Saturday 18 September 2010

Quem veste assim não é Gaga é abjecta


A capa desta semana do Ípsilon entrou nos cânones do mau gosto. O episódio tem tanto mais importância por verificar como uma certa intelectualidade urbana e arty, que muito gosta de um certo folclore em defesa dos animais aparentemente nem sequer vir a terreiro manifestar repúdio por esta forma abjecta de protagonismo. Só para citar um exemplo, por muito condenáveis que sejam as touradas, no seu espírito de raíz cultural nunca esteve nada deste género, e quem não o percebe é porque na realidade não percebe mesmo nada do assunto, nem sequer procura perceber. Mas a simples ideia de utilização de carne como peça de vestuário leva-nos a pensar em consequências bem piores sobre o potencial da demência humana. Mas como tudo isto vem embrulhado em forma de arte, e como todos sabemos que quanto mais chocante for uma certa forma de arte(?) melhor, então nada disto na realidade representa o que representa. É uma espécie de transfiguração do real, ou uma virtualização do mesmo, como o da própria personagem tal como aparentemente se pretende definir. Mas há limites, têm de haver limites, e acima de tudo direito à indignação.

P.S. (20 Set 2010): por uma questão de decoro, decidi alterar a imagem da vestimenta de Lady Gaga, tal a repulsa que causa. Na verdade acho que não devo compactuar com voyeurismos na tradição mais reles e barata dos reality shows em que tudo isto se parece querer transformar, por isso, quem quiser apreciar a "obra" (e tiver estômago para tal) sempre a pode pesquisar na net.

Saturday 28 August 2010

Projecto Blair Ghost


O último filme de Polanski, "O Escritor Fantasma", enquadra-se num daqueles objectos cinematográficos de suspense e mistério sem verdadeiramente pretender vestir essa roupagem, pelo menos nos termos mais convencionais do género. Tendo como ponto de partida um escritor que é contratado para escrever as memórias de um antigo primeiro-ministro britânico que se encontra, para todos os efeitos, exilado nos Estados Unidos, dando assim continuidade ao trabalho do seu antecessor que morreu misteriosamente, o filme de Polanski agarra-nos pelos mais diversos motivos, a começar desde logo pela inusitada importância que é dada ao manuscrito e o seu cariz de objecto de cobiça pelas esferas da política e espionagem. Sem percebermos verdadeiramente o que se está a passar e o que se encontra por detrás, pelo filme vão-se desfiando duras críticas à actuação americana e seus lacaios (aqui materializados pelo próprio ex-primeiro-ministro) na chamada guerra contra o terrorismo. O argumento discorre pois num ambiente em que o espectador, tal como o escritor (excelente interpretação de Ewan McGregor), vai descobrindo a pouco e pouco o que realmente está a provocar tamanha celeuma nos meios políticos. Tudo isto sem deixar de haver uma ponta de ironia e sarcasmo veiculada pela personagem de McGregor, quanto mais não seja até pelo facto de o ex primeiro-ministro (Pierce Brosnan) uma vez confrontado com a mão pesada do Tribunal Penal Internacional de Haia, ter os Estados Unidos como um dos poucos (mesmo raros) países de onde não pode ser extraditado, precisamente o país onde o próprio Polanski se encontra a braços com a justiça e impedido de visitar. Aliás, a tónica humorística que por vezes vai perpassando pelo filme é um claro sinal de irreverência que quase parece fazer perder a força do argumento, quando na realidade percebemos que ele está lá de propósito, não para retirar densidade e espessura, mas para nos mostrar que não vivemos 24 sobre 24 horas em tensão, sobressalto ou enterrados nos nossos próprios fantasmas, dúvidas e receios. A colagem do argumento ao historial do governo Blair são inevitáveis não perdendo tempo nem oportunidade para lembrar da hipocrisia que são a vida política e as relacções internacionais. Felizmente que o que seria facilmente tomado com grande aparato, efeitos especiais, tiroteios e perseguições alucinantes por um qualquer realizador de blockbusters, aqui se mostra contido e na medida certa para tornar o enredo bem mais terra a terra e credível sob esse ponto de vista. Afinal, não parece ser assim tão difícil fazer um cinema suportado no argumento e nos personagens... ou se calhar é. Em todo o caso, um dos bons momentos passados numa sala de cinema. Recomendável.

4/5

Tuesday 24 August 2010

Novas de Ciência

Esta semana no site da Nature:

Os novos Dr. Fausto:

"Investigations into research misconduct cost US institutions more than US$110 million per year, estimates a study published this week. But experts contacted by Nature question whether calculating the cost of investigation is the right way to measure the impact of research misconduct."

E afinal, o nosso Sistema Solar é um bocadinho mais antigo:

"A meteorite found in the Sahara Desert has helped to pin down the age of the Solar System and shed light on how it may have formed.

The new estimate, which comes from measuring the ratios of lead isotopes inside the chondrite — an ancient stony meteorite — suggests that the Solar System is 4.568 billion years old. This is 0.3–1.9 million years older than some previous studies projected. The relatively small revision means that models of the gas and dust that gave rise to the Solar System should have around double the amount of a certain iron isotope, iron-60, than previously suggested."

Hasta!

Tuesday 17 August 2010

Boas Notícias

Hoje deu-me para aqui... o tasco está abandonado e não tenho muitas perspectivas de o reactivar, mesmo ao relativamente ritmo lento que vinha tendo. Escrever toma-nos tempo e tenho muitas outras escritas em atraso e bem mais importantes pelo caminho, pelo que há que tomar opções. Ainda assim, pode ser que esporadicamente venha descarregar aqui a minha ira ou alegria, conforme o caso.

Pois bem, para começar, aqui a gerência mostra regozijo pela seguinte notícia:

Rock in Rio regressa ao Rio em 2011

em que se acrescenta: de onde nunca deveria ter saído...

Até à proxima!

Thursday 27 May 2010

Grizzly Bear @ Coliseu (26 de Maio de 2010)

Novo concerto na carteira, estímulo justificado para aqui retornar e estrebuchar um pouco este sítio a caminho de se tornar moribundo. Desta vez são os Grizzly Bear, que me fizeram voltar ao Coliseu pela segunda vez este ano (e ao blogue a primeira vez este mês). Mais uma vez também (e já lá vão 3 aqui escritas), confirma-se que o som no Coliseu, se não é sofrível, anda lá perto. Melhor no entanto que Wilco ou mesmo Sonic Youth. Desta vez corrigiram as frequências com um pouco mais de sucesso, as palavras eram audíveis, mas carregaram em demasia nos graves a ponto de não só serem ouvidos como sentidos, mas quando o sistema puxava a potência ao máximo, a cacofonia era tanta que dificilmente conseguíamos perceber que instrumentos estavam a tocar. A sala está claramente desadequada para níveis sonoros elevados e quem sofre são os nossos pobres ouvidos. Não tenho dúvidas que os jornalistas e demais profissionais cujas obrigações os remetem para assistir a estes concertos com frequência, têm profissões de desgaste rápido e concorrem para passar a reforma numa qualquer Sonotone a comprar aparelhos auditivos.


