Thursday 27 May 2010

Grizzly Bear @ Coliseu (26 de Maio de 2010)

Novo concerto na carteira, estímulo justificado para aqui retornar e estrebuchar um pouco este sítio a caminho de se tornar moribundo. Desta vez são os Grizzly Bear, que me fizeram voltar ao Coliseu pela segunda vez este ano (e ao blogue a primeira vez este mês). Mais uma vez também (e já lá vão 3 aqui escritas), confirma-se que o som no Coliseu, se não é sofrível, anda lá perto. Melhor no entanto que Wilco ou mesmo Sonic Youth. Desta vez corrigiram as frequências com um pouco mais de sucesso, as palavras eram audíveis, mas carregaram em demasia nos graves a ponto de não só serem ouvidos como sentidos, mas quando o sistema puxava a potência ao máximo, a cacofonia era tanta que dificilmente conseguíamos perceber que instrumentos estavam a tocar. A sala está claramente desadequada para níveis sonoros elevados e quem sofre são os nossos pobres ouvidos. Não tenho dúvidas que os jornalistas e demais profissionais cujas obrigações os remetem para assistir a estes concertos com frequência, têm profissões de desgaste rápido e concorrem para passar a reforma numa qualquer Sonotone a comprar aparelhos auditivos.


Foto:(C) Rita Carmo/Espanta Espíritos; BLITZ

Entrada morna da brasileira Cibelle, uma cantora/performer vinda do desconhecido (se exceptuarmos a sua colaboração recente com Paulo Furtado), que apesar disso deu um belíssimo e agradável espectáculo graças à sua capacidade vocal. Uma música que remete para raízes indie mais freak e obscuras (fosse a guitarra acústica e não teríamos problema em catalogá-la de freak-folk), cujo timbre de voz por vezes ressoava a umas Cocorosie. O facto de ser uma one-woman-show, coadjuvada por sons (explosões, pássaros, e sei lá que mais) e música gravada (o que mais me desconforta, pois o resultado pode aproximar-se a uma espécie de karaoke), deu-nos a clara impressão de um espectáculo de rua, apanhado rapidamente ali na esquina mais próxima, tomando o palco de uma sala de concertos. No entanto, as canções e melodias entrosavam lindamente, e as variações musicais da guitarra, apesar de minimalistas, enlaçavam-se com a voz de Cibelle (bem bonita, nunca é demais referir) de uma forma harmoniosa e bem conseguida. A terminar, presenteou-nos com uma canção dos tempos áureos da bonecada do Jim Henson: (It's Not Easy) “Being Green”, celebrizada por uma personagem com a mesma coloração e que tinha uns arames a suportar os braços, Kermit the Frog. O facto de a sua actuação ter sido presenciada por menos de metade de uma sala que se encontrava esgotada não é seguramente demonstrativo da qualidade de Cibelle, que merecia ter sido mais bem recebida.


Foto:(C) Rita Carmo/Espanta Espíritos; