Sunday, 1 April 2007

Alterações Climáticas: Um “Rough Guide” (II)

Um dos últimos textos que aqui pus era um manifesto contra as declarações do Ministro Mariano Gago sobre as alterações climáticas. Este é um assunto sério, e que não me canso de repetir. Aproveito por isso para falar sobre Modelos. Já agora: apesar da data de publicação, isto não é nenhuma mentira!

A Validade dos Modelos

Os modelos são peças fundamentais para a construção do nosso conhecimento, por diversas razões, mas acima de tudo por serem ferramentas preditivas de fenómenos sob condições difíceis, ou mesmo impraticáveis, de estabelecer em experiências controladas à escala laboratorial. Não se modela propriamente o clima em laboratório, por isso existem modelos numéricos que, com base nas condições presentes, resolvem um conjunto de equações e estabelecem o mapa para as condições num tempo futuro. Como sabemos da nossa própria experiência, por vezes a previsão sai bem ao lado.

O que é que se entende por validação de um modelo? Esta é uma questão que tem preocupado cientistas e filósofos da ciência, e parece consensual que, em muitas circunstâncias, não é de facto possível validar modelos no sentido estrito do termo. Na base está a legitimidade do modelo, que neste caso concreto significa que qualquer modelo será válido desde que seja internamente consistente e não contenha erros lógicos. Mas estes requisitos nada asseguram relativamente à consistência do modelo em representar uma dada realidade (ou sistema real). Por vezes, usa-se o termo validação de forma equivalente a verificação, o que tendo em conta a raíz da palavra, significa assertar que um modelo é verdadeiro. O problema aqui ainda se torna mais complicado porque a demonstração da verdade de uma proposição apenas é possível em sistemas fechados, e estes modelos não satisfazem este último requisito. Mas em boa verdade este facto tem origens mais profundas pois mesmo para os sistemas matemáticos formais, Kurt Gödel demonstrou que a asserção da sua própria consistência é impossível de ser efectuada dentro do próprio sistema, um resultado expresso pelo seu Teorema da Incompletude nos anos 30 e que representa o maior abalo que a Matemática sofreu alguma vez na sua História. Um dos famosos 23 problemas de David Hilbert, que pretendia provar que os axiomas da aritmética eram consistentes caía, assim, por terra sem mais nem menos.

Os modelos climáticos possuem várias características que os tornam virtualmente impossíveis de serem validados em sentido estrito. A começar pelo facto de serem sistemas complexos, e exibirem comportamento caótico e sensibilidade às condições iniciais. Este comportamento, colocado na forma de 3 equações diferenciais em 1967 pelo meteorologista Edward N. Lorenz, estabeleceu o renascimento da ciência do caos. Lorenz deu conta deste fenómeno quando quis repetir uma simulação mas sem ter de esperar pacientemente que o computador fizesse todos os cálculos desde o início. Para isso decidiu começar a simulação um pouco mais à frente, usando os valores numéricos que a simulação que pretendia repetir tinha dado nesse ponto. Qual não foi o seu espanto quando constatou que a simulação até era reprodutível no início, mas rapidamente começou a divergir da anterior, de tal forma que era impossível estabelecer qualquer semelhança entre ambas as simulações que, em princípio, deveriam ser iguais. O problema foi o uso de valores núméricos na nova simulação que não tinham a mesma precisão que os que a simulação anterior estava a usar nos cálculos. Ou seja, bastava que os números diferissem um bilionésimo que fosse do valor inicial para que, ao fim de um tempo, toda a simulação desse um resultado completamente diferente. Lorenz deparou-se com a famosa sensibilidade às condições iniciais, ou seja, necessitaria de definir todos os parâmetros do modelo com uma precisão infinita, o que é manifestamente impossível. Por isso é que as previsões meteorológicas têm prazo de validade.


O atractor estranho de Lorenz: Figura gerada pela equipa do Restaurante – pode ser usada à vontade... A forma peculiar desta figura, hoje um ícone da Teoria do Caos, faz lembrar as asas de uma borboleta, como que a dar razão à afirmação: “o bater das asas de uma borboleta na India, pode causar um furacão na América do Norte”.

No caso dos modelos sobre alterações climáticas, este problema ainda é mais sensível já que se tentam prever cenários a 100 e mais anos de distância. Como é que se valida um modelo nestas condições? Normalmente enche-se esse modelo com um conjunto de equações e parâmetros, susceptíveis de representarem adequadamente o sistema em questão e compara-se esse resultado com as condições actuais, ou seja, comparamos quanto muito a reprodutibilidade do modelo para o tempo presente. No entanto, conforme se disse anteriormente, esse facto não assegura que o modelo produza resultados válidos no futuro. Há sempre um grau de incerteza que é impossível eliminar, seja pela complexidade e consequentemente pelo número de variáveis e parâmetros necessários para descrever o modelo, seja pela sensibilidade às condições iniciais. O que pode simular adequadamente o clima na actualidade pode não ser inteiramente válido para o clima do futuro, até porque os efeitos que, por exemplo, a subida da temperatura pode provocar na circulação oceânica estão longe de serem totalmente compreendidos, e qualquer mudança do padrão da circulação oceânica é susceptível de causar mudanças drásticas no clima. Por isso, quando afirmamos que os modelos não estão validados, teremos de dizer a seguir que esta é uma imponderabilidade do sistema com a qual temos que cooptar. No entanto, não significa que não se consigam tirar conclusões, pelo menos relativamente a possíveis cenários. O que os grupos científicos que estudam o assunto têm feito é estabelecerem balizas para os cenários futuros, tomando dois pontos extremos para as emissões de CO2: o bussiness as usual, que é como quem diz, deixar tudo como está, e o corte total de emissões. A realidade que nos espera estará algures entre estes dois cenários, e depende das opções que forem tomadas em termos de diminuição das emissões de CO2.

Como referi, não sei se as temperaturas são ou não votadas em plenário, mas também não devemos ser imprudentes nas afirmações que fazemos sobre os modelos que, dentro deste contexto, podem induzir na opinião pública a crença que existe uma espécie de arbitrariedade voluntária nos cenários, o que não é de todo verdadeiro.

Textos relaccionados:

Alterações Climáticas: Um "Rough Guide" (I)

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