Monday 23 April 2007

Coisas Obscuras Não Identificadas


É melhor acender uma vela do que maldizer a escuridão – provérbio chinês.

É este provérbio que abre as primeiras páginas do livro “Um Mundo Infestado de Demónios” de Carl Sagan, publicado pela Gradiva em 1997. Estamos num mundo que se encontra, a vários níveis, com falta de referências e em resposta a isso proliferam as mais estranhas crenças e devoções, sejam as cientologias, cristaloterapias, ou, claro está, a visão de OVNI’s e crenças em extraterrestres com capacidades quase divinas. O que despertou este texto não foi tanto o que li no blog da Radar acerca do convidado do programa “Fala com Ela”, mas algumas palavras que proferiu na entrevista e que apanhei ocasionalmente durante uns breves minutos. Afirmar-se que a visão de OVNI’s constitui uma espécie de estado espiritual é, no mínimo, estranho, mas cada qual pensa o que quiser sobre o assunto. Agora, enquanto pessoa de ciência cabe-me alertar consciências para uma realidade que pode ter tanto de interessante como de perigoso. Acima de tudo porque o que está na base de muitas destas crenças e pseudociências não é mais que uma fé irracional por parte dos potenciais seguidores ou crentes. A ciência faz-se do oposto disto! A fé é substituida pelo cepticismo e o irracional pelo racional. Potenciar as pseudociências apenas traz obscurantismo, o qual foi provado pelos europeus durante a Idade Média. Não fossem os judeus e os árabes, e muitos dos textos clássicos gregos, fundadores da ciência e filosofia modernas não teriam, se calhar, chegado às mãos da cultura ocidental. Não será por acaso que Einstein considerava um milagre a ciência ter sobrevivido até aos dias de hoje. O perigo potencial destas crenças é a privação da nossa liberdade, sobretudo de pensamento. Assinale-se que dar uma dimensão espiritual à vida não é, de todo, incompatível com ciência, e a prova disso são os muitos cientistas profundamente religiosos e crentes numa entidade divina superior. Todos têm noção dos limites da ciência e o que está para além desses limites entra no domínio da especulação.


Carl Sagan é conhecido pela espantosa série Cosmos que determinou que muitos jovens seguissem uma carreira em ciência. Era professor numa das mais prestigiadas universidades americanas, a Universidade de Cornell, e esteve associado a vários programas espaciais da NASA. Mas no livro “Um Mundo Infestado de Demónios”, publicado já durante os seus últimos meses de vida, deixa um manifesto contra as pseudociências que sempre procurou combater de forma séria e não jocosa como, erradamente, muita gente faz. São um conjunto de ensaios e artigos de opinião alguns originalmente publicados em várias revistas de divulgação nos Estados Unidos, muitas ligadas ao fenómeno dos OVNI’s. Nele encontramos algumas histórias que nos demonstram quão ténue é a fronteira entre a sanidade e a loucura (ou alucinação). Mas a que é mais reveladora do espírito que pretendo aqui explorar, é a do “dragão na minha garagem”. Nela somos levados a ser condescendentes com o nosso vizinho que, um dia, nos diz que tem um dragão na sua garagem. Movidos pela curiosidade, pedimos que nos mostre o dragão, mas acabamos por ser confrontados, na garagem, com a informação de que o dragão é, afinal, invisível. Mas esse facto não nos faz desistir e propomos formas indirectas de assinalar a sua presença, como espalhar areia no chão e verificar se o dragão deixa pegadas. Mas o nosso vizinho diz-nos que o dragão flutua no ar, por isso, não deixa pegadas. Mas como os dragões cospem fogo, um detector de infravermelhos deverá revelar a sua presença, mas aí o nosso vizinho diz-nos que o fogo do dragão é imaterial e, como tal, indetectável por este método. Ao fim de várias outras propostas, que acabam sempre por esbarrar numa impossibilidade qualquer, qual a diferença entre existir “aquele dragão” e não existir dragão nenhum? Esta pequena história aqui resumida sintetiza muito bem os princípios da actividade científica e os das pseudociências. Em ciência, qualquer hipótese ou teoria está constantemente a ser testada e se algo falhar, pode mesmo implicar o abandono da teoria ou da hipótese. Qualquer teoria em ciência tem de ser falsificável. O erro é algo com que os cientistas lidam constantemente e aceitam de forma natural, e porquê? Porque se promove o culto do cepticismo e porque o erro pode não ser (normalmente não é) imediatamente visível ou mesmo determinável com facilidade, mas é uma forma de sabermos que consiguimos melhorar o que fazemos. Quanto às hipóteses ou teorias que resistem à falsificabilidade, nem sequer merecem esse epíteto, ou como diria Wolfgang Pauli (prémio Nobel da Física em 1945 por importantes contributos para a Teotia Quântica, nomeadamente o seu famoso “Princípio de exclusão de Pauli”) “They are not even wrong!”.

2 comments:

extravaganza said...

Ah... O meu mentor!! :)

A culpa disto tudo é do Cosmos, que guardo religiosamente!

extravaganza said...

(off topic)

SQ e se quisermos fazer uma reclamação por escrito à gerência do restaurante, como é que o fazemos? Não é nada de pernicioso, descansa... :)