Tuesday 29 March 2011

Caridadezinha

Ao ler isto:

Os gestores do programa de ajuda ao Malawi posto em marcha pela cantora Madonna, que previa a construção de uma academia para raparigas, foram afastados dos seus cargos depois de terem gasto 3,8 milhões de dólares no projecto de uma escola que nunca chegará a ser construída.” in Público, 26 de Março de 2011.
Escusado será dizer que o dinheiro foi gasto em futilidades e salários.

Só me faz lembrar que, em termos de futilidades inúteis e mecanismos de auto-promoção, há coisas que nunca mudam:



Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

A senhora de não sei quem
Que é de todos e de mais alguém
Passa a tarde descansada
Mastigando a torrada
Com muita pena do pobre
Coitada

Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

Neste mundo de instituição
Cataloga-se até o coração
Paga botas e merenda
Rouba muito mas dá prenda
E ao peito terá
Uma comenda

Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

O pobre no seu penar
Habitua-se a rastejar
E no campo ou na cidade
Faz da sua infelicidade
Alvo para os desportistas
Da caridade

Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

E nós que queremos ser irmãos
Mas nunca sujamos as mãos
É uma vida decente
Não passeio ou aguardente
O que é justo
E há-que dar a toda a gente

Não vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta é falsa intençãozinha
Não vamos brincar à caridadezinha
Não vamos brincar à caridadezinha
Não vamos brincar à caridadezinha


Sunday 20 March 2011

Na Senda(i) dos Terramotos


Figura: Localização do sismo de Sendai e contexto tectónico. (C) Nature

O último sismo que atingiu o Japão levou uma panóplia de comentadores de serviço às televisões que variaram entre o engenheiro civil e um astrofísico convertido em especialista de alterações climáticas e, agora pelos vistos, também em catástrofes naturais e processos tectónicos. Que me lembre nenhum geólogo ou geofísico, ou mesmo técnico do Instituto Tecnológico e Nuclear, a entidade que em Portugal monitoriza e gere tudo quanto é resíduo radioactivo que por aqui anda. Pois bem, antes de mais, nos meios de comunicação ninguém mencionou o porquê de um sismo desta magnitude no local em que ocorreu ser inesperado. E porque razão, os meios de prevenção de tsunami acabaram por falhar, nomeadamente as barreiras costeiras que se revelaram insuficientes para aguentar com ondas entre os 10 e os 15 metros. Incluindo, é claro, na central nuclear de Fukushima pois o desastre que lhe sucedeu deveu-se precisamente ao impacto do tsunami e à insuficiência das barreiras costeiras.

O sismo do Japão atingiu o grau 9 na escala de Richter, que é uma escala logarítmica, e portanto o incremento no grau de um sismo não corresponde a um incremento linear da energia libertada, mas exponencial. Dada a magnitude atingida, e atendendo que dentro desta gama houve o sismo em Sumatra em 2004 (9.1) e no Chile em 1960 (9.5), a devastação devida à libertação da energia sísmica foi notavelmente pequena. O pior deveu-se ao tsunami que foi induzido pela movimentação brusca de uma massa da crosta substancial. Na realidade, os verdadeiros especialistas nestes assuntos, não previram que a região de Sendai pudesse ser atingida por sismos desta magnitude. A questão é, porquê? Ora bem, o ambiente tectónico onde se encontra o Japão corresponde ao bordo do local onde, a Oeste, no fundo do oceano, a crosta do oceano Pacífico (a litosfera oceânica) mergulha sob a placa litosférica oceânica que se encontra a Este e sobre a qual se ergue o arquipélago japonês. Este enorme movimento de massas é lento, gradual e nunca contínuo. Aliás, esse é o problema, porque o deslizamento de dois blocos de rocha entre si cria atrito e por vezes o movimento bloqueia até que a força exercida acumule tensão suficiente para desbloquear a progressão do movimento. Assim aconteceu com o sismo de Sendai, quando se liberta essa energia e ocorre um deslizamento brusco numa área de várias centenas de km quadrados. Acontece que os registos longos e repetidos que se vinham acumulando indicavam que sismos da magnitude do sismo de Sendai seria improvável em zonas de mergulho de placas oceânicas (zonas de subducção) em que a idade das placas é antiga. Atendendo a que a idade da litosfera oceânica ao largo do Japão tem cerca de 140 milhões de anos (para um máximo admissível entre 180 e 200 milhões de anos), os cientistas apontavam para que a região de Sendai não seria, por isso, afectada por sismos desta magnitude, precisamente por a crosta oceânica que subducta ser mais fria e densa (consequência da idade) então deslizaria mais rapidamente e facilmente. A somar ao problema, registos históricos de sismos na zona também não apontavam para magnitudes desta ordem de grandeza (máximo registado foi 8). Desta forma, o sistema de prevenção de tsunamis estava construído para suportar um impacto de ondas mas com dimensões menores da que as que vieram a ocorrer. Portanto, foi no capítulo previsão e conhecimento científico em que o processo correu mal. O sismo de Sendai provocou já uma necessidade de revisão dos modelos sísmicos nestes contextos tectónicos. Contudo, há formas alternativas a relatos históricos para deduzir a ocorrência destes fenómenos. Os tsunamis, devido às suas características, geram depósitos de detritos (conhecidos como depósitos de tsunami) que podem revelar muito da energia que lhe está associada. A verdade é que em 2001, investigadores japoneses estudaram um desses depósitos na região de Sendai, datado do século IX e cuja conclusão foi que, na realidade, a região até era afectada por ondas gigantes de mais de uma dezena de metros, mas com um período de recorrência de 800 a 1000 anos. E não é que estavam correctos?

