Wednesday 31 December 2008

Um Bom 2009!

Pois aqui ficam imagens que nos lembram dois acontecimentos marcantes em 2008 que continuarão marcantes em 2009.




Capa da revista New Yorker de 21 de Julho de 2008

Nós por cá... o riso é um dos bons remédios! A série d'Os Contemporâneos tem-se afirmado como um dos casos sérios de humor no espaço televisivo luso, com particular relevância para a personagem d'o chato...



O Chato na Igreja – Parte 2

Tuesday 23 December 2008

Boas Festas

Esta quadra que ora começa é sempre um momento para nos lembrarmos de quem mais necessita de ajuda, apoio e muito carinho, por isso não se esqueçam dos pobres coitados cuja crise tanto afecta.

Que o próximo ano seja venturoso para todos vós, e para os que tanta ajuda pedem ao Estado e aos governos façamos um desejo universal para que fiquem a saber o que é contar os tostões ao fim de cada mês, o que é esticar um orçamento, o que é cortar na roupa para dar de comer aos filhos, o que é viver na incerteza do que o espera no dia seguinte.



Chegou a crise
Não há razão para temer
É que nesta crise
O Teixeira dos Santos vai-nos proteger

Mas neste Mundo injusto
O dinheiro está garantido
Para o pobre, o remediado
E o sem-abrigo

Mas pensa naqueles,
Os multimilionários
Ficaram sem bancos
E sem chorudos salários

E sem direito a indemnizações
Têm de pedir o aval
À sopa dos pobres dos ricos
O Banco de Portugal

O desespero tomou conta
De toda a Quinta da Marinha
Em vez de lavagante
Comem lambujinha

E vão ter de abandonar
O Conselho de Estado
O quadro do Miró
Foi penhorado

Porque esse Portugal
Já não é neo-liberal
Saberão que estamos no Natal!

O subprime limpou-lhes muitos milhões
A polícia trata-os como aldrabões
Saberão que estamos no Natal!

Salvem os ricos
Salvem os ricos
Salvem os ricos
Ajudem os milionários

Salvem os ricos
Ajudem os milionários

Monday 22 December 2008

Coisas do Arco da Velha (#5)

Uma breve incursão por um grupo sui generis, não só na apresentação como até na sonoridade, já que mistura de forma límpida um rock'n'roll de herança blues com o country das paisagens agrestes do Texas, conferindo-lhes um registo singular e uma identidade que não é passível de os confundir com mais ninguém. Perdi-lhes o rasto por volta dos anos 80, mas os ZZ Top ainda aí estão para as curvas, continuando a ser um trio (guitarra, baixo e bateria) firme e coeso ao fim de 40 anos de carreira (formaram-se em 1969). A imagem icónica do grupo são, sem dúvida, as longas barbas dos guitarristas Billy Gibbons e Dusty Hill, acompanhados pelo baterista Frank Beard (ironicamente, o gajo que não usa barba). O meu primeiro contacto com a sua música foi com o álbum “Tejas” (1977) e a espantosa música “El Diablo” mantém-se como uma das minhas favoritas, seguindo-se o álbum “El Loco” (1981). No entanto, em baixo fica um tema bem conhecido do álbum “Tres Hombres” (1973), porventura o seu melhor disco.



ZZ Top, “La Grange” - Tres Hombres (1973)

Wednesday 10 December 2008

Até ao Fim dos Tempos

Dou conta por alguns blogues que hoje, dia 10 de Dezembro, passam 100 anos sobre o nascimento de um dos mais importantes compositores do século XX: Olivier Messiaen. Ainda que relembrar essa peça fundamental da música e da cultura universais que é o "Quarteto para o fim dos tempos" seja oportuna em qualquer ocasião, hoje reveste-se de particular significado. Sob a batuta do próprio compositor então prisioneiro de guerra, foi estreada num campo de prisioneiros de guerra na alemanha nazi no ano de 1941, possuindo por isso um significado singular. É um daqueles momentos musicais que qualquer mortal não deverá deixar passar em vida sem, pelo menos, o ouvir uma vez. Até poderia deixar aqui um dos seus andamentos, mas os meus discos de música clássica/contemporânea são na sua esmagadora maioria em vinilo, e o mundo analógico dá-se mal com as modernas tecnologias digitais.

Monday 8 December 2008

Sob o Signo de Kubrick


Apologia de um Cineasta por um seu admirador confesso

Se há cineasta e cinema onde a fusão orgância entre imagem e música chega à alquimia pura é precisamente com Stanley Kubrick. O seu visionarismo perfeccionista andou largos anos à frente de toda a gente, de tal forma que algumas das suas obras continuam irrepetíveis. Passados 40 anos, o silêncio do espaço exterior não voltou a ser emulado da forma como Kubrick o fez em “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968), onde as valsas de Strauss ficaram para sempre ligadas ao bailado das naves em órbita terrestre, e a abertura de “Assim Falou Zaratustra” de Richard Strauss se associa ao nascimento do Homem abençoado por uma estranha tecnologia extraterrestre. As fusões entre electrónicas e música clássica foram outro caldo laboratorial iniciado em “A Laranja Mecânica” (1971) com Wendy Carlos e o inconfundível tema principal, uma adaptação da música de Henry Purcell para as cerimónias fúnebres da Raínha Maria. Uma atmosfera negra e perfeita como retrato de uma sociedade decadente e uma visão pouco complacente da natureza humana que consegue revolver os nossos sentimentos de pernas para o ar. Wendy Carlos haveria ainda de colaborar no filme “The Shinning” (1980), um marco incontornável no género de terror. O piano de György Ligeti é presença constante na existência atormentada do Dr. Harford em “De Olhos Bem Fechados” (1999), e a ambiência da festa privada ficou para sempre materializada na extraordinária composição de Jocelyn Pook “Backwards Priests”. Em “Barry Lyndon” (1975), uma brilhante narrativa cinematográfica e porventura o seu filme mais convencional da fase pós-2001, onde as cenas foram filmadas com luz natural, a ponto de obrigaram à construção de uma câmara com lentes próprias para o efeito, os corpos são muitas vezes animados ao ritmo de um bailado imposto pela banda sonora. E que melhor forma de unir uma comunidade humana sem barreiras senão com uma simples canção, mesmo que cantada em alemão, perante uma plateia de soldados cansados de uma guerra cujas razões no fundo desconhecem, em “Horizontes de Glória” (1957)? A escolha cuidada de uma banda sonora para cinema não é um exclusivo de Kubrick, mas Kubrick levou essa relação a um quase incesto entre duas formas de expressão de tão íntimas que são que imediatamente nos levam a pensar numa delas quando (ou)vimos a outra.


Stanley Kubrick não foi um realizador prolífico porque era um perfeccionista nato, mas cada obra que nos deixou não desdenharia ser considerada entre as maiores na filmografia de qualquer outro ilustre realizador. Desde uma “Lolita” (1962) onde a sugestão e subtileza são infinitamente mais eficazes que um seu remake mais recente de Adrian Lyne, até um “Dr. Estranhoamor” (1964) em que a insanidade militar e política do Mundo em plena Guerra Fria raiam o ridículo e o risível, passando pelo “Nascido Para Matar” (1987) onde a sequência do “sniper” parece ser premonitória do que se passaria, anos mais tarde, na guerra da ex-Jugoslávia. Visionário? Sem dúvida...

Sob o signo de Kubrick, pois! What else?

Sunday 7 December 2008

Ciência nos Limites

A abertura recente do LHC (Large Hadron Colider) no CERN pretende disponibilizar a fabulosa energia de 7 TeV (Tera electrões-volt) na colisão entre partículas sub-atómicas numa tentativa de testar o Modelo Padrão (Standard Model) a um nível que não foi até agora atingido. Pois bem, o Modelo Padrão é o modelo correntemente mais aceite sobre a matéria à escala das partículas elementares e que unifica 3 das 4 forças fundamentais da natureza: electro-magnetismo, nuclear fraca (decaimento radioactivo) e nuclear forte (a força que mantém o núcleo coeso). No entanto existem diversos problemas com esta teoria, nomeadamente a existência de muitos parâmetros que são estabelecidos de forma ad-hoc e também o facto de, até ao momento, a força da gravidade resistir de forma feroz à integração na teoria. Até parece que o espírito de Einstein, que se opunha frontalmente à descrição da mecânica quântica e a considerava profundamente incompleta, se encontra presente para amaldiçoar de forma permanente qualquer tentativa de casamento com as restantes forças da natureza, pelo menos, desta forma. Para isso foram propostas aproximações alternativas, a mais mediática das quais a teoria das cordas (string theory) e que até agora não passam disso mesmo, simples propostas alternativas. Se o Modelo Padrão tem problemas, a teoria das cordas parece enovelada nos objectos com que pretende descrever o mundo sub-atómico a ponto de constituir um autêntico nó cego. As ferramentas matemáticas desenvolvidas na teoria das cordas são de tal forma complexas, que muitos físicos passam mais tempo a tratar da matemática do que do fenómeno físico propriamente dito. Para ilustrar este estado de coisas houve até alguém que já sugeriu que a Teoria das Cordas é uma teoria do século XXI acidentalmente descoberta no século XX (arrancou de forma definitiva no final dos anos 70).