Foto:(C) Rita Carmo/Espanta Espíritos; BLITZ

Entrada morna da brasileira Cibelle, uma cantora/performer vinda do desconhecido (se exceptuarmos a sua colaboração recente com Paulo Furtado), que apesar disso deu um belíssimo e agradável espectáculo graças à sua capacidade vocal. Uma música que remete para raízes indie mais freak e obscuras (fosse a guitarra acústica e não teríamos problema em catalogá-la de freak-folk), cujo timbre de voz por vezes ressoava a umas Cocorosie. O facto de ser uma one-woman-show, coadjuvada por sons (explosões, pássaros, e sei lá que mais) e música gravada (o que mais me desconforta, pois o resultado pode aproximar-se a uma espécie de karaoke), deu-nos a clara impressão de um espectáculo de rua, apanhado rapidamente ali na esquina mais próxima, tomando o palco de uma sala de concertos. No entanto, as canções e melodias entrosavam lindamente, e as variações musicais da guitarra, apesar de minimalistas, enlaçavam-se com a voz de Cibelle (bem bonita, nunca é demais referir) de uma forma harmoniosa e bem conseguida. A terminar, presenteou-nos com uma canção dos tempos áureos da bonecada do Jim Henson: (It's Not Easy) “Being Green”, celebrizada por uma personagem com a mesma coloração e que tinha uns arames a suportar os braços, Kermit the Frog. O facto de a sua actuação ter sido presenciada por menos de metade de uma sala que se encontrava esgotada não é seguramente demonstrativo da qualidade de Cibelle, que merecia ter sido mais bem recebida.


Foto:(C) Rita Carmo/Espanta Espíritos; BLITZ

Por volta das dez é servido o prato principal. Os Grizzly Bear fazem a sua entrada e dão logo o mote do que iria ser o suporte do espectáculo, abrindo com o mesmo tema que abre Veckatimest (aqui no estaminé mantém-se como o melhor disco que saiu em 2009). Os temas do último álbum dos Grizzly Bear deixavam-me apreensivo sobre a forma como o seu poder melódico e textural se enquadrariam num espectáculo ao vivo. Contudo, ao fim de dois temas os receios desvanecem-se e com um público receptivo e ansioso por ver este conjunto de músicos de uma certa corrente indie subitamente catapultados para um espectro de audiência bem mais alargado que a sua música faria suspeitar, a comunicação e empatia torna-se imediata o que muito ajudou para que o espectáculo acabasse por ser, a todos os títulos, memorável. O desfilar das músicas de Veckatimest continuava, entrecortadas por algumas dos álbuns anteriores, até que atacam “Two Weeks” fazendo levantar toda a plateia para gingar a anca ao ritmo das teclas de Daniel Rossen. Os temas podiam variar do mais acústico “Deep Blue Sea” (da colectânea Dark Was the Night), até ao mais elaborado “Ready, Able” (uma das favoritas aqui da casa) que o grau de profissionalismo e execução musical não as deixavam perder o brilho e magia que emanam. Os 4 elementos em palco contribuem exemplarmente para dar uma coesão sonora e musical ao melhor nível do que os temas gravados em estúdio merecem, e enquanto Daniel Rossen dava voz à maior parte das canções, juntamente com a guitarra e raros momentos nas teclas, Edward Droste secundava-o nos coros ou tomava primazia em temas onde a voz ecoava mais fundo (fruto do tratamento no microfone), dando um cheirinho na guitarra ou nos efeitos do pequeno omnichord e Chris Taylor ficava com as despesas rítmicas no baixo, ou ainda na flauta, clarinete ou saxofone (tudo tratado) bem como nas vocalizações. A amálgama encaixava na secção rítmica tradicional assegurada por Christopher Bear, que não enjeitava uma colaboração vocal de vez em quando. As vocalizações e os respectivos arranjos dos Grizzly Bear, aqui soberbamente executadas, é outro dos seus pontos fortes enraizando assim a sua herança na pop de 60 (os Beach Boys vêm-nos logo à cabeça) com boas doses de psicadelismo e conjugação sónica inovadora (por vezes próximo do experimental), dando corpo a uma das mais interessantes propostas musicais que se revelaram no ano transacto catapultando-os como um dos valores seguros neste início de século. Depois de terminarem a prestação, que pecou por curta, ainda vieram ao palco para nos brindarem com uma versão acústica minimalista (guitarra acústica, precurssão e vozes) de “All We Ask”, não perdendo nada do seu fulgor e beleza, mostrando mais uma vez que por aqui habita o profissionalismo e uma dose substancial de entrega emocional à arte que praticam. Seguramente um concerto para ficar na memória e para repetir em condições ao nível do que os Grizzly Bear representam e vieram mostrar.

4,5/5

Sunday 25 April 2010

Em pleno ano quente de 1974, para o dia de hoje:



Sérgio Godinho "Liberdade" - À Queima Roupa (1974)

Friday 23 April 2010

Sonic Youth @ Coliseu (22 de Abril, 2010)



Foto: (C) Rita Carmo/Espanta Espíritos; BLITZ

Não sendo um frequentador assíduo de concertos nos anos mais recentes, voltar à casa onde há quase um ano tinha ido ver o excelente concerto dos Wilco, colocava as expectativas bastante altas. Com bilhete comprado há mais de 2 meses, esta foi a forma de me impôr a estar presente, e posso dizer que não só não me arrependo como viveria amargurado perder a prestação dos Sonic Youth em nome próprio e não encaixotados num pacote promo em saldo de verão, como tem sido habitual nos últimos anos com as bandas que passam por este país. Para aperitivo, foram oferecidos os portugueses Gala Drop (o tipo disse o nome ao microfone, mas o som estava tão empastelado que não percebi patavina). Abrir com uma espécie de electro-funk-jazz não parecia mau de todo, mas passado o primeiro tema (algo repetitivo), os restantes não mostraram mais do que um enxerto da mesma ideia com variações para ritmo e (por vezes) guitarra. Para alguns até pode ser agradável, mas tudo não passou de música para encher o tempo, recorrendo a meia dúzia de truques fáceis que qualquer tipo com jeito improvisa e entra no esquema sem grandes floreados. O destaque vai todo para o baterista, no entanto, até o facto de o guitarrista ter tocado de costas para o público denuncia uma música que é feita para ouvir enquanto se toma uns copos e se fala com os amigos. Não desagrada, mas também não fica na memória.

Uma hora depois da hora marcada, o quinteto Sonic Youth faz a entrada no palco e começa a atacar o seu último álbum de originais o qual, por circunstâncias diversas, não colheu o meu interesse para o ouvir mais aprofundadamente. Mas é para isso que estes concertos também servem, pois agora é mais um que vai para a “lista dos desejos”. Os temas foram descarregados com a dose avantajada de decibéis que se espera do grupo (os meus ouvidos ainda zumbem em background), sustentado por um wall of sound de guitarras, por vezes dissonantes, conferindo uma dinâmica característica aos temas, onde o trio Gordon - Moore - Ranaldo entrosam de forma extraordinária, como velhos amigos que conhecem todos os seus defeitos e virtudes e se entendem na perfeição. Isto sem desmerecer, muito pelo contrário, a excelente prestação no suporte rítmico dado por Steve Shelley e Mark Ibold, com particular ênfase no dinamismo de Shelley. Às variações dinâmicas acrescem algumas rítmicas e desvarios sónicos, atributo pelo qual são particularmente conhecidos, aspectos estes que conferem à música dos Sonic Youth a sua diversidade e originalidade, algo que a maioria das bandas com coordenadas semelhantes não consegue ou então atola-se em repetidas emulações de fórmulas gastas. De permeio ainda se vão ouvindo temas do período dourado da banda (dois temas do Sister), algo que causa ataques de nostalgia na plateia em alguma malta à minha volta. O concerto passa ainda pela comunhão entre Thurston Moore e os espectadores da linha da frente, mas vai ganhando um crescendo extasiante terminando com a belíssima "Massage the History". A saída do palco naquele momento foi sentida como uma espécie de coitus interruptus, e o certo é que ainda voltaram mais duas vezes ao palco para nos brindarem com mais quatro temas dando assim, no conjunto, uma visão curta da sua carreira entre Bad Moon Rising e Daydream Nation. No fim, após creca de 1 hora e 50 minutos de concerto, notava-se a satisfação plena da turba pelo que se tinha assistido. Os Sonic Youth são um valor seguro ao vivo. São profissionais, são excelentes músicos, criaram a devida empatia com o público e a resposta só poderia ser um concerto, a todos os títulos, memorável. O som, como na última vez, tem nota negativa, embora melhore consideravelmente com a casa cheia, algo que falhou com os Wilco. Quem quisesse falar (cantar) ao microfone dificilmente se fazia perceber, no entanto esse aspecto foi corrigido algumas vezes, embora não as necessárias para que tudo estivesse, efectivamente, perfeito. O rock está vivo e continua a recomendar-se.

4,5/5

Set do concerto no Coliseu (com recurso à internet):
Os temas de The Eternal estão assinalados (*)
No Way*
Sacred Trickster*
Calming The Snake*
Anti-Orgasm*
Stereo Sanctity
Malibou Gas Station*
Walkin Blue*
Poison Arrow*
Schizophrenia
Antenna*
Leaky Lifeboat*
What We Know*
Massage The History*

Encore 1
Sprawl
Cross The Breeze

Encore 2
Shadow of a Doubt
Death Valley 69

That's all folks!

Thursday 15 April 2010

O Vulcão Que Veio do Frio

Imagem impressionante da coluna de cinzas e vapor de água da recente erupção sub-glaciar do vulcão Eyjafjallajokull, no Sul da Islândia.


Foto retirada do site do Público; Foto da Guarda Costeira Islandesa/Reuters

Tuesday 13 April 2010

Vaticanic


O Titanic precisou de um iceberg para ir ao fundo. Ao Vaticano nem por isso, pois parecem ser os próprios habitantes que se esforçam diligentemente para afundar ainda mais a já agastada imagem da igreja católica. Já meteram judeus, e agora homossexuais, ao barulho no ignóbil acto cometido entre portas da instituição e seus representantes, que é a pedofilia. Em vez de andarem com elucubrações fantasiosas sobre as razões que levaram à prática destes actos, melhor seria deixarem a sociedade e a justiça civil tratar das devidas punições e pensarem no que leva uma fatia substancial de perturbados sexuais seguirem o chamamento de deus. Ou isso, ou me arrogo no direito de afirmar que há amplas evidências que apontam a elevação a cardeal de pessoas genuinamente estúpidas.

Tuesday 30 March 2010

Resenha Cinéfila

Tempo de pôr a escrita em dia, ainda que saiba a comida requentada, sobre os filmes que vi no último mês e meio e que me merecem o tempo dispendido para vir escrever algo sobre eles. Entenda-se isto como um simples diário de bordo sobre alguns dias dedicados a esta nobre arte: o cinema.

Nas Nuvens/Up in the Air (Jason Reitman)

Comédia simpática e agradável de seguir, do realizador Jason Reitman (o mesmo de “Juno”), apresenta-nos uma história cujo argumento encerra em si uma boa ideia que de forma alguma é desbaratada no desenrolar da acção. Abordando um tema que não podia ser mais oportuno nos tempos incertos que se vivem, Nas Nuvens mostra-nos um conjunto de personagens que, na realidade, se sentem tão perdidos na sua vida sentimental quanto os muitos anónimos a quem têm a ingrata tarefa de anunciar que a empresa onde trabalham prescindiu dos seus préstimos. E se é verdade que Natalie (Anna Kendrick) aparece a perturbar o equilíbrio desse mundo estéril de relações e afectos a que Ryan (George Clooney) tão comodamente se habituou, não deixa de ser irónico que seja a emocionalmente frágil Natalie quem dá à sua vida a necessária mudança de rumo escapando ao inevitável buraco negro do meio onde se encontra, usando para isso os mesmos veículos de comunicação que justificaram a sua contratação. De salientar a boa prestação de Vera Farmiga no papel de Alex.

3,5/5

Um Homem Singular/A Single Man (Tom Ford)

Um Homem Singular representa o melhor filme que me foi dado a ver nos últimos tempos. Filme que passa o dia 30 de Novembro de 1962 com George Falconer (Colin Firth), um professor de literatura, que decide ser esse o último dia da sua vida, fazendo o luto pela perca do seu companheiro de há 15 anos, Jim (Matthew Goode), algo que lhe foi negado por uma sociedade ainda fechada e recriminatória de certos comportamentos sociais. As notícias recorrentes em pano de fundo sobre a crise dos mísseis de Cuba, um dos momentos mais problemáticos de toda a Guerra Fria, é igualmente premonitório de um futuro que, aos olhos do protagonista, é mais que incerto naquele presente. É nesta perspectiva que tudo se conjuga neste filme, pois as mudanças cromáticas acompanham o estado de espírito de George, assim como a música carrega consigo um constante sentimento de profunda tristeza. Adicionem-se os cuidados nos adreços e guarda roupa, que auxiliam a composição do filme como uma sequência de postais ilustrados de época com cores envelhecidas pelo tempo, e temos um obra que funciona como um todo orgânico e coerente, de tal forma manipulada que não sobrevive sem nenhuma das partes e com o cuidado de nenhuma componente se sobrepôr às restantes, deixando espaço para as personagens respirarem. Julianne Moore é soberba e protagoniza um dos raros momentos de “euforia” no filme ao som de Green Onions de Brooker T. & The MG's. Uma vez chegado o fim do dia, as peças vão-se encaixando como que a tentar dizer-nos que, por mais que queiramos, não podemos escapar ao destino e que o melhor é ficarmos em paz com a vida. E George consegue-o.

