Tuesday 30 March 2010

Resenha Cinéfila

Tempo de pôr a escrita em dia, ainda que saiba a comida requentada, sobre os filmes que vi no último mês e meio e que me merecem o tempo dispendido para vir escrever algo sobre eles. Entenda-se isto como um simples diário de bordo sobre alguns dias dedicados a esta nobre arte: o cinema.

Nas Nuvens/Up in the Air (Jason Reitman)

Comédia simpática e agradável de seguir, do realizador Jason Reitman (o mesmo de “Juno”), apresenta-nos uma história cujo argumento encerra em si uma boa ideia que de forma alguma é desbaratada no desenrolar da acção. Abordando um tema que não podia ser mais oportuno nos tempos incertos que se vivem, Nas Nuvens mostra-nos um conjunto de personagens que, na realidade, se sentem tão perdidos na sua vida sentimental quanto os muitos anónimos a quem têm a ingrata tarefa de anunciar que a empresa onde trabalham prescindiu dos seus préstimos. E se é verdade que Natalie (Anna Kendrick) aparece a perturbar o equilíbrio desse mundo estéril de relações e afectos a que Ryan (George Clooney) tão comodamente se habituou, não deixa de ser irónico que seja a emocionalmente frágil Natalie quem dá à sua vida a necessária mudança de rumo escapando ao inevitável buraco negro do meio onde se encontra, usando para isso os mesmos veículos de comunicação que justificaram a sua contratação. De salientar a boa prestação de Vera Farmiga no papel de Alex.

3,5/5

Um Homem Singular/A Single Man (Tom Ford)

Um Homem Singular representa o melhor filme que me foi dado a ver nos últimos tempos. Filme que passa o dia 30 de Novembro de 1962 com George Falconer (Colin Firth), um professor de literatura, que decide ser esse o último dia da sua vida, fazendo o luto pela perca do seu companheiro de há 15 anos, Jim (Matthew Goode), algo que lhe foi negado por uma sociedade ainda fechada e recriminatória de certos comportamentos sociais. As notícias recorrentes em pano de fundo sobre a crise dos mísseis de Cuba, um dos momentos mais problemáticos de toda a Guerra Fria, é igualmente premonitório de um futuro que, aos olhos do protagonista, é mais que incerto naquele presente. É nesta perspectiva que tudo se conjuga neste filme, pois as mudanças cromáticas acompanham o estado de espírito de George, assim como a música carrega consigo um constante sentimento de profunda tristeza. Adicionem-se os cuidados nos adreços e guarda roupa, que auxiliam a composição do filme como uma sequência de postais ilustrados de época com cores envelhecidas pelo tempo, e temos um obra que funciona como um todo orgânico e coerente, de tal forma manipulada que não sobrevive sem nenhuma das partes e com o cuidado de nenhuma componente se sobrepôr às restantes, deixando espaço para as personagens respirarem. Julianne Moore é soberba e protagoniza um dos raros momentos de “euforia” no filme ao som de Green Onions de Brooker T. & The MG's. Uma vez chegado o fim do dia, as peças vão-se encaixando como que a tentar dizer-nos que, por mais que queiramos, não podemos escapar ao destino e que o melhor é ficarmos em paz com a vida. E George consegue-o.

4,5/5

Shutter Island (Martin Scorcese)

Martin Scorcese é um realizador profundamente cinéfilo. É verdade que, uns mais outros menos, todos o serão, mas não há muitos que recorrentemente no seu mister façam disso uma permanente citação e homenagem aos clássicos e aos nomes que o procederam e fizeram a história do cinema. Como diria Newton, “Se eu vi mais longe foi porque me sentei no ombro de gigantes”. Shutter Island é um filme que deve muitas referências ao clássico filme negro americano, com uma genética profundamente Hitchcockiana, em que o espaço e o cenário funcionam como agentes do medo e do sobressalto com largas doses de psicanálise a repisarem os fantasmas do passado do protagonista. Ainda que competentemente filmado e elevado a um nível a que um grande realizador como Scorcese consegue fazer, o argumento não deixa de ser algo decepcionante pelo facto de a temática se encontrar demasiado revista nos últimos anos. Di Caprio não parece agarrar verdadeiramente a sua personagem, em contraste com as prestações de Mark Ruffalo e Ben Kingsley. Pese embora estes detalhes, a competência de Scorcese nunca permite estarmos perante um objecto vulgar de cinema, e por isso vale a pena ir vê-lo.

4/5

1 comment:

Shumway said...

Só ainda vi o Shutter Island e não posso deixar de concordar contigo.
Recomendado.

Abraço