Voltando ao LHC. Desta prodigiosa máquina, que entretanto teve problemas técnicos algo graves com os magnetos supercondutores e que a obrigam a estar parada até meados de 2009, espera-se que vá gerar um manancial de partículas com massas cada vez mais pesadas (lembrem-se que, segundo Einstein, energia e massa são equivalentes), uma das quais (e é o troféu máximo desta partida de caça singular) é o bosão de Higgs, assim designada em honra do físico irlandês, Peter Higgs, que postulou a sua existência. Se for descoberta, será seguramente o avanço mais significativo desta fabulosa experiência colocando o Modelo Padrão num nível onde será muito mais difícil de destronar permitindo também, de uma só penada, explicar a massa de todas as partículas sub-atómicas (dependentes dos tais parâmetros ad-hoc). Claro que muito mais se espera deste empreendimento, que incluem aquelas formas estranhas de energia e matéria que andam pelo Universo e que muito recentemente atormentam o espírito dos astrofísicos com uma persistência avassaladora. Finalmente, teremos muito provavelmente chegado ao limite dos grandes aceleradores de partículas, não por incapacidade técnica mas pelo prodigioso investimento financeiro destas experiências. Em alternativa há quem proponha, há mutio, que as observações astronómicas nos põem em contacto com fenómenos energéticos que colocam a energia do LHC ao nível da usada por uma simples lâmpada caseira. Será preciso mudar o paradigma, e qualquer que seja o resultado destas experiências, essa mudança é inevitável.

Friday 5 December 2008

Mau Jornalismo ou...

Notícia, hoje, no site da TSF:

A Fundação Calouste Gulbenkian distinguiu oito jovens portugueses universitários, na área da investigação científica, com o objectivo de estimular a criatividade e a qualidade.

Entre os premiados deste ano contam-se três investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa, nomeadamente Elisabete Oliveira, do Departamento de Química, Gonçalo Tabuada, do Centro de Matemática e Aplicações, e Pedro Barquinha, do Centro de Investigação e Materiais, informou hoje a Fundação.

A investigação de Elisabete Oliveira...

e segue-se uma descrição dos projectos do 3 jovens investigadores mencionados na notícia. Pergunta-se: e os restantes cinco, quem são? Não aparecem por não serem da FCT? Será a TSF um meio de difusão noticioso ligado à UNL? Isto não é jornalismo sério.

Para que se saiba os restantes investigadores são:

  • Ana Patrícia Carvalho Gonçalves, do Centro de Matemática da Universidade do Minho
  • Eduardo Filipe Vieira de Castro, do Centro de Física do Porto, da Universidade do Porto
  • Emanuel Nemésio de Sousa Dutra, do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa
  • Juan Antonio Añel Cabanelas, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, da Universidade de Aveiro
  • Ricardo Miguel Oliveira dos Santos, do Centro de Neurociências e Biologia Celular, da Universidade de Coimbra.

Saturday 15 November 2008

ProgNósticos: Introdução

Vou aqui iniciar uma série de textos sobre o género e as bandas que formaram o meu gosto musical, em primeiro lugar porque no mundo da crítica musical se confunde fartas vezes qualidade artística com gosto pessoal e em segundo lugar porque o género (rock progressivo) tinha como princípio fundador o não existirem fronteiras para o que se quisesse experimentar e misturar, e esse princípio funcionou para mim como o maior legado que este estilo de música deixou, a mim e a todos o que experimentaram uma vez tentar ouvir algo de completamente diferente.

Se quisermos procurar uma raiz para o conceito de rock progressivo ela está inevitavelmente na explosão do rock psicadélico em finais dos anos 60 onde o consumo excessivo de ácido nas veias levava frequentemente os músicos a embarcarem numa espécie de delírio musical que fugia completamente aos cânones da música rock como uma forma de expressão juvenil agarrada à manifestação exterior de alegria e exuberância associada a uma dose (q.b.) de contestação ao sistema. Nesse aspecto é inegável o contributo dos Beatles cimentado pelo álbum “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band”, talvez por isso mesmo apontado por alguns como um disco que decretou a morte do rock no pior sentido sendo frequentemente mal-amado pelas mesmas razões. A partir daqui tudo seria possível, e várias manifestações vinham a lume nessa mesma altura que antecipavam os destinos para onde o velho rock'n'roll haveria de descambar. Os Moody Blues juntavam-lhe a pompa da orquestra. Frank Zappa fundava uma realidade outsider ao sistema que prevaleceu em toda a sua carreira. As influências jazz haveriam de consumar uma união de facto que só não deu em casamento porque o sistema nunca haveria de deixar que o rock saísse do domínio popular, com tudo o que isso poderia significar em perdas financeiras para as editoras a nível mundial que haveriam (até aos dias de hoje) de levar à manipulação e formatação de gostos e opções para as mentes que continuavam a absorver acriticamente o que lhes ofereciam. Se há ano charneira que materializa estes acontecimentos ele é, seguramente, 1967 ano em que também saiu uma das músicas mais aclamadas de todos os tempos, “Whiter Shade of Pale” dos Procol Harum. A heresia tinha sido professada, e tal como uma reforma à santa igreja do rock os seguidores não tardariam a passar a nova mensagem. Bandas como os Yardbirds, Pink Floyd ou Soft Machine vaguearam pelo psicadelismo e acabaram por dar origem a bandas que assumiram de alguma forma o progressivo ou elas próprias acabaram por enveredar por esses caminhos. Os The Nice (de Keith Emerson) mantém-se como um dos pioneiros, mas se quisermos eleger o disco por excelência do rock progressivo nos anos 60, foi sem margem para qualquer dúvida “In The Court of The Crimson King” dos King Crimson em 1969, uma bíblia condensadora de tudo o que de bom o género deu e poderia dar. De resto, o tempo acabou por levar à natural evolução das coisas, e as bandas que tradicionalmente se associam ao género, e suas representantes mais importantes, iam derivando nesse sentido tal como os Yes, Genesis, Van der Graaf Generator, Gentle Giant, Emerson Lake & Palmer e Jethro Tull.

O rock progressivo nunca pretendeu ser um género popular, agarrado a tops ou a fazer música para dançar. Nunca se assumiu herdeiro para cantar desgraças, pessoais ou alheias, ou com pretensões de combater o sistema que não fosse o da própria música onde sempre foram outsiders (basta percorrer e ler o que as publicações da especialidade da altura afirmavam sobre o género ou sobre o que faziam). Tinham seguramente uma visão mais complacente do Mundo, ressaca dos anos “flower power”, que potenciou por vezes ligações a experiências mais espirituais e transcendentes, com tudo de mau que inevitavelmente também daí advém. Foi comum confundir-se erradamente o movimento progressivo, fundamentalmente britânico, com o krautrock alemão. O krautrock também foi uma contra-resposta, mas à música anglo-saxónica em geral, tendo como pedras basilares um punhado de músicos com formação erudita fortemente influenciados pela criatividade emanada da escola alemã e personificada em compositores como Karl-Heinz Stockhausen. Kraftwerk, Neu! e Can foram os seus mensageiros populares, facto que aliado ao uso das electrónicas e estruturas musicais simples haveriam de consagrar o movimento como inspirador de toda a pop electrónica até aos dias de hoje. E as consequências disso ainda não acabaram chegados que estamos ao estado superlativo da samplagem de tudo e mais alguma coisa, acto que leva a questionar se a própria essência da criação musical não se arrisca a cair numa vulgaridade perigosa onde facilmente se confunde arte com colagens espertas e plágio bem mascarado. Mas essa é uma outra história, que apenas vem demonstrar que os caminhos trilham-se em função dos obreiros que constroem as estradas e dirigem-se necessariamente para os locais onde elas mesmas foram construídas, e os locais eram diferentes no Krautrock e no Progressivo, mas o background também era e por isso discutir o assunto é tão estéril como não conseguir perceber porque razão os chineses não são católicos.

Só uma pequena advertência: estes textos são uma (tentativa de) reflexão pessoal sobre um género musical por parte de alguém que é um simples cidadão informado e que passou horas durante anos a ouvir muitas destas músicas, mas que no fundo são as verdadeiras fontes para se falar sobre elas.

Caros leitores, bem vindos ao Mundo do Progressivo!

Monday 10 November 2008

A Génese dos Genesis


Hoje, dia 10 de Novembro, os Genesis lançam cá para fora a 3ª e última caixa de uma série que abrange os vários períodos da sua obra e que pretende disponibilizar toda a sua discografia de originais completamente remasterizada. Esta última caixa, e para mim a única apetecida, cobre os anos 1970-1975, tambem conhecidos como os anos Gabriel. A caixa contém 7 SACD (Super Audio CD, que é um formato de alta resolução) e 6 DVD que inclui 5 dos primeiros discos que editaram (o primeiro registo continua de parte até porque os próprios não detém os seus direitos): Trespass (1970), Nursery Cryme (1971), Foxtrot (1972), Selling England By the Pound (1973) e The Lamb Lies Down on Bradway (1974). A verdadeira alma do grupo que me marcou indelevelmente encontra-se toda aqui. A sequência de discos é um crescendo de maturidade que vai formando uma sonoridade e identidade muito própria de uma banda que afirmava não pretender tocar no “Top of the Pops”, o programa da BBC onde as modas musicais se passeavam. Andavam por um género musical entretanto amaldiçoado e hoje algo ignorado, embora tenham contribuido para que a música popular não servisse exclusivamente como veículo dançável pouco dado a pensamentos mais profundos. Quando se fala em algum renascimento do “progressivo”, pontuado por exemplos óbvios como “OK Computer” dos Radiohead, ou menos óbvios como algumas propostas musicais que alguém convencionou chamar de pós-rock, não se deverá esquecer que as raízes estão também aqui, apesar da negação constante da mesma. As propostas musicais não evoluem de forma independente e estanque, e o progressivo foi uma consequência natural do psicadelismo, assim como muitas das novas formas são uma consequência natural do edifício musical que entretanto se foi construindo ao longo de décadas.

Daqui para a frente os Genesis perderam toda a sua consistência e orientação até acabarem numa vulgar banda pop. No entanto, preservaram sempre uma qualidade: qualquer um dos seus elementos é um músico de excepção, e se dúvidas há, oiçam-se precisamente estes registos iniciais. Para finalizar, lembro que o formato SACD disponibilizado é híbrido, ou seja, é compatível com os leitores de CD normais, mas para ouvir em alta resolução é mesmo necessário um leitor SACD (e um bom sistema, também!).

Saturday 8 November 2008

Doce Tentação

O que leva um gajo como o Rui Reininho desatar agora a desenterrar uma versão de uma música das Doce dos idos anos 80, mais precisamente uma que levaram ao festival da Eurovisão? E o que é que dá numa rádio que é incapaz de passar música que não seja alternativa ou de “bom gosto” segundo o seu critério, passar uma coisa destas? Por acaso até se assistiu recentemente a uma espécie de reacção enxofrada de um colaborador da rádio aparentemente por não ter gostado de uma comparação entre intérpretes, supostamente porque uma é de “bom gosto” e a outra é de “mau gosto”. E é isto que me deixa perplexo neste mundo. Há pessoas que acham que definem o que é “bom gosto” e “mau gosto” com uma facilidade extrema e não aceitam quem pense de forma contrária. Pessoas que gostam de apregoar as suas raízes liberais, alguns laivos de intelectualidade e sentido democrático que depois aplicam uns rabiscos de lápis azul (para os mais novos, era assim que a comissão de censura da ditadura cortava os textos antes de serem publicados) em comentários e opiniões, sejam sérios ou meramente a brincar, porque obviamente são incapazes de conviver com uma diversidade de opiniões ou de sentirem que “o seu mundo idealizado da adolescência” se torna dessacralizado na perspectiva do seu interlocutor. Por mim continuo a achar a música das Doce de um mau gosto terrível, seja cantada por elas, pelo Rui Reininho, ou até mesmo pelo António Victorino D'Almeida. Há quem não concorde comigo? Também não vejo problema nisso, pois cada um é livre de se exprimir como lhe dá na real gana. E se passa na rádio e não gosto, é simples: desligo ou mudo de posto! Pode haver muita música de que não gostava quando era adolescente e que depois de ter crescido passei a ouvir com outra atenção e reflexão, mas garanto que as Doce, Abba e afins não se contam entre essas peças. São tão más agora como o eram há 20-30 anos atrás e de certeza que nunca representaram a minha adolescência.

Friday 7 November 2008

Obamania


Qual espécie de Beatlemania pós-moderna assiste-se, um pouco por todo lado, ao rejúbilo pela vitória de Barack Hussein Obama na corrida presidencial americana. Cá nestas hostes também se saúda essa vitória, mas confesso uma certa indifereça e baixa expectativa pelas eleições americanas, e esta não foi excepção. Afinal, a dualidade democrata/republicano é bem mais difusa e ambígua que o simples liberal/conservador ao bom estilo europeu, e tenho para mim que os presidentes americanos são, normalmente, um bom exemplo de pragmatismo na governação, e quando toca a comandar o país é tão certo como me chamar Strange Quark que nada é deixado ao acaso ou irá contra os intresses da pátria que se comanda. Obama não será por isso diferente do que espero que ele seja, ou então ainda nos arriscamos a ter um ícone da dimensão de um Kennedy, provavelmente com o mesmo fim trágico. O que me assustou na candidatura opositora foram fundamentalmente as posições perante a ciência e política ambiental. Aqui residem as minhas maiores expectativas relativamente a esta nova administração, e logo veremos se estarão à altura. E aproveito para referir que, em termos de preferências, a minha pessoal recaíu sempre em Obama, mesmo no momento em que lutava contra Hilary Clinton. Contudo, é inegável o momento histórico da eleição, a começar pelo facto de ser o primeiro afro-americano a dirigir os destinos dos americanos. O segundo facto, mais simbólico que outra coisa qualquer, é que neste momento de grande tensão no Médio-Oriente termos um presidente americano que se chama Hussein talvez seja um bom pronuncio sobre a política externa americana e a potencialidade de se promover o apaziguamento da região, algo que foi completamente esquecido pelo macaco que ainda mora na Casa Branca. Finalmente, creio que esta onda de felicidade comum se justifica porque Bush filho terá sido seguramente o presidente mais imbecil da História, deixando um legado desastroso de guerra, ruina financeira e crise económica. E para terminar, deixo o link para a melhor frase de congratulação pela vitória de Obama.

Wednesday 29 October 2008

O CNE Ataca de Novo!

Em tempos ouve um ministro que viu o oásis em Portugal, e mais ressentemente até à um que plantou um deserto na margem çul. E agora tenho para mim que no Ministério da Educassão andam a ter mirajens. O estado da Educassão em Portugal está ao seu melhor nível. Os resultados dos ezames nacionais melhoraram este ano de uma forma expantóza. Até para mim é um mistério que os paises estranjeiros não venham cá estudar os progressos atingidos pelo governo. Agora é o grupo de terroristas armados do CNE que vem apreguar que os alunos nem sequer devem xumbar até aos 12 anos. Axo que esta proposta vem terminar com uma injustissa medônha pois eu próprio fui vítima de perseguissões sistematicas por parte dos profs de português que me xumbaram durante 20 anos concecutivos (sem nunca me esplicarem porquê). Oje tenho pendurado na parede o meu diploma da Independente em Estudos Portugueses que é para eu um dia exfregar nas trombas dos meus profs e mustrarlhes que consegui aquilo que me diceram que nunca conseguia (ou conceguiria, já não sei bem...). E digo ainda mais que se deve levar a proposta mais lonje e acabar de vês com os xumbos, desde a primaria até ao doutouramento, que eu acim posso ter uma xances de arranjar um também (o raio é que já fexaram a Independente). Por isso mesmo tambem axo que os terroristas do CNE devem propor o saneamento dos profs competentes, pois se estes se mantém nas escolas são uma ameassa para os terroristas do CNE que voltem para eças escolas quando o taxo se acabar. E por favor não se esquessão de mim, tá bem? Eu até tomava café com o Sócrates lá na Independente, do tipo assim a duas mesas de distancia, mas lá que tomava, tomava!