4,5/5

Shutter Island (Martin Scorcese)

Martin Scorcese é um realizador profundamente cinéfilo. É verdade que, uns mais outros menos, todos o serão, mas não há muitos que recorrentemente no seu mister façam disso uma permanente citação e homenagem aos clássicos e aos nomes que o procederam e fizeram a história do cinema. Como diria Newton, “Se eu vi mais longe foi porque me sentei no ombro de gigantes”. Shutter Island é um filme que deve muitas referências ao clássico filme negro americano, com uma genética profundamente Hitchcockiana, em que o espaço e o cenário funcionam como agentes do medo e do sobressalto com largas doses de psicanálise a repisarem os fantasmas do passado do protagonista. Ainda que competentemente filmado e elevado a um nível a que um grande realizador como Scorcese consegue fazer, o argumento não deixa de ser algo decepcionante pelo facto de a temática se encontrar demasiado revista nos últimos anos. Di Caprio não parece agarrar verdadeiramente a sua personagem, em contraste com as prestações de Mark Ruffalo e Ben Kingsley. Pese embora estes detalhes, a competência de Scorcese nunca permite estarmos perante um objecto vulgar de cinema, e por isso vale a pena ir vê-lo.

4/5

Monday 1 March 2010

Fama Show



E não é que os Genesis foram nomeados este ano para o Rock 'n' Roll Hall of Fame?

Eis o que está no site respectivo:

Almost no group in rock history has had such a long and varied career as Genesis, who began as a cult art-rock band in England in the late 1960’s and went on to pack stadiums across the globe in the 1980’s, 1990’s and on their 2007 reunion tour. In the early 1970’s frontman Peter Gabriel shocked audiences and grabbed headlines by taking the stages in outrageous costumes and occasionally even levitating above the audience. Their music was equally innovative, and early albums Selling England By The Pound and The Lamb Lies Down On Broadway are two of the most acclaimed prog-rock albums in the history of the genre. In 1975 Gabriel left the band to pursue a solo career and drummer Phil Collins stepped out from behind the kit to take over. The band experienced many more hits and successful worldwide tours over the next 30 years.

Embora seja da praxe ir lá tocar umas cenas, ainda não é desta que o grupo se reune com a formação clássica, pois Peter Gabriel já fez saber que nem sequer pode estar presente.

Ainda assim, esta nomeação talvez denote uma outra coisa: será que o rock progressivo está a deixar a aura de estilo maldito e desprezável pela intelligenzia da música pop? Se sim, é apenas um sinal que a dita intelligenzia se está a tornar um pouco mais inteligente, pois a falta deste reconhecimento era um dos pontos em que o dito Hall of Fame era mais criticado. Mas ainda restam vários estilos (aliados a preconceitos) a serem devidamente reconhecidos, se é que se quer fazer disto um digno representante da história da música popular.

Sunday 21 February 2010

Espaço


Por ser simplesmente bonito e porque imaginamos aqui a banda sonora de Kubrick de 2001 a dominar o bailado destas peças de tecnologia em órbita terrestre, no caso concreto, a Estação Espacial Internacional. Foto da NASA retirada do site do Público.

Thursday 18 February 2010

Vícios Privados, Revelações Públicas

Ninguém questiona o dever de segredo de confissão dos padres das diversas religiões cristãs. Ninguém se atreve a mexer no sigilo bancário. Ninguém questiona o dever de sigilo profissional dos advogados. Então, porque razão se atropela de forma impune e sistemática o segredo de justiça? O que me incomoda não é ficar na ignorância do que o primeiro ministro, um membro do conselho de administração da PT, um ministro, ou um gestor do BCP disseram entre si nas conversas telefónicas. O que verdadeiramente me incomoda é a inépcia da justiça em zelar pelos interesses do Estado e dos seus cidadãos perante actos de corrupção e atentados à liberdade individual, quer sejam arguidos ou não.

Tuesday 16 February 2010

Whatever Works! Not Always


Até parece que dei em cinéfilo, mas na realidade serei apenas um amante da 7ª arte com gosto pela coisa que agora arranjou um pouco mais de tempo para reavivar este prazer antigo. Pois bem, os mais atentos reconhecerão no título deste texto o título do último filme de Woody Allen. Falar de Woody Allen, é como falar das férias ou das noites de farra com os amigos. Aparte o exagero de reduzir Woody Allen a uma mera conversa de circunstância, ao olhar para a longa carreira deste realizador fica-me a sensação de alguém que nunca quis fazer do seu cinema mais do que um momento de boa disposição conjugado com (auto)terapia psiquiátrica. Também não quero dar a sensação que não gosto do Woody Allen, o que não podia estar mais longe da verdade. Allen tem a sensibilidade cinematográfica dos mestres que admira e a veia literária adequada aos temas que aborda. Em vários aspectos é um realizador singular. Enquanto que vemos a maioria dos realizadores como uma peça numa engrenagem gigantesca que ele se esforça a todo o custo não atrapalhar, Allen é uma espécie de homem dos 7 instrumentos, o performer de rua que apresenta, toca, canta, dança, lança os foguetes e apanha as canas, e segue descansado para casa dispensando a meia dúzia de amigos que o ajudaram naquele dia. É pois uma free-mind que faz o que lhe dá na real gana como forma de expiar as suas crises existenciais e amorosas, as suas dúvidas teológicas e morais, a sua hipocondria, lançando algumas farpas às realidades sociais que o rodeiam num dado contexto, sendo que este é frequentemente o meio artístico de Nova Iorque.

