócrates, “O Engenheiro”

Por mais voltas que isto dê, estamos em crer que o actual Primeiro Ministro já não se livra do cognome à boa maneira dos reis do passado, muito embora, segundo algumas pessoas, subsistam dúvidas para a ostentação de tal título. Mas isto dos cognomes tem as suas nuances peculiares. Por exemplo, D. Dinis era conhecido por “O Lavrador”, apesar de não se conhecer que tenha alguma vez pegado numa enxada ou plantado o quer que seja. Mandou plantar, ao que parece, o Pinhal de Leiria. Mesmo D. Afonso Henriques era conhecido por “O Conquistador” e nem um concurso da treta conseguiu conquistar a um gajo meio parolo e com tiques de beato lá das bandas de Santa Comba. Por isso não admira que Sócrates possa ser “O Engenheiro” mesmo que nunca na vida tenha (ou venha a ter) um projecto para a construção de um passadiço com tábuas de madeira sobre um qualquer buraco aberto pelos SMAS no passeio fronteiro à sua residência.

Mas de uma coisa poderemos estar seguros. A Universidade Independente parece ter um corpo docente e administrativo de alto gabarito para a “Engenharia do Canudo”, uma nova área do saber, já com pedido de acreditação na respectiva Ordem profissional. Como todos sabemos, ter um “Canudo” dá trabalho e demora tempo. Mas é precisamente para isto que os projectos de engenharia servem, para de forma segura se conseguirem contornar os desafios que se nos apresentam. Trata-se de arranjar formas rápidas, eficazes e sem esforço de atribuir “Canudos”, o que é uma autêntica arte. É uma conquista do génio português (se é que ainda subsistiam dúvidas), que assim alcança um patamar elevado, mesmo a nível internacional. Torna-se desta forma incompreensível que o Ministro Mariano Gago obrigue ao fecho compulsivo de uma instituição com esta mais-valia preciosa e com fortes potencialidades de se internacionalizar, assunto aliás muito acarinhado por este Governo.

Vale a pena relembrar Sócrates, não “O Engenheiro” mas um parvo qualquer que apareceu lá pela Grécia Antiga que cada vez menos gente dá conta que tenha existido.

Thursday 5 April 2007

O Humor é uma Arma

Já lá dizia uma cantiga do tempo do PREC que "A canção é uma arma". Hoje assistimos a uma brilhante intervenção pública que recoloca no devido lugar os acessos de acefalia aguda que por vezes acometem algumas personalidades que foram muito bem caracterizadas neste lugar mal frequentado da blogosfera.


Foto: Sérgio B. Gomes, Público.pt

Wednesday 4 April 2007

Personalidade do Mês (Março)

O mês de Março foi prolífico em nomeações para o prestigiado Prémio do Restaurante. Alberto João Jardim continuou no seu melhor, numa tentativa desesperada para receber o prémio deste mês, ao afirmar que só aceita governar com maiora absoluta e que este será o seu último mandato. Fontes não oficiais dão conta de um convite da TVI para que Alberto João apresente um programa de humor em horário nobre, para concorrer com o Gato Fedorento e o “Hora H” do Herman.

Digno de registo foi igualmente a divulgação de um relatório onde se afirma que os empresários do futebol declaram apenas 10% do que ganham (tanto? de certeza que não se enganaram?). No entanto, saliente-se que Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, não se mostrou surpreendido com o relatório e diz que os jogadores são dos que pagam mais impostos ao país (perfeitamente credível, mesmo que declarem só 10%...).

De âmbito nacional, o acontecimento central foi, sem dúvida, a discussão político-partidária de elevado nível dentro do CDS/PP. Um Portas com ares de D. Sebastião, mas sem nebelina a acompanhá-lo, gera a confusão, deixa os companheiros de partido à estalada enquanto se esgueira, sorrateiramente, para a rectaguarda não fosse, inadvertidamente, levar com uma galheta perdida e assim ser vítima de efeitos colaterais indesejáveis. O sururu foi tal que José Manuel Rodrigues, presidente da filial madeirense, até afirmou que, se pudesse, pedia a independência do partido. Será o vírus Alberto João a propagar-se alarmantemente a outras individualidades?

Apesar da qualidade da oferta, a escolha do Comité do Restaurante recai este mês, pela primeira vez, em personalidades internacionais:

Lech e Jaroslaw Kaczinski (Presidente e Primeiro-Ministro da Polónia, respectivamente, e irmãos gémeos também) pela proposta de lei que pretende despedir professores que promovam atitudes homossexuais e pelo prazo de dois meses que deram a 700 mil professores, jornalistas e funcionários públicos para que confessem de forma “voluntária” as suas relacções com a polícia secreta comunista.

Comentário do Comité do Restaurante:

Este é um exemplo claro que demonstra até que ponto as democracias conseguem ser verdadeiramente universais contendo, de forma insidiosa, instrumentos de regulação muito similares ao dos regimes “democráticos com musculatura”. Encontra-se assim uma justificação para o aforismo devido a Churchill que a “Democracia é o pior dos sistemas, com a excepção de todos os outros”. Com um âmbito tão lato, a democracia consegue conter todos os sistemas possíveis e imaginários e assim ser pior que ela própria.

Menção Honrosa:

Ao DN sobre a abertura da maior central solar do mundo, demonstrando um jornalismo profundo, de investigação e herdeiro de um tradição veiculada pelo telejornal da TVI nos seus melhores dias. Veja-se a seguinte transcrição:

Há em Brinches quem acredite que virão pessoas para "ver isto", há quem não pense da mesma maneira. João Galamba, 55 anos, taxista, abre o vidro do Mercedes e encolhe os ombros, desalentado: "A central é boa para o País mas para o Alentejo não vejo benefício nenhum." E não acha que vão aparecer aí turistas, para ver a maior central solar do mundo? O taxista sorri um sorriso desesperançado. "Não... Aquilo tem pouco de ver. É um montão de latas e mais nada."

Comentário: Apenas dizer que é devido a pessoas como o Sr. João Galamba que nos leva a acreditar, ainda, no bom senso deste povo...

Sunday 1 April 2007

Alterações Climáticas: Um “Rough Guide” (II)

Um dos últimos textos que aqui pus era um manifesto contra as declarações do Ministro Mariano Gago sobre as alterações climáticas. Este é um assunto sério, e que não me canso de repetir. Aproveito por isso para falar sobre Modelos. Já agora: apesar da data de publicação, isto não é nenhuma mentira!

A Validade dos Modelos

Os modelos são peças fundamentais para a construção do nosso conhecimento, por diversas razões, mas acima de tudo por serem ferramentas preditivas de fenómenos sob condições difíceis, ou mesmo impraticáveis, de estabelecer em experiências controladas à escala laboratorial. Não se modela propriamente o clima em laboratório, por isso existem modelos numéricos que, com base nas condições presentes, resolvem um conjunto de equações e estabelecem o mapa para as condições num tempo futuro. Como sabemos da nossa própria experiência, por vezes a previsão sai bem ao lado.

O que é que se entende por validação de um modelo? Esta é uma questão que tem preocupado cientistas e filósofos da ciência, e parece consensual que, em muitas circunstâncias, não é de facto possível validar modelos no sentido estrito do termo. Na base está a legitimidade do modelo, que neste caso concreto significa que qualquer modelo será válido desde que seja internamente consistente e não contenha erros lógicos. Mas estes requisitos nada asseguram relativamente à consistência do modelo em representar uma dada realidade (ou sistema real). Por vezes, usa-se o termo validação de forma equivalente a verificação, o que tendo em conta a raíz da palavra, significa assertar que um modelo é verdadeiro. O problema aqui ainda se torna mais complicado porque a demonstração da verdade de uma proposição apenas é possível em sistemas fechados, e estes modelos não satisfazem este último requisito. Mas em boa verdade este facto tem origens mais profundas pois mesmo para os sistemas matemáticos formais, Kurt Gödel demonstrou que a asserção da sua própria consistência é impossível de ser efectuada dentro do próprio sistema, um resultado expresso pelo seu Teorema da Incompletude nos anos 30 e que representa o maior abalo que a Matemática sofreu alguma vez na sua História. Um dos famosos 23 problemas de David Hilbert, que pretendia provar que os axiomas da aritmética eram consistentes caía, assim, por terra sem mais nem menos.

Os modelos climáticos possuem várias características que os tornam virtualmente impossíveis de serem validados em sentido estrito. A começar pelo facto de serem sistemas complexos, e exibirem comportamento caótico e sensibilidade às condições iniciais. Este comportamento, colocado na forma de 3 equações diferenciais em 1967 pelo meteorologista Edward N. Lorenz, estabeleceu o renascimento da ciência do caos. Lorenz deu conta deste fenómeno quando quis repetir uma simulação mas sem ter de esperar pacientemente que o computador fizesse todos os cálculos desde o início. Para isso decidiu começar a simulação um pouco mais à frente, usando os valores numéricos que a simulação que pretendia repetir tinha dado nesse ponto. Qual não foi o seu espanto quando constatou que a simulação até era reprodutível no início, mas rapidamente começou a divergir da anterior, de tal forma que era impossível estabelecer qualquer semelhança entre ambas as simulações que, em princípio, deveriam ser iguais. O problema foi o uso de valores núméricos na nova simulação que não tinham a mesma precisão que os que a simulação anterior estava a usar nos cálculos. Ou seja, bastava que os números diferissem um bilionésimo que fosse do valor inicial para que, ao fim de um tempo, toda a simulação desse um resultado completamente diferente. Lorenz deparou-se com a famosa sensibilidade às condições iniciais, ou seja, necessitaria de definir todos os parâmetros do modelo com uma precisão infinita, o que é manifestamente impossível. Por isso é que as previsões meteorológicas têm prazo de validade.


O atractor estranho de Lorenz: Figura gerada pela equipa do Restaurante – pode ser usada à vontade... A forma peculiar desta figura, hoje um ícone da Teoria do Caos, faz lembrar as asas de uma borboleta, como que a dar razão à afirmação: “o bater das asas de uma borboleta na India, pode causar um furacão na América do Norte”.

No caso dos modelos sobre alterações climáticas, este problema ainda é mais sensível já que se tentam prever cenários a 100 e mais anos de distância. Como é que se valida um modelo nestas condições? Normalmente enche-se esse modelo com um conjunto de equações e parâmetros, susceptíveis de representarem adequadamente o sistema em questão e compara-se esse resultado com as condições actuais, ou seja, comparamos quanto muito a reprodutibilidade do modelo para o tempo presente. No entanto, conforme se disse anteriormente, esse facto não assegura que o modelo produza resultados válidos no futuro. Há sempre um grau de incerteza que é impossível eliminar, seja pela complexidade e consequentemente pelo número de variáveis e parâmetros necessários para descrever o modelo, seja pela sensibilidade às condições iniciais. O que pode simular adequadamente o clima na actualidade pode não ser inteiramente válido para o clima do futuro, até porque os efeitos que, por exemplo, a subida da temperatura pode provocar na circulação oceânica estão longe de serem totalmente compreendidos, e qualquer mudança do padrão da circulação oceânica é susceptível de causar mudanças drásticas no clima. Por isso, quando afirmamos que os modelos não estão validados, teremos de dizer a seguir que esta é uma imponderabilidade do sistema com a qual temos que cooptar. No entanto, não significa que não se consigam tirar conclusões, pelo menos relativamente a possíveis cenários. O que os grupos científicos que estudam o assunto têm feito é estabelecerem balizas para os cenários futuros, tomando dois pontos extremos para as emissões de CO2: o bussiness as usual, que é como quem diz, deixar tudo como está, e o corte total de emissões. A realidade que nos espera estará algures entre estes dois cenários, e depende das opções que forem tomadas em termos de diminuição das emissões de CO2.

Como referi, não sei se as temperaturas são ou não votadas em plenário, mas também não devemos ser imprudentes nas afirmações que fazemos sobre os modelos que, dentro deste contexto, podem induzir na opinião pública a crença que existe uma espécie de arbitrariedade voluntária nos cenários, o que não é de todo verdadeiro.

Textos relaccionados:

Alterações Climáticas: Um "Rough Guide" (I)