Tuesday 28 October 2008

O (h)OMO (sapiens) Lava Mais Branco

Passe a leve referência publicitária no título, esta fotografia tem tanto de belo como de assustador, embora esta última característica esteja oculta ao leitor não informado. E é para isso que aqui estamos: esclarecer! A fotografia, retirada hoje do site do Público, representa corais da Grande Barreira Australiana descoloridos devido a um fenómeno conhecido como “coral bleaching”. A descoloração dos corais deve-se à morte dos organismos simbióticos que com eles vivem, normalmente algas fotossintéticas, que por sua vez resulta de dois factores principais: 1. modificação da temperatura das águas do oceano, nomeadamente aquecimento; 2. acidificação dos oceanos, devido ao aumento do CO2 atmosférico que não é mais que um ácido (embora fraco, não deixa de o ser). As conclusões são desnecessárias. Cada um tire as suas!


Fotografia: Ove Hoegh-Guldberg/ cedida à Reuters pelo Centro de Estudos Marinhos da Universidade de Queensland.

Tuesday 14 October 2008

Deixem-me Trabalhar!


Pois é! A partir de dia 20 de Outubro, Ringo Starr, o Beatle Mono, vai deixar de dar autógrafos e receber correspondência dos fans. Meus amigos, tenham lá paciência e compreensão para com o homem, que o tipo está numa idade que já nem duas seguidas consegue dar num ano. Aliás, a equipa cá da casa conseguiu por artes travessas uma cópia de um registo audio do Ringo num momento de verdadeiro desespero pela situação que o levou a colocar um vídeo na inetrnet.

(Avisa-se que as palavras que se seguem podem ferir gravemente a sensibilidade dos leitores mais impressionáveis)

(Ruido branco) (voz de Ringo Starr) “...não há pachorra, pá! Foda-se! Cabrões de fans sempre a pedinchar estas merdas... estou farto, pá! Vão todos pró caralho! À custa desta merda já estou com uma tendinite na mão, o pulso fodido de pegar na caneta, já nem toco bateria decentemente....” (outra voz) “...mas tu nunca tocaste bateria decentemente. E vê lá se te acalmas que o pessoal já aqui está para gravar a tua declaração.” (voz de Ringo Starr) “Manda esses gajos pró caralho também! Mal entraram houve logo um que me pediu para assinar a merda do microfone. Deixem-me trabalhar! Não tenho tempo para estas merdas.” (outra voz) “Foda-se! O gravador está ligado. Desliga-me essa merda, pá!...” (Ruido branco)

Paz e Amor, meu!

Sunday 12 October 2008

Dedicatória ao Grupo Parlamentar do PS

Ainda há poucas semanas trouxe aqui a Tom Robinson Band (TRB), e agora deixo duas peças musicais desse contundente grupo, mais politizado que os The Clash.

TRB - EP Rising Free (1978)

TRB - Power in the Darkness (1978)

Darkhaired dangerous schoolkids
Vicious, suspicious sixteen
Jet-black blazers at the bus stop
Sullen, unhealthy and mean
Teenage guerillas on the tarmac
Fighting in the middle of the road
Supercharged FS1Es on the asphalt
The kids are coming in from the cold

Look out, listen can you hear it
Panic in the County Hall
Look out, listen can you hear it
Whitehall (got us) up against a wall
Up against the wall...

High wire fencing on the playground
High rise housing all around
High rise prices on the high street
High time to pull it all down
White boys kicking in a window
Straight girls watching where they gone
Never trust a copper in a crime car
Just whose side are you on?

Look out, listen can you hear it
Panic in the County Hall
Look out, listen can you hear it
Whitehall (got us) up against a wall
Up against the wall...

Consternation in Brixton
Rioting in Notting Hill Gate
Fascists marching on the high street
Carving up the welfare state
Operator get me the hotline
Father can you hear me at all?
Telephone kiosk out of order
Spraycan writing on the wall

Look out, listen can you hear it
Panic in the County Hall
Look out, listen can you hear it
Whitehall got us up against a wall
Up against the wall...

Saturday 11 October 2008

Que Pague a Crise Quem a Criou!


Nem mais! E na sequência do que já aqui havíamos mencionado, esta fotografia faz-nos sentir que afinal não seremos todos otários.


Fotografia: Luke MacGregor/Reuters in Público.

Thursday 9 October 2008

O Nobel da Física 2008


Não é que tencione dar uma notícia que já muita gente sabe, nem explicar grandemente a razão do Prémio Nobel da Física em 2008, coisa que aliás nem sequer consigo fazer como deve de ser. Acontece que este ano os laureados, Makoto Kobayashi, Toshihide Maskawa e Yoichiro Nambu descobriram o fenómeno de quebra espontânea da simetria no mundo das partículas subatómicas bem como a origem dessa quebra de simetria a qual permitui prever a existência de pelo menos 3 famílias de quarks. Ora, caros leitores, estão a ver a razão do nosso contentamento. Um Nobel que celebra a existência do nosso alter-ego que aqui se dá ao trabalho de vir rabiscar umas palavritas sobre assuntos vários que ora deambulam pela ciência, ora pela música, ora pela boa disposição, ora pela política e opinião, é algo para comemorar.

Não foi na altura em que estes ilustres cientistas descobriram esta quebra de simetria que o termo quark nasceu. Esse baptismo veio do trabalho de outro físico que formulou um esquema de classificação para os hadrões de que resulta o modelo dos quarks, trabalho que conjuntamente com a matemática que confere ao modelo um carácter predictivo lhe valeu o Prémio Nobel da Física em 1969, Murray Gell-Mann. Para o efeito, Gell-Mann queria uma palavra que imitasse o som dos patos (digam lá que os cientistas não têm espírito e capacidade para bricarem com o que estudam...) até que se deparou com a palavra quark no poema Finnegans Wake de James Joyce, o qual reza assim (isto vem repetido vezes sem conta em inúmeros livros de divulgação):

Three quarks for Muster Mark!
Sure he has not got much of a bark
And sure any he has it's all beside the mark.

E assim, caros leitores, ficam a conhecer um pouco sobre a origem do meu misterioso nome... A estranheza é mesmo um “sabor” quântico.

Sunday 5 October 2008

Velha p'ra Caraças!

É o que uma rocha encontrada num afloramento no Quebeque, Canada, é após ter sido medida a razão dos isótopos de neodímio e samário pela equipa de Jonathan O'Neil da Universidade de McGill em Montreal. O grupo de rochas a que este afloramento faz parte já havia sido datado como tendo 3,8 mil milhões de anos usando um mineral muito útil para o efeito: o zircão, que é um silicato de zircónio extraordinariamente resistente à alteração. Acontece que a rocha agora datada não continha zircões pelo que os investigadores tiveram de usar outro método. E a bonita idade do exemplar? Uns singelos 4,28 mil milhões de anos, quebrando em 250 milhões de anos o anterior recorde. Atendendo a que a nossa visão da Terra primitiva é tão boa quanto a de um objecto a 2 km de distância numa noite de nevoeiro cerrado, este resultado demonstra que a diferenciação de uma crosta sólida terá ocorrido cedo na história do planeta que já leva uns respeitáveis 4,6 mil milhões de anos.

O trabalho científico foi publicado há pouco mais de uma semana na revista Science.

Tuesday 30 September 2008

O Dia em que a Virgin Perdeu a Virgindade



Talvez por andar em maré de efemérides, não deixo de constatar que há alguns eventos que parecem ser politicamente incorrectos recordar. Mas como o pessoal até acha piada a estas coisas dos aniversários que terminam em 5 ou 0, então pretendo relembrar aqui na tasca que no já algo distante dia 25 de Maio de 2008 passaram 35 anos da edição do primeiro disco pela então recém criada editora Virgin, disco esse que era, nem mais nem menos, Tubular Bells de Mike Oldfield, um dos mais importantes casos de sucesso no Reino Unido e a nível internacional na época. O sucesso do disco é perfeitamente secundário, foi apenas um caso feliz como poderia eventualmente não ter sido, não tivesse o jovem Oldfield na altura (com apenas 20 anos) recebido umas quantas negas porque achavam que “aquilo” não era vendável. O hoje muito mediático Richard Branson não teve a mesma opinião e deve seguramente uma parte da sua fabolosa fortuna a este disco. Mas se nos colocarmos na posição de um jovem em 1973, do género “onda alternativa” como a entendemos nos dias de hoje, este disco era um acontecimento salutar por várias razões: continha uma estrutura musical progressiva dividida em peças que têm o seu quê de dívida para com o minimalismo repetitivo; foi sem dúvida um disco inspirado, e quem pense de forma contrária não estará a ser intelectualmente honesto, atendendo a que há parâmteros mínimos de objectividade que permitem analisar a música para além das simples (e muitas vezes simplistas) paixões; foi um quase pioneiro na gravação sobreposta de várias camadas sonoras atendendo a que Oldfield tocava praticamente todos os instrumentos em estúdio; fugia ao padrão da época. Claro que este estrondoso sucesso, não só artístico como comercial, criou mazelas na pessoa de Mike Oldfield. Os dois discos seguintes foram uma tentativa de prepetuar a fórmula de Tubular Bells, com resultados bem mais modestos, e depois disso foi um palmilhar de géneros e estilos que tiveram pontualmente visibilidade no género pop (o tal género que nos anos 70 era olhado com uma desconfiança e desdém sem limites pelas gentes ditas “intelectuais”) nos anos 80 como “Five Miles Out” e “Mooligth Shadow”, mas que globalmente nunca saíram da vulgaridade (para ser simpático). No entanto, isso não é justificação para que se relembre tanta coisa e este acontecimento fique generosamente esquecido. Mas acontece que há uma certa música da década de 70 que é hoje olhada com uma desconfiança e desdém sem limites pelas gentes ditas “intelectuais” de agora.

Monday 29 September 2008

O Capitalismo Liberal

Que é como quem diz... uma certa liberdade na definição do próprio capitalismo e nos princípios básicos sobre o que é público e o que é privado segundo a conveniência de alguns.

Há dias vimos o Lehman Brothers a afundar-se e o governo americano a tentar libertar uma soma considerável de dinheiro do Estado, que é como quem diz dos contribuintes, para a salvação do desastre financeiro. Ironia das ironias, o país mais pragmaticamente capitalista do globo lança uma intervenção do Estado no mercado de capitais. Agora é na Europa que se discute a possibilidade de nacionalização (leram bem... é mesmo nacionalização) do Grupo Fortis. Para quê? Mais uma vez para salvar o mercado de capitais.

Daqui advém a definição mais corrente de Capitalismo Liberal: Privatização dos lucros e Nacionalização dos prejuizos. Enquanto uns se amanham com os lucros das especulações financeiras enquanto a “coisa dá”, cá estamos nós para lhes salvar o coiro quando a “coisa se afunda”. Sabendo que pela via da especulação financeira, para uns quantos ganharem milhões, se lançam milhares para o desemprego em poucos segundos, assim como se destroi o poder de compra das populações e se lança a fome generalizada no terceiro mundo também em segundos, permitir que isto se passe é não só um ultraje como um insulto à nossa inteligência. Ou estarei errado?

Sunday 28 September 2008

Mais um Mito que se Apaga

Dizer que Paul Newman era um mito talvez não lhe faça muita justiça, até porque a sua humildade é contraditória com essa condição, mas para mim representava, a par de Marlon Brando, um dos actores gigantes de uma certa época dourada do cinema que parece completamente perdida da perspectiva de uma Hollywood presentemente mais preocupada com uma produção cinematográfica em massa e imbecilizante. Eu sei que esta notícia está espalhada desde ontem por tudo quanto é blogue, jornais, televisões e sei lá o que mais. O que eu não queria era deixar de juntar uma muito singela homenagem. Sexta-feira dia 26, aos 83 anos, Paul Newman deixou o nosso palco. (Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap!)


Paul Newman (1925-2008)

Friday 26 September 2008

O Flautista às Portas da Madrugada


Certamente alguns dos visitantes (e leitores) ocasionais deste estabelecimento, se lembrarão de uma série de animação na tradição inglesa que em tempos adaptou a obra maior de Kenneth Grahame, “O Vento nos Salgueiros”. Aí se contavam as histórias de um grupo de animais que viviam no campo e cujas peripécias do dia-a-dia eram um veículo para a transmissão dos valores da amizade e da coragem. Fomos apresentados ao Texugo, representando a experiência e a sensatez, adquirindo um estatuto de sábio conselheiro e líder do grupo, à Toupeira, retrato da simplicidade e humildade que um dia decidiu ir viver para junto do rio, ao Rato, personagem de uma vivacidade inesgotável e possuindo uma vontade reprimida de ver “outros mundos”, e ao Sapo, figura impulsiva, arrogante, egoista, centrada em si própria e que tem de ser sempre chamada à razão pelos seus amigos (que nunca desistem de o fazer, nem nunca o abandonam). Há cerca de um ano, a editora Tinta de China, fez saír entre nós mais uma edição desta bela obra. Com a tradução irrepreesível e beleza de escrita extraordinária de Júlio Henriques, é um livro, no mínimo, obrigatório. As páginas devoram-se depressa mas muitas vezes somos nós próprios que refreamos a leitura, pois a escrita é de uma elegância e beleza como não tenho tido oportunidade de admirar há muito tempo. Júlio Henriques faz, nesta obra, um trabalho notável que eleva a tradução a um patamar equiparável ao da própria criação literária. Infelizmente não é o que se assiste na esmagadora maioria dos casos. As ilustrações na edição são as originais e famosas de E. H. Shepard, e na contracapa encontramos um excerto de um texto de A. A. Milne, o responsável por esta obra não ter caído na obscuridade, que vale a pena transcrever o seguinte:

Podemos discutir acerca dos méritos da maior parte dos livros e, na discussão, compreender o ponto de vista do interlocutor. Podemos até chegar à conclusão de que, afinal, ele tinha razão. Mas não podemos discutir acerca de «O Vento nos Salgueiros». O rapaz apaixonado oferece-o à namorada e, se ela não gostar, pede-lhe que devolva as cartas de amor que lhe escreveu. O velho experimenta-o no seu sobrinho, e altera o testamento em conformidade. Este livro é um teste de carácter.

Foi publicado em 1908, faz por isso 100 anos este ano.

E porque as referências ao livro se encontram porventura escondidas em locais de exposição bem mais mediática, um dos amantes desta obra dava pelo nome de Syd Barrett, razão pela qual o título do primeiro álbum dos Pink Floyd é a transcrição do título do capítulo 7 da obra de Grahame: “The Piper at the Gates of Dawn”. E assim se criou outro clássico, desta vez há 41 anos, para ser mais exacto.

Wednesday 24 September 2008

Coisas do Arco da Velha (#4)

Um objecto que suponho ser relativamente desconhecido, mas que na altura teve um certo impacto num Portugal saído da ressaca do PREC. Em Inglaterra era a ressaca do punk e a TRB haveria de ter uma curta mas muito incisiva vida com apenas dois discos editados, Power in the Darkness (1978) e TRB 2 (1979). Ainda assim, tiveram na altura o devido reconhecimento nos meios musicais. A faixa título do primeiro registo não precisa de comentários adicionais às palavras de ordem. O LP continha ainda uma conjunto de canções certeiras e bem conseguidas como "Up Against the Wall", "Too Good to be True" ou "2-4-6-8 Motorway".




Tom Robinson Band, “Power in the Darkness” - Power in the Darkness (1978)

Saturday 20 September 2008

My Name Is James, Just James!

Há momentos e ocasiões nas nossas vidas em que um punhado de circunstâncias, porventura algo aleatórias, nos levam a presenciar concertos que de outra forma não faríamos o menor esforço para ver, nem que se realizassem no nosso quintal. Ora bem, por razões familiares desloquei-me ao Crato no fim de semana de 30 e 31 de Agosto, aproveitando também o facto de ali se realizarem as Festas do Crato, ao que parece suficientemente badaladas pelos gastos opulentos para tão singela autarquia perdida num interior alentejano cada vez mais desertificado. Associado a tal evento havia um cartaz de estrelas internacionais em saldo, tais como Vaya Con Dios, Roger Hogdson e James. No dia em que estou presente, Sábado 30, caberia aos James animarem a noite no recinto. Pois bem... James!? Épá, eu conheço estes tipos. Tenho inclusivamente a memória da capa de um dos seus discos, com o nome da banda lá estampado. Quando é que estes gajos apareceram? Talvez anos 90, não? Andava perto, pois na realidade apareceram associados à onda Madchester, em finais de 80, mas foi na alvorada de 90 que o sucesso comercial lhes bateu mais vezes à porta. Depois da entrada de um grupo português que dava náuseas até às vísceras com uma música para telenovela em horário nobre (até parece que eram conhecidos tal a quantidade de gente que trauteava as músicas), lá vinham os cabeças de cartaz.


A entrada em palco dos James iniciou-se com o mui conhecido “Born of Frustration”, que Tim Booth (ainda com a careca tapada) ataca com a voz ululante acompanhada do trompete. OK! Com esta música fiquei localizado. Então são estes gajos! Dali para a frente, assistui-se a um concerto competente que em várias ocasiões haveria de passar por velhas glórias esquecidas, como “Sit Down” ou “Say Something”, entremeadas por músicas mais discretas mas competentes se atentamente ouvidas, herdeiras de um rock alternatvo da época como foi moda designar-se alguma dessa música. A assistência era um tanto surrealisticamente heterogénea mas pelo menos deixava que os outros pudessem ouvir a música tranquilamente. As condições acústicas para uma situação destas eram bastante boas, e os James deram em vários momentos provas evidentes de um profissionalismo irrepreensível, mostrando que a banda é constituída por bons músicos. A dinâmica em palco era excelente, com alguma versatilidade instrumental, que incluía o já mencionado trompete, o violino, precurssões e teclados vários, não faltando a desconcertante forma de dançar de Tim Booth. Fiquei a saber que os James editaram um novo disco este ano, razão pela qual andam em digressão. Seguramente tocaram músicas do seu último disco, algo que não posso avaliar porque basicamente desconheço a maioria da sua discografia. Mas ficou a sensação de uma banda que apresenta boas ideias concretizadas em canções melodicamente bem estruturadas por vezes com ambiências mais etéreas a piscar o olho a um experimentalismo envergonhado. Sem grandes inovações nem grande arrojo, as raízes dos anos 80/90 continuam na sua música, mas deve-se referir que as referências são das melhores da época, o que contribuiu enormemente para a boa disposição que senti em ouvir este concerto. Porque é assim, quando as coisas nos acontecem sem nós esperarmos absolutamente nada delas, que acabamos por apreciar melhor os momentos, e os momentos que os James me proporcionaram foram mesmo bons. Noutras circunstâncias, talvez não pensasse da mesma maneira o que nos faz reflectir sobre quão condicionada pelas expectativas é a nossa avaliação de um dado momento, concerto, música, ou outra coisa qualquer. Pela honestidade e por ter estado bem disposto: 4/5.

Monday 15 September 2008

Wish You Were Not Gone


Richard Wright (1943 - 2008)

Tão discretamente quanto a sua presença nos míticos Pink Floyd, Rick Wright despediu-se, hoje, de nós.

Friday 29 August 2008

Voltar à Rotina...

Ora aqui estamos nós para mais uma rentré sazonal. Espero que as férias tenham sido do agrado de todos e que venham refrescados para mais uma longa viagem de 11 meses até à próxima paragem. O País, esse, continua fiel a si próprio embora menos preocupado com banalidades e mais com assuntos sérios. A televisão mostrou-nos que é, de facto, um meio que distorce a percepção da realidade no país e no Mundo, pois ao contrário do ano passado tivémos a sensação de viver num país menos fustigados pelos fogos. Mas para contrariar essa aparente realidade, os dados demonstram que a área ardida aumentou quer em Julho, quer em Agosto, em relação ao ano passado. Para compensar tivémos o muito mediático sequestro que terminou da forma que todos sabemos, para além de uma onda de assaltos e violência pouco comuns nestas paragens. Lá por fora assistimos a mais uma manobra geo-estratégica por parte dos eternos senhores do mundo, americanos e russos, com os europeus meio aparvalhados sem saberem ao certo o que fazer. Uns enfiam-se na Georgia enquanto os outros estacionam mísseis na Polónia. Caíu mais um avião e a seguir não faltaram notícias de precalços e problemas técnicos em vários locais como que a tentar demonstrar que viajar em “low-costs” e em época alta talvez não faça assim tão bem à saúde. E isto apenas para reforçar que o que não passa na televisão não existe, e que não será assim tão difícil manipular a opinião pública neste mundo cada vez mais interconectado.

À falta de uma boa silly-season tivemos a brilhante trapalhada da comitiva portuguesa nos Jogos Olímpicos, com o presidente do COP à cabeça embora ache espantoso que o senhor tenha uma. E para quem ainda matuta no que escrevi atrás, temos aqui mais um exemplo de um magote de atletas que praticam desporto (espera aí? Então há mais desporto para além do futebol?) e que são olimpicamente ignorados durante ciclos completos de 4 anos para, de repente, terem uma cambada de especialistas e patriotas de bandeira lusa à janela a urrar por uma medalha durante 15 dias. E assim esta gente, que exulta com a medalha do Nelson Évora e da Vanessa Fernandes, crucifica com a mesma facilidade um dia menos bom de alguém que até tem títulos mundiais e europeus na respectiva modalidade como se isso pura e simplesmente não existisse. E não existe mesmo, pois ninguém se lembra de que alguma vez os tenham conquistado, a não ser quando pouco antes dos Jogos Olímpicos, as televisões disseram que, afinal, até era verdade.

Agora que o futebol vai recomeçar e o governo e a oposição vêm de férias, tudo pode voltar a ser como dantes, sem assaltos, sem fogos, sem problemas técnicos em aviões e... sem desporto!

Thursday 31 July 2008

Boas Férias!

Estimados amigos, clientes, visitantes ocasionais...

Este estabelecimento vai entrar de férias. Desejos de umas boas férias a todos vós!

Vincent Van Gogh
Noon: Rest From Work (After Millet)
1889-90; Musée d'Orsay, Paris

Saturday 12 July 2008

Interlúdio

Caros frequentadores cá da tasca,

Como podem observar pela hora de publicação disto, as coisas hoje não me correram de feição e estou com a perspectiva de ter umas míseras 4 horas de sono, seguidas de umas 20 horas de viagem (stops incluídos)... vou deixar aqui o tasco em banho-maria até ao final do corrente mês, altura em que ainda aqui virei para desejar a todos umas boas férias. Se alguns de vós partirem entretanto, aqui ficam os desejos com a certeza de nos encontrarmos em finais de Agosto. Esperemos no entanto que seja com mais inspiração.

Desta vez irei até às costas do Pacífico oriental seguido de uma mergulho into de wild no meio da terra dos Grizzly's. Devo vir com um jet-lag do caraças, mas nada que um bom Viagra não resolva, como já foi noticiado aqui.

Até Breve!

Thursday 10 July 2008

Vintage Year: 1967

Este texto estava a marinar por aqui há já muito tempo depois de no estaminé do estimado camarada M.A. ter colocado nos comentários o assunto que aqui vou abordar. Como ainda por cima estou com um mau perder desgraçado por não ter assistido à actuação dos Spiritualized no Optimus Alive, pode ser que me ajude a passar a neura.

Isto de fazer listas e mais listas tem o seu quê de obsessivo-compulsivo muito explorado na actual sociedade da informação. Cá para mim, é mais um efeito secundário da sobre-informação a que todos somos sujeitos, tornando apetecível a leitura de peças convenientemente digeridas e, de preferência, só com tópicos para termos uma panorâmica geral sobre os assuntos. Claro está que a panorâmica é mais a dar para a visão desfocada de um míope que deveria usar lentes de 4 mm de espessura e se esqueceu dos óculos em casa. Isto apenas quer dizer que o pessoal que vem aqui ler estas coisas não as deve tomar muito a sério, mas caso esteja interessado, sempre pode ter por aqui uma ou outra boa sugestão para passar um bom serão musical.

Adiante! Pois bem, no blogue do Puto exultou-se o ano de 1997 como sendo de uma colheita musical de excepção. Sem dúvida que teve bons discos, dois dos quais são até particularmente destacáveis na minha opinião pessoal. Vai daí, o estimado camarada M.A. apresenta o seu ano de eleição: 1991. E como forma de dar continuidade a esta cadeia, sem ser cadeia, até porque no blogue April Skies encetei a discussão sobre outro ano, vou aqui passar a apresentá-lo: 1967. Não terá sido seguramente o melhor da minha vida porque não guardo qualquer memória daquela altura, mas foi seguramente melhor que o anterior pois segundo rezam as crónicas dos meus progenitores, tinha fracturado a perna esquerda com uns míseros 7 meses de existência (talvez por essa razão seja canhoto a jogar à bola...).

E o que tem o ano de 1967 assim de tão especial? Foi um ano que não só viu editar musica de grande qualidade mas fundamentalmente porque o seu enquadramento na época fazia desabrochar uma série de percursos na música popular (pop e rock) experimentando caminhos sonoros muito diversos. Foi seguramente um momento fértil para expandir a criatividade de quem a soubesse usar com inteligência, e vários o fizeram de facto. Foi um ano charneira no psicadelismo, na minha opinião uma das mais profícuas propostas musicais cujos frutos elevaram a música rock a patamares de excelência impensáveis para a época. Abriu-se uma porta à experimentação fundando ou ajudando a fundar géneros que se tornaram um guia padrão para muito do que se seguiu até aos dias de hoje. Nunca a música popular veio a testemunhar outro período de tamanha criatividade, não por incompetência ou incapacidade, simplesmente a música pop/rock encontrava-se num período de renovação profunda, fruto de um paradigma nascente na década. Pese embora não admire muito os Beatles, os rapazes deram-lhe um empurrão precioso e fundamental.

A lista apresentada não é apenas pessoal, encontra-se acrescida das sugestões do M.A. (assinaladas com *) em resultado da nossa discussão que pode ser consultada aqui:

Songs of Leonard Cohen” - Leonard Cohen
The Piper At The Gates Of Dawn” - Pink Floyd
The Velvet Underground & Nico” - The Velvet Underground
Forever Changes” - Love
Scott” - Scott Walker
Safe as Milk” - Captain Beefheart & His Magic Band
Are You Experienced?” - The Jimi Hendrix Experience
Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band” - The Beatles
Magical Mistery Tour” - The Beatles*
The Doors” - The Doors
Days of Future Passed” - The Moody Blues
Chelsea Girl” - Nico*
Moby Grape” - Moby Grape*
Something Else by The Kinks” - The Kinks*
Surrealistic Pillow” - Jefferson Airplane
The Who Sell Out” - The Who

Agora, estimados clientes, se tiverem pachorra para tal, desafio-vos a escolherem um ano vintage e, caso o façam, o favor de avisar estes vossos camaradas bloggers que é para irmos lá espreitar e bater se for caso disso.

Tuesday 1 July 2008

A Anestesia Geral

A inspiração e o tempo estão como a economia: em recessão!

... o que me levou a escrever esta breve reflexão que aqui deixo gravada neste honrado estabelecimento. Hoje o PSI-20 atingiu níveis de 2001; o preço do petróleo continua triunfantemente a galopar sucessivos recordes; as taxas de juro vão-se alongando escada acima a tentar travar uma inflação que, na zona Euro, atinge valores próximos de históricos; o Euro 2008 acabou cedo e sem glória para a corja de grunhos que enlevam o futebol aos píncaros das prioridades nacionais; apesar de tudo, a anestesia parece perdurar. Ou então, o pessoal cá do burgo está mesmo numa de ir para a beira-mar espreitar a chegada do tsunami que uma qualquer emissão noticiosa diz que vai dar à costa. Assim mesmo, de máquina de filmar em punho, para registar aquele momento de uma gigantesca onda a entrar costa adentro... para mais tarde recordar.


PS: Nota-se que o optimismo também está a atingir níveis mínimos históricos neste estabelacimento!

Monday 23 June 2008

Marte On The Rocks

Aquilo que tinha sido um dos grandes objectivos traçados para a missão da Phoenix, a descoberta de água sob um dos estados da matéria, acabou por acontecer em 15 de Junho passado (imagem da esquerda) onde a escassos centímetros abaixo da superfície se encontrou água no estado sólido. A fotografia da direita foi obtida 4 dias depois, a 19 de Junho, e mostra que parte desse gelo já desapareceu, tendo sublimado na atmosfera marciana. O que sempre se suspeitou até à data, com base em aspectos morfológicos e mineralógicos (por exemplo, a existência de minarais hidratados detectados por espectroscopia de infra-vermelhos) da superfície marciana, que em tempos a água terá desempenhado um papel importante na actividade superficial de Marte, parece ter agora recebido uma confirmação muito forte. De todas as missões ocorridas até ao momento, esta está ser a que vem obtendo resultados mais interessantes, o que é normal uma vez que à medida que vamos desvendando alguns dos pequenos segredos deste nosso vizinho planetário vamos orientando as futuras experiências com maior objectividade e acutilância.


Imagem: NASA/JPL-Caltech/University of Arizona/Texas A&M University

Thursday 19 June 2008

The Piano Has Been Weeping


É o melhor título que se sugere para anunciar aqui a triste notícia do falecimento de Esbjörn Svensson (1964-2008), pianista e mentor do fabuloso grupo sueco de jazz, Esbjörn Svensson Trio (e.s.t.), no passado dia 14 a fazer mergulho na costa sueca.

Já referidos aqui no estabelecimento, a propósito da edição do seu disco “Tuesday Wonderland” de 2006, tinham passado por cá em Julho de 2007 no CCB (que a crónica falta de tempo não me permitiu assistir) e deveriam apresentar-se ainda este ano na Casa de Música. Perdeu-se assim um elemento fundamental de um dos mais interessantes grupos de jazz que apareceram na última década.

And the seven trumpets blowing sweet rock 'n roll,
Gonna blow right down inside your soul.” (Supper's Ready, Genesis)

Wednesday 11 June 2008

Friday 6 June 2008

Um Livro, Um Disco, Um Filme

Entrar em cadeias faz-me sentir preso e eu prezo a minha liberdade, mas em tempos a nossa amiga Rita desafiou a equipa cá da casa para uma destas actividades que acabou por não acontecer. Recentemente, nova investida aconteceu e em face do tema até acho que vale bem a pena dedicarmos um tempo das nossas vidas a eleger um livro, um disco e um filme que, de alguma forma, nos tenha marcado, ainda para mais com o aliciante de ser um português e um internacional. Falarmos sobre os nossos gostos e do que nos marcou é também uma forma de falarmos de nós próprios e de nos darmos a conhecer. Ora aqui vai:

Um Livro

Nacional: “Finisterra” de Carlos de Oliveira. Há poucos livros que tenha lido e que tenha sentido vontade de os voltar a reler no instante seguinte a os ter acabado. Mais raros são aqueles em que isso aconteceu de facto. Este foi um desses casos raros. Nem sequer consigo explicar porquê, mas a leitura deste livro de um autor português muito esquecido é de uma beleza indescritível e é pura poesia romanceada (ou romance poético, como preferirem). Não se explica, lê-se e é urgente passar por ele.

Internacional: “Narciso e Goldmundo” de Hermann Hesse. Uma busca da vida, da beleza e perfeição das coisas. Para sempre há-de ficar retida na minha memória a descrição notável da ressaca após alguém ter a noção consciente de que produziu uma obra-prima. E um confronto de personalidades, algo que já tinha sido explorado em “Ele e o Outro” (“Klein und Wagner”) de forma menos conseguida embora igualmente brilhante.

Um Disco

Nacional: “Coisas do Arco da Velha” da Banda do Casaco. Não foi algo de imediato, mas conheci este disco na altura em que saíu em 1976, e passados estes anos fui-me apercebendo de como um bando de visionários transformou e transfigurou por completo os cânones da música tradicional portuguesa, misturando um manancial de estilos da forma mais imaginativa possível. Olhando para as obras produzidas em solo luso, nada até aos dias de hoje sequer se assemelha ao que a Banda do Casaco conseguiu na época em que reinaram. E pensar que eram conotados como reaccionários de direita é a prova acabada da imbecilidade e provincianismo que, até aos dias de hoje, nos afecta de forma profunda.

Internacional: “The Lamb Lies Down on Broadway” dos Genesis. Estávamos em finais de 1974 e não é propriamente normal que um puto que tinha apenas 9 anos de idade andasse a ouvir coisas deste calibre. Acontece que o irmão de 17 anos ouvia destas coisas e era o modelo a seguir. Ao sexto disco de estúdio, os Genesis gravam a sua obra-prima, um disco ecléctico a piscar o olho à modernidade, com um forte cunho pessoal de Peter Gabriel em consequência do qual acaba por gerar tensões na banda e levar ao seu abandono do grupo no ano seguinte. Antes da despedida, o tour de apresentação do álbum ainda passou pelo Dramático de Cascais, coisa rara na altura ter bandas destas a pisar solo nacional, e é o concerto da minha vida que nunca vi (com 9 aninhos, o que é que eu estava à espera?). Durante anos este disco atormentou-me pela sua estranheza sendo uma obra singular na carreira dos Genesis. Hoje, não tenho dúvidas que o meu gosto musical foi muito influenciado por este disco (e outros também, obviamente), abrindo-me os olhos (e os ouvidos) para as manifestações mais estranhas da música.

Um Filme

Nacional: “Recordações da Casa Amarela” de João César Monteiro. Continuo a achar que é quase uma obra singular no universo cinematográfico português: bem realizada, melhor argumentada e competentemente filmada. Em vez de andarmos com acessos de intelectualismos ou banalidades telenovelescas, ou seja, o 8 e o 80, bem podiam os realizadores aprender a olhar para os clássicos e preocuparem-se em fazer apenas uma coisa: um simples filme!

Internacional: “2001: A Space Odyssey” de Stanley Kubrick. No tempo em que haviam reposições nos cinemas em Lisboa, ver este filme no grande ecrã do Apolo 70 foi uma experiência única. Uma Obra de Arte (assim mesmo, com maiúsculas)! O poder visual e musical, as valsas no espaço, o negro e o silêncio, o Homem e a Máquina, a tecnologia alienígena como instrumento do divino. Uma referência absoluta. Depois deste filme, a ficção científica nunca mais poderia ser a mesma.

Para finalizar, a todos os que resistiram a ler isto até aqui, levam com a maldição de fazerem o mesmo no vosso blogue, sabendo de antemão que se não o fizerem a vossa vida vai caír em desgraça, o Sócrates nunca mais vai saír do governo, os combustíveis irão subir mais 500%, o Santana Lopes é nomeado presidente do PSD porque a Manuela Ferreira Leite vai aceitar um cargo de Provedora dos políticos da 3ª idade, e o país irá mergulhar numa depressão profunda que o vai fazer desligar para sempre do futebol. Por isso, vejam lá o que fazem, está bem?

Thursday 5 June 2008

Afinal, Há ou Não Marcianos?

Esta pergunta continua a pairar no ar, e creio que continuará por muito mais tempo, mas talvez esteja apenas a ser pessimista. No entanto, o Departamento de Defesa dos EUA guardava muito secretamente uma fotografia comprometedora aquando da chegada da Spirit a Marte. Por artes obscuras, este blogue tomou essa imagem que demonstra, para além de qualquer dúvida, que existe vida em Marte. E mais, estas formas de vida, cientes das merdas que os Americanos fazem na Terra, não foram de modas e manifestaram o seu veemente protesto pela invasão do seu espaço territorial.


Agora vejamos algumas outras notícias, mais actuais:


Imagem: NASA/JPL-Caltech/University of Arizona

A imagem acima representa um padrão poligonal no solo resultado das contracção de gelo a baixas temperaturas, o qual quando volta a expandir com o aumento da temperatura, provoca o empolamento que vemos na imagem delimitado pelas depressões que mostram a forma poligonal. Agora os problemas: em primeiro lugar ainda não há notícias que se tenha descoberto gelo (ou seja, água) em Marte. Em segundo lugar, os modelos numéricos que explicam este fenómeno prevêm que hajam duas categorias de polígonos a escalas diferentes, 5 m e 22 m. Os de Marte têm entre 2.6 e 4.6 m, e alguns com apenas 1.4 e 2.4 m. Ao contrário do que é normal, em ciência as coisas só se tornam verdadeiramente interessantes quando não colam.

Finalmente fica uma imagem capatada da Phoenix a descer sobre o Planeta Vermelho, cerca de 3 minutos antes de aterrar, no momento em que atravessava a Cratera de Heimdall.


Imagem: NASA/JPL-Caltech/University of Arizona

Monday 26 May 2008

Is There Life on Mars?

Para além de ser o título de uma belíssima canção de David Bowie, é também o mote que persegue a sonda Phoenix, que às primeiras horas de hoje aterrou próximo do polo norte do Planeta Vermelho, qual reedição de uma Guerra dos Mundos, mas vista do lado de cá. Uma das primeiras imagens recebidas e retirada do site da NASA mostra uma planície a perder de vista, cheia de calhaus e fracturas poligonais no solo. Este é um aspecto morfológico sobejamente conhecido na Terra, resultado da fragmentação devido às amplitudes térmicas extremas a que a superfície está sujeita e que levam à formação de gelo no subsolo e subsequente fragmentação deste por expansão de volume do gelo. O problema é que não se detectou gelo (ainda).


Imagem: NASA/JPL-Caltech/University of Arizona

Tuesday 20 May 2008

Alguém Sabe o que é o CNE?

Será “Confraria dos Necessitados de Emprego”? Não! Será “Consórcio de Nepotismo Eclesiástico”? Também não! Ou será “Conglomerado de Niilistas Estúpidos”? Convenhamos que está perto, mas também não! Ao que parece quer dizer “Conselho Nacional de Educação”.

E o que é que o CNE propôs e lançou na praça pública? A fusão dos 1º e 2º ciclos do Ensino Básico. E que obscura razão sustenta tamanha alarvidade? Acabar com a transição brusca entre o 4º e 5º ano de escolaridade, pois as criancinhas ficam deveras traumatizadas com estas chatices das mudanças dado que é um contraste “violento e repentino” (sic). Assim ficariam com um só professor por mais dois aninhos que deverá arcar com os programas das diferentes disciplinas que fazem parte do curriculum. É obra! Seguramente apenas tipos enciclopédicos e extraordinariamente dotados deverão assegurar tal cargo em virtude da importância fundamental na aquisição de conhecimentos e conceitos base em disciplinas como Matemática ou Português. O tal ciclo de 6 anos “visaria neutralizar as transições bruscas identificadas ao nível da relação dos alunos com o espaço-escola, as áreas e os tempos de organização do trabalho curricular e a afiliação dos professores” (não é por acaso que este discurso adquiriu o epíteto de “Eduquês” e na minha instituição diz-se que é ministrado no Departamento de Ciências Ocultas). Como se não bastasse um bando de tresloucados idiotas lançarem arrochadas deste calibre com aura de seriedade académica o governo, na pessoa do Secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, em vez de os mandar passear e irem fazer algo de útil à sociedade ajudando uma ONG em locais de conflito armado, admite que isso até possa ser feito, embora não agora e depois de um largo consenso sobre a matéria. Qual consenso qual carapuça! Prendam mas é estes tipos que causam mais estragos ao País que um conflito armado no Médio Oriente. Isso sim, era um acto patriótico passível de condecoração no próximo 10 de Junho.

Em tempos corria a célebre frase “Se acham que a Educação é cara, experimentm a ignorância”. Infelizmente, creio que já a experimentamos pois não me ocorre melhor adjectivo para caracterizar esta gente.

Monday 19 May 2008

Esta é Nossa!

Depois de uma temporada dominada pelos dragões (honra lhes seja feita), o nosso Sporting conquista mais uma Taça de Portugal para o palmarés... e vão 15!


Foto: Marcos Borga/Reuters in Público

Hoje, na rádio, ouvi que a manchete do jornal Record era qualquer coisa do género: “passarinho engole dragão”. Passarinho? Que raio de merda é esta? Desde quando é que a alma leonina (que vem de Leão e não de pássaro) se confunde com o epíteto mais adequado à má vizinhança da 2ª circular?

Saturday 17 May 2008

Notícias de Ciência (I)


Boas notícias para os caçadores de Planetas extra-solares: a 2 de Abril foi publicado na Nature um artigo que propõe a possibilidade de aplicar técnicas mais precisas de calibrar os espectros luminosos de corpos celestes, o que permitirá a detecção de variações nos espectros quase diminutas. A técnica em causa são os “pentes de laser” (laser combs) que deram em 2005 aos seus inventores o Prémio Nobel da Física (Roy Jay Glauber, EUA; John Lewis Hall, EUA; Theodor Wolfgang Hänsch, Alemanha). A aplicabilidade na astrofísica (já designados “astro-pentes”) permite a medição de linhas espectrais de radiação electromagnética com uma precisão 60 vezes superior às das técnicas correntes de topo de gama. Assim torna-se possível a detecção de desvios nos espectros de estrelas que sejam causados pelo trânsito de planetas com massas pequenas (na gama do planeta Terra), o que de outra forma seria indetectável. Boas notícias para a astronomia na procura de locais potencialmente habitáveis no Universo (possivelmente com almas irmãs, se não forem gémeas).

Será que há bens que vêm por mal? Parece ser a conclusão de Judith Perlwitz, climatologista da Universidade do Colorado em Boulder e do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), pois os padrões de ventos sobre a Antárctica modificaram-se com a recuperação da camada de ozono, permitindo a incursão de massas de ar mais quente no interior do continemte gelado, acelerando a fusão da calote de gelo. Desde a assinatura em 1987 do Protocolo de Montreal que baniu o uso dos meléficos CFC's, que a camada de ozono tem vindo lentamente a recuperar na estratosfera. É uma camada que filtra os perigosos raios ultra-violetas do sol que são altamente lesivos para os tecidos orgânicos. O esforço de aplicação do Protocolo assinado em 1987 tem dado resultados positivos (um dos exemplos de sucesso que muitos desejam que aconteça igualmente com Quioto) prevendo-se que dentro de 70 a 100 anos o Planeta recupere a camada de ozono com a espessura original. Agora verifica-se que a sua depleção talvez tenha contribuído para o retardamento da fusão dos gelos antárcticos devido ao aquecimento global do planeta. Mais um exemplo demonstrativo da complexidade do sistema com que lidamos e que estamos muito longe de compreender.

Figura (C) NASA