Friday 11 March 2011

Há Já Um Tempo Que Em Privado Venho Dizendo Isto

Há no meio dos escritores uma grande quantidade de gente de valor muito discutível, mas acham-se absurdamente importantes. Suspeito que há gente de maior nível intelectual noutros meios, como o científico.

Entrevista a Enrique Vila-Matas, escritor catalão, no suplemento Ípsilon do Público, Sexta-feira, 25 de Fevereiro de 2011.

Wednesday 9 March 2011

Vamos à Luta Camaradas

De vez em quando aparece nos meios de comunicação social um assunto que assume características do mais absurdo que possamos imaginar e inicia-se uma controversa troca de opiniões sobre uma banalidade que não merece mais palavras que as que foram escritas até agora neste texto. Desta vez coube ao Festival da Canção, instituição essa de enorme prestígio para a música nacional e grande estandarte da cultura portuguesa na Eurolândia, e à canção vencedora de Os Homens da Luta. Pois bem, contrariamente a muita alma ofendida e envergonhada desta terra com tal decisão, a opinião da gerência da casa é a seguinte:

Congratulamos e aplaudimos efusivamente o par de trolhas musicais que são Os Homens da Luta pela brilhante canção Luta é Alegria pois finalmente, ao fim dos provectos anos que leva esta instituição, os portugueses colocaram como sua representante uma canção que não só se encontra verdadeiramente ao nível do que o Festival merece como ao nível daquilo que verdadeiramente é.

E para assistir a este resultado nem sequer tive que pagar 0,60 euros + IVA.

Monday 7 March 2011

O Planeta dos Macacos

The results of a Nature poll of scientists involved in animal research reveal that nearly one-quarter of respondents have been negatively affected by animal-rights activists, or seen it happen to someone they know. In some places, including the United Kingdom, the figure is higher than one-third. The large number of people affected will surprise many of Nature's readers. Researchers have suffered fire bombings, physical attacks, destruction of personal property and campaigns of harassment. But the statistics do not necessarily reflect the current prevalence of violent activist behaviour - rather, they reveal how such activity instils a lingering fear that is difficult to forget.”

Primeiro parágrafo do Editorial da revista Nature, 24 de Fevereiro de 2011.

O Mundo está longe de ser a preto e branco, mas a questão que aqui se levanta é a de uma natureza mais profunda que afecta as sociedades do mundo desenvolvido. Os cientistas não são gente insensível e sem escrúpulos, ou então são na mesma medida dos que existem em todas as franjas da sociedade (arautos da moralidade incluídos). O que isto configura é a transformação perigosa de ideais que deveriam efectivamente contribuir para o progresso social humano em abjectos sistemas fascistas e terroristas.

Tuesday 1 March 2011

Mercado das Transferências

As saídas de José Alberto Carvalho e Judite de Sousa para a TVI são boas notícias, embora mais no domínio do “wishful thinking” que da efectiva oportunidade que estas saídas representam para a RTP passar a ter um verdadeiro serviço público noticioso. As novas contratações da TVI em nada acrescentam ao que a estação já é (nem melhor nem pior), e esperar mais do que isso é o mesmo que esperar que a próxima edição do Correio da Manhã se bata pelos mesmos leitores do Jornal de Letras. Constitui, isso sim, a oportunidade de a RTP passar a ter uma informação mais séria, aprofundada e menos colada ao poder político. E já agora, por mais uns trocos não podiam levar também a Fátima Campos Ferreira?