Nova Iorque, pois! Se há realizador que mostra amor por Nova Iorque, a resposta vem célere em forma de Woody Allen. Veja-se Manhattan e precebe-se porquê. Este último filme parece por isso um regresso do filho pródigo, ou o reatar de uma relação que acabou em divórcio. E nesse aspecto este Whatever Works (Tudo Pode Dar Certo) (a)parece (como) uma súmula de tudo o que Allen já nos deu. Colocar ali todos os fantasmas e problemas já passados e esperar que... whatever works. E se a fluência até nos mostra um filme que tem piada, não aborrece e nos deixa com a sensação de uma hora e meia bem passada, já por outro lado fica aquela sensação de déja vu, em que o efeito surpresa desvanece-se a cada cena que passa pois temos a certeza que Woody Allen, pese embora as citações cinematográficas (com especial ênfase em Apocalypse Now), se cita a si próprio com tal asseverança que praticamente se auto-plagia. E não é só a relação entre Boris (Larry David) e Melody (Evan Rachel Wood) que nos remete para a relação em Manhattan, é a recorrência sobre a sua crise existencial cimentada pelo acto de envelhecer e até o interpelar da audiência (lembremo-nos de Rosa Púrpura do Cairo). Aqui não há lugar ao brilhantismo do argumento de Match Point, nem tão pouco da comédia despretenciosa de Scoop. Poderemos dizer que Woody Allen não se deu mal em Londres e que se dá melhor em Nova Iorque. Mas não por este Whatever Works, mas pelo que fez no passado. E é por isso que é preciso mais que uma simples reconciliação para que essa relação volte a funcionar como algo fresco e que nos diga que vale a pena. Nota positiva para o facto de Larry David não tentar sequer emular os tiques nem a hiperactividade de Allen que dispara palavras ao ritmo alucinante de uma metralhadora, tal como Kenneth Branagh o fez em Celebridades, detalhe que nos dava vontade de lhe despejar o carregador de uma metralhadora em cima.

(3/5)

Saturday 13 February 2010

Turn Sixty


Foi há 3 anos que abri este estabelecimento, e à terceira postadela estava a dar os parabéns ao David Bowie pelos seus 60 anos de vida. Agora, estou a fazer a mesma coisa para o Peter Gabriel. E a oportunidade não poderia ser melhor dado que daqui por dois dias sai o seu novo disco, agora a reinterpretar músicas escritas por outros, desde Paul Simon e Neil Young aos Radiohead, Magnetic Fields e Bon Iver, num total de 12 temas. E também é verdade que Bowie e Gabriel têm uma ligação entre si, não só pelo facto de no próximo disco de Gabriel haver uma versão do “Heroes”, como foram ambos os expoentes máximos da teatralização das performances musicais nos anos 70. Bowie num registo, apesar de tudo, bem mais contido que o de Gabriel que levou os Genesis à capa da New Musical Express quando, numa performance do grupo e surpreendendo os próprios colegas que desconheciam o que se iria passar, entra em palco com um vestido vermelho e uma máscara de raposa enfiada na cabeça. O rapaz tímido e contido, com um ego ainda latente, acabaria por expôr todos os seus desejos e ideias nos concertos dos Genesis que levariam os restantes membros da banda a não acharem muita piada ao caminho que se estava a tomar, porque a música parecia ficar para segundo plano e os admiradores cada vez mais associavam a banda a uma extensão de Peter Gabriel, quando na realidade a mesma fora criada na base da comunhão e participação de todos na composição musical. A corda esticou e acabou por rebentar com o álbum “The Lamb Lies Down on Broadway”.

Decorridos mais de 2 anos e alguma clausura fora do barulho das luzes, Peter Gabriel começa a sua carreira a solo com a edição do seu primeiro álbum sem nome a que se seguiriam mais 3 na mesma linha, conhecidos simplesmente por I (1977), II (1978), III (1980) e IV (1982), ou por “Car”, “Scratch”, “Melt” e “Security”, aludindo à fotografia da capa dos discos ou, no caso do último, pelo nome como foi editado nos Estados Unidos. O tema “Solsbury Hill” do primeiro registo, recuperado como hit no álbum “Plays Live” de 1983, era a expiação dos fantasmas e dos acontecimentos que levaram à saída de Gabriel dos Genesis. Neste primeiro álbum, Peter Gabriel explora várias formas de expressão musical, incluindo uma das suas favoritas, o soul. É um disco ainda agarrado ao passado e a dar corpo à afirmação pessoal. No disco seguinte começam as sementes do experimentalismo e a colaboração com Robert Fripp (produtor do disco). Um disco algo desequilibrado mas denunciador dos elementos que antecipavam as ideias para o disco seguinte e que se pode considerar uma herança do “The Lamb...” com os Genesis. Robert Fripp tinha, com este disco de Peter Gabriel, o de Daryl Hall que nunca saíu e o seu “Exposure” de 1979 (que inclui versões de dois temas de discos de Peter Gabriel e o “North Star” cantada por Hall) a intenção (entretanto gorada) de criar esta trilogia de discos a sair em 1978. O grande salto iria ocorrer com o terceiro registo, uma obra prima que, de forma algo injusta, raramente é considerada como tal. Gabriel consegue criar uma atmosfera e um estilo musical único, carregado de negrume onde os sons dos instrumentos são depurados ao essencial, e juntos constroem as peças musicais suportados pelas percursões. Neste disco começa igualmente uma abordagem a temas como o medo, e exclusão e a consciência política mais activa. Da abertura de “Intruder” com a utilização da técnica gated drum que lhe confere uma força incomum, ao clássico hino anti-apartheid “Biko” cuja guitarra inicial emula um grito lancinante de angústia, passando pelo hit “Games Without Frontiers”, o disco nunca é menos que muito bom. O passo seguinte foi a continuação destas ideias mas em que a experimentação e a exploração dos ritmos africanos vão tomando forma, num álbum cuja produção sonora é irrepreensível e o primeiro, senão dos primeiros, misturado digitalmente.


A admiração de Peter Gabriel pelo cinema e demais formas de arte audio-visual já vem do tempo dos Genesis com as performances de “The Lamb...” e quando o realizador de “O Exorcista” o convida para uma colaboração mercê da leitura de um dos seus textos surrealistas e impenetráveis. Apesar dessa oportunidade nunca concretizada, o cinema acabou por ter um papel fulcral na sua carreira, encimada pela banda sonora de The Last Temptation of Christ (1989) de Martin Scorcese e de Rabbit-Proof Fence (2002) de Phillip Noyce. No entanto, o período após 1982 veria um Gabriel mais preocupado com uma vertente pop materializada no seu disco “So” de 1986 e produzido por Daniel Lanois. Disco explorador de uma síntese brilhante das ideias anteriores e de ritmos soul e r&b que deram lugar a “Sledgehammer”, o qual representa um marco na produção vídeo, merecedor de vários elogios e prémios. Continuava assim a demanda pela performance e mistura de diferentes formas artísticas. O disco alcançaria um sucesso sem precedentes e, ironicamente, destronaria do top o álbum da sua antiga banda. A componente exerimental ía sendo deixada para segundo plano, mas a faixa final, com pouco mais de 3 minutos, é reveladora da especial aptidão que demonstra para explorar atmosferas negras. De permeio ainda teve uma colaboração com Laurie Anderson na co-autoria de “Excellent Birds” no disco “Mr Heartbreak” de 1984. A dispersão por diferentes actividades, que incluem a fundação de uma editora dedicada à promoção de músicas do Mundo, deixam cada vez menos espaço para a criação musical. Os registos começam a ser muito espaçados, e “Us” de 1992 é uma espécie de condução em piloto automático e o continuar do filão de “So” mas com resultados muito mais modestos, se não tanto comerciais pelo menos artísticos. Tirando os projectos paralelos cinematográficos, teríamos de esperar dez anos pelo registo seguinte, “Up”, de 2002. Parece uma espécie de “sit back, relax, and think what you've done”. Referências à vida, mas em especial à morte e ao(s) medo(s), é a constatação que é nestes campos onde Peter Gabriel se mexe melhor, conseguindo uma ambiência e atmosferas que mostram que a vontade de fazer algo novo e consequente não morreu. Não sendo um disco de assimilação imediata, é uma síntese equilibrada de muitas ideias dos registos de “III” e “IV”, complementadas por ideias atentas à música da altura e um certo requinte orquestral resultado dos anos de experiência. É pois um disco de alguém que não precisa de demonstrar nada a ninguém, despojado do acessório embora não do adorno sóbrio. De salientar o tema de abertura, “Darkness”, cujos momentos sujos e agressivos denotam que ouve, ou ouviu, Nine Inch Nails, pelo que não é de estranhar que tenha sido Trent Reznor a remisturar alguns dos temas incluídos no lado b dos singles.

Em 2010, Peter Gabriel faz 60 anos, faz um disco de versões de músicos e bandas que cobrem o espectro temporal da sua vida artística, do passado à actualidade, e volta a trabalhar com Bob Ezrin, produtor do seu primeiro disco em 1977. Uma bela súmula condensada no ciclo da vida, com as críticas a inidiciar que, mais uma vez, Peter Gabriel consegue manter um estatuto de criação artística que, embora embaciado pelos anos, mantém um brilho que poucos conseguem manter ao longo de uma carreira com esta longevidade, sem discutirmos se é melhor ou pior, pois isso não compete ao próprio, mas aos que ainda o ouvem com gosto. E eu sou um deles.

Friday 12 February 2010

O Fio da Meada

As embrulhadas que recorrentemente afloram a público sobre as alegadas tentativas de controlo do Governo sobre a Comunicação Social têm vindo paulatinamente a desgastar a imagem do Primeiro Ministro. Se as suspeitas no caso Freeport configuravam muitas vezes uma tentativa forçada de colar José Sócrates a uma aprovação cujos contornos legais eram no mínimo suspeitos, mas que perigosamente faziam resvalar os ataques ao Governo para a história do pastor e do lobo, as recentes trapalhadas públicas e esfarrapadas explicações que não explicam coisa nenhuma, não parecem deixar muita margem de manobra. Um Governo sob esta carga de suspeita, mesmo que inocente na matéria, coisa que parece não estar, não tem condições para continuar em funções. Não será por acaso que no PSD se desencadeou uma vaga repentina de ataque à liderança. Mas como parece faltar verticalidade de carácter a esta classe política, talvez tenhamos de esperar sentados para que o óbvio aconteça. No entanto subsiste uma dúvida: alguém me explica como é que o José Eduardo Moniz, que se diz vítima desta estratégia, acaba na vice-presidência da Ongoing, a empresa que segundo os jornais de hoje faria parte da estratégia da PT, e por conseguinte do Governo, para controlo dos media?

Wednesday 10 February 2010

O Mundo Formatado

Já tem sido aqui abordada a encruzilhada em que a actual indústria discográfica se encontra. Fruto de um misto de ganância e vistas curtas, não é preciso ser muito perspicaz para se prever que daqui advêm consequências, mais ou menos graves, para as produções discográficas periféricas, da qual Portugal faz parte. Os downloads maciços e a perca de receitas com a venda de CDs, por muita vontade de fazer a cama aos gulosos das multinacionais que nós tenhamos, tem como resultado final o prejuízo efectivo dos que fazem da arte a sua forma de vida e ganha pão. O mundo globalizado põe toda a gente a gostar e a consumir a mesma coisa. Mesmo aquela música dita alternativa ou indie tem, à escala global, mais vendas e proveitos que o mais mediático músico lusitano. E é disso que se trata, de um factor de escala.

Vem isto a propósito de numa recente entrevista, Laurent Filipe afirmar que precisa de 20 mil euros para gravar um disco, valor com que nenhuma editora se atreve a avançar. Se a estupefacção for tão grande como a minha, eu repito: são mesmo 20 mil euros. Isto é o que custa um carro de gama média que muita gente da classe média compra. Claro que ser um músico de jazz, por muitas qualidades que tenha, e Laurent Filipe tem-nas de sobra, não é bem a mesma coisa que um gajo pegar numas guitarras em que arranha uns acordes, dá-lhe umas batidas e coloca três ou quatro notitas num órgão Casio, mistura tudo no computador, faz um sucesso bestial e transforma-se num geniozinho (substantivo recentemente em voga para entronizar qualquer coisa com piada com uma atitude DIY) que conseguiu furar a ganância das multinacionais. Não, aqui falamos de gente que toca música um pouco mais elaborada, acto que a maioria dos ditos geniozinhos seriam incapazes de alguma vez fazerem. E com isto não quero fazer juízos de valor sobre a qualidade intrínseca de cada coisa, pois cada um terá o seu espaço e os seus públicos. O espaço e os públicos onde Laurent Filipe se move tem músicos profissionais que, como toda a gente, precisam de um ganha pão, e por isso 20 mil euros até parece ridiculamente obsceno para produzir um disco que conte com a participação de uma orquestra e alguns convidados, tal como Laurent Filipe confirmou. E isto é de uma pessoa que no dia 8 de Junho de 2009 comemorou, com um concerto no CCB, os seus 30 anos de carreira.



Laurent FilipeA Luz, A Luz (2004)
Laurent Filipe (trompete), com Mário Delgado (guitarra), Rodrigo Gonçalves (piano), Nelson Cascais (contrabaixo) e Alexandre Frazão (bateria)

Monday 8 February 2010

República de Bananas

Em tempos muito idos, foi este grande feito que aqui a equipa atribuíu ao Sr. Jardim. Quando nos chovem notícias do mau momento económico que o país atravessa, com o governo a desfazer-se em explicações para controlar o descalabro da imagem portuguesa a nível internacional, políticas de congelamento salarial e tentativa de contenção da despesa pública, a oposição (nem sei bem porquê, mas talvez porque sim) aprova uma lei que permite um acréscimo de 52 milhões de euros nos gastos para a região autónoma da Madeira. O Sr. Silva ainda terá oportunidade de vetar a dita, embora não pareça que isso venha a acontecer. Entretanto, o Sr. Sócrates e o Sr. Santos, já vieram dizer que tudo farão para contrariar a aplicação da lei, uma espécie de refúgio para compensar a ameaça de demissão política. Entretanto crê-se que o Sr. Louçã, o Sr. Sousa, o Sr. Portas e a Srª D. Manuela terão lugar cativo nas festas madeirenses do próximo fim de semana, como forma de abrilhantar devidamente este momento de elevação e responsabilidade política perante o eleitorado e as pessoas que acham que o que aqui está em causa não é o valor da despesa, mas sim o princípio. Para mais estando tudo isto enquadrado num historial de despesismo ostensivo e criador de clientelismo político que subsiste há vários anos no arquipélago em questão. Aliás, só em pleno ambiente carnavalesco se consegue assistir à bancada direita do parlamento aplaudir a bancada esquerda, e não terão sido os seguidores do governo os únicos a ficar boquiabertos. Pior que caricata, a situação é profundamente triste pois nem um dos intervenientes sai merecedor sequer do respeito dos eleitores, uns pela asneira que proporcionaram e os outros por não demonstrarem dignidade suficiente para transformarem em facto o que não passou de uma ameaça. E o que eu me riria a bandeiras despregadas se o Sr. Sócrates viesse a ganhar uma maioria absoluta. Por muito que me custe essa eventualidade, teria sido o merecido castigo para esta corja de imbecis que não consegue elevar a política acima de questiúnculas saloias. Da minha parte, era desta que o Dr. Garcia Pereira levava um voto meu.

Wednesday 3 February 2010

O Fim da Estrada


O livro “The Road” de Cormac McCarthy, foi não só amplamente elogiado como acabou vencedor de um Pulitzer, pelo que deu naturalmente lugar a uma versão cinematográfica, estreada entre nós há umas semanas. Não sendo conhecedor da obra de McCarthy, senão pela mão dos irmãos Coen através do filme onde a força presencial daquela personagem inacreditável interpretada pelo Javier Bardem é esmagadora, a curiosidade para ver o filme foi ainda alimentada pela sugestão do camarada M.A. cujo conselho foi bastante oportuno.

Falar deste filme não é fácil. Tendo sido visionado há mais de uma semana, os seus ecos ainda reverberam no meu cérebro. Não direi que estamos perante um filme perfeito ou de uma obra-prima, mas estamos seguramente perante um dos filmes mais perturbantes que me foi dado a conhecer nos últimos anos. Para começar, vamos depurar alguns detalhes que, embora façam pouco sentido, são na realidade irrelevantes para o essencial da história mas que convirá esclarecer. O cenário pós apocalíptico que se vive no período em que decorre a acção não permitiria a sobrevivência da espécie humana, ou de qualquer espécie superior, em detrimento das restantes espécies de quem as primeiras dependem e que basicamente foram extintas por um processo ou mecanismo que nos é completamente desconhecido. Aparte esta imprecisão científica que, conforme se afirmou, se revela irrelevante, o autor apenas pretende tornar ainda mais dramática e desesperante a situação em que a espécie humana se vê confrontada, como uma espécie de gedanken experiment, facto que desde logo desclassifica o filme (ou o livro) como ficção científica. E esta é a pedra de toque de tudo o que está por detrás da história. Tal situação limite leva a espécie humana a cometer actos de perfeita barbárie, do qual o canibalismo não será seguramente o único, sob condições que não são passíveis de imaginarmos, nem sequer perante as maiores catástrofes que a humanidade já tenha passado em qualquer período da sua história. Neste contexto somos levados a seguir um pai e um filho na luta diária pela sobrevivência, mas mais importante, na sua luta pela manutenção e preservação da réstia de humanidade que sobra num mundo hostil e sem esperança. É essa esperança que os faz lutar e viver, como a crença num El Dorado que não seja apenas uma simples miragem das memórias de um passado ao qual não é possível regressar. A realização é contida e a ambiência do cenário é transmitida pelos tons cinzentos predominentes, de um céu permanentemente encoberto de cinzas e chuvoso, de locais urbanos em ruinas deixados a um abandono desolador, de um mar (azul, não era?) envolvido por uma bruma persistente que não quer desaparecer. Algumas cenas são chocantes, sem contudo entrarem pelo voyeurismo barato e pornográfico em que muitos filmes tentadoramente caem. Depois há o trabalho de actores, pois é sobre eles que recaem as despesas da história, e bem, pois é algo que um certo cinema mainstream tem vindo a passar progressivamente para segundo (ou mesmo enésimo) plano. A transfiguração que John Hillcoat impôs aos que nos aparecem no ecrã é extraordinária a ponto de tornar quase impossível reconhecermos algumas das faces do cinema (Robert Duvall é um exemplo). Viggo Mortensen mostra-nos mais uma vez a sua capacidade em compôr personagens de valor singular, ao nível do melhor que nos habituou nas duas experiências que partilhou com Cronenberg (A History of Violence e Eastern Promisses). Os flashbacks tornam-se, em certa medida, supérfulos e irrelevantes, mas não ao extremo a que alguma crítica os colocou. Em última análise, foram uma opção do realizador, mas também poderiam não ter sido. Finalmente, falta mencionar o desconforto com que o final deixa o espectador, pois a sensação ambígua em perceber se a história continua ou não bem, estranhamente persiste. O retrato não podia ser mais desencantado e deprimente e qualquer mensagem de esperança vê-se, no máximo, pela greta de uma porta que não sabemos quando será fechada. Daqui sobra agora a vontade de ler o livro, pois se os elogios já eram superlativos e faziam temer a incapacidade de uma trasnposição cinematográfica decente, este resultado só antevê que o melhor ainda estará para vir.


(4/5)

Monday 1 February 2010

Captar o Momento

Não é todos os dias que um jovem português ganha um concurso de fotografia a nível internacional do National Geographic. Hugo Bettencourt Machado, depois de vencer no tópico lugares a nível nacional com a fotografia reproduzida abaixo, viu essa mesma fotografia premiada pelo júri do National Geographic no seu quarto concurso de fotografia a nível global. O Hugo é geólogo, recentemente doutorado pelo Imperial College de Londres, e é uma das razões, a par de alguns dos seus colegas que já se vão espalhando pelos 4 cantos do Mundo, que me fazem sentir orgulho em ser Professor.

Entrevista Rádio Renascença

Site da National Geographic Portugal

Site da National Geographic Internacional


Vulcão Licancabur, na fronteira entre o Chile e a Bolívia; Foto de Hugo Bettencourt Machado

Tuesday 26 January 2010

You Like This

Preparem-se porque esta vai ser uma das frases do ano e da década, senão mesmo do século. É a face da internet bem comportada. Estamos limitados apenas a dizer que gostamos do que alguém escreve ou nos mostra, ou então permanecemos mudos, seja no Facebook ou no Google Reader. Hoje li um obituário e carreguei no Like. Agora cada um faça as suas interpretações.

Friday 22 January 2010

O Pai do Outro Gaulês


O início deste ano tem sido fértil em notícias funestas. Desta vez calhou a mais um nome da BD franco-belga, de seu nome Jacques Martin. Criador do gaulês Alix, personagem que deambulava pelo Império Romano, mas que ao contrário dos intrépidos gauleses da zona da Normandia, não distribuía bordoada pelos legionários nem tinha poção mágica. Tinha sim, por companhia, o jovem egípcio Enak nas suas aventuras. As aventuras de Alix iniciaram-se em 1965, com o álbum “Alix, o Intrépido”, e foram objecto de publicação na revista Tintin. Outra sua criação era o jornalista Guy Lefranc, esse já habitante do século XX. Jacques Martin, que foi um herdeiro da dita linha clara de Hergé e de Edgar Pierre Jacobs (criador da dupla Blake e Mortimer), deixou uma mão cheia de obras que, para além do carácter lúdico, tinham o condão de nos irem ensinando uns quantos factos históricos.


Thursday 21 January 2010

...

Música alternativa é a que se ouve em bares de alterne.

Friday 8 January 2010

Uma Sociedade Mais Plural

Foi hoje que se aprovou na Assembleia da República o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Para saudar a decisão, fica um tema da guitarrista norte-americana Kaki King do álbum “...Until We Felt Red” de 2006.



Kaki KingGay Sons of Lesbian Mothers (...Until We Felt Red, 2006)

Thursday 7 January 2010

E Pur Si Muove


Era noite, e estávamos no dia 7 de Janeiro de 1610. Galileo Galilei registava a presença de 3 estrelas fixas, totalmente invisíveis a olho nú devido à sua pequena dimensão, próximas de Júpiter e alinhando-se com este segundo uma linha recta.

Faz hoje precisamente 400 anos que Galileo Galilei apontou o seu telescópio a Júpiter que o levou a descobrir as luas que em seu torno gravitam. Esta observação não foi inocente, pois a polémica do heliocentrismo versus geocentrismo havia sido novamente levantada por Nicolau Copernico, com este a defender a primeira hipótese para o Sistema Solar na sua obra, De Revolutionibus Orbium Coelestium, de 1543. No entanto, haveria de ser uma outra observação, ainda por Galileo, que foi determinante na sua confiança inabalável de que era a Terra a girar em torno do Sol e não o contrário. Foi a observação das fases de Venus, pois entravam em contradição com a hipótese geocêntrica defendida pela Igreja.

Há quem defenda que a ciência nasceu neste dia, há 400 anos, tal como na Conferência de hoje na Fundação Calouste Gulbenkian pelo Prof. João Caraça. Talvez não tenha nascido propriamente a ciência, mas mais uma certa forma de fazer ciência que cortou radicalmente com a praxis vigente até então: realizar observações e fazer experiências. Galileo foi o grande responsável pelo desenvolvimento do método científico. O que até aí constituia um acumular do saber livresco, muito metido à reflexão filosófica sobre a Natureza, herdeiro da cultura grega, acabaria por colapsar gradualmente face às sucessivas demonstrações sobre como a Natureza funciona realmente. Uma revolução que ateou rapidamente pela Europa Central e do Norte, mas que poupou algumas regiões periféricas, como em Portugal. Seria com a reforma educativa do Marquês de Pombal em 1759 que na Universidade Portuguesa se deixaria de ensinar a física Aristotélica em favor da física Newtoniana cuja obra maior, Principia, havia sido publicada já em 1687.

Monday 4 January 2010

Farewell, Farewell

É a dobrar, porque o ano ainda mal começou e já duas almas deixaram a nossa companhia.

Soube-se hoje nos meios de comunicação social que Lhasa de Sela, a cantora de origem mexicano-americana, tinha falecido com apenas 37 anos nos primeiros instantes deste novo ano, o qual havia acabado de dar as boas vindas aos habitantes de Montreal, no Canada. O cruzamento das culturas mexicana, cigana e anglo-saxónica deu-lhe os ingredientes para construir uma curta carreira, em anos e em discos, mas rica em diversidade e originalidade. Por ser tão única, e por isso tão pessoal, é daquelas expressões musicais que não são passíveis de serem emuladas e portanto é bem possível que não seja objecto de futuras recordações. Pois aqui, como forma de não ficar esquecida, deixo-vos com o tema “De Cara a la Pared” do seu primeiro disco homónimo, Lhasa, e que ouvi pela primeira vez não sei bem há quanto tempo, mas foi muito próximo da data da sua edição.




Lhasa de Sela - “De Cara a la Pared” (Lhasa, 1998)

O segundo personagem a deixar-nos foi Tibet, o desenhador franco-belga que nasceu em 1931 em Marselha, França, como Gilbert Gascard e veio a falecer ontem, na Côte d'Azur. A sua carreira inicia-se em Bruxelas para onde foi viver aos 16 anos trabalhando nos estúdios da Disney. No entanto, é conhecido pela criação das personagens Ric Hochet e Chick Bill, duas séries que fizeram as delícias dos amantes de BD na revista Tintin.

Sunday 3 January 2010

Three of a Perfect Pair

É verdade. Passaram-se 3 anos desde que tive a infeliz ideia, diria mesmo que a todos os títulos lamentável, de começar este blogue. Como o aniversário (quase que) coincide com o início do novo ano, faremos uma breve recapitulação sobre algumas das coisas boas do ano passado. São apenas as minhas impressões sobre o (pouco) que tive oportunidade de acompanhar, ver ou fazer, por isso, nada de exaustivo.

Cinema: “Gran Torino” de Clint Eastwood e “Inimigos Públicos” de Micheal Mann;
Teatro: “O Ano do Pensamento Mágico” de Joan Didion com Eunice Muñoz no TNDM;
Concerto: Wilco no Coliseu dos Recreios, Lisboa;
Leitura de “O Leopardo” de Giuseppe Tomasi di Lampedusa;
Música: Ainda não, por razões sobejamente conhecidas dos frequentadores deste tasco, mas poderei afirmar que Grizzly Bear, Bill Callahan e The Legendary Tiger Man estão, até agora, entre os eleitos.

O que foi para esquecer:
A minha persistência em continuar por aqui, que já se assemelha perigosamente à atitude do Pedro Santana Lopes na política.

Quanto ao título, é apenas uma referência aos King Crimson, sobre quem espero em breve vir a escrever algo na continuação de uma rubrica que não está esquecida.


Um Bom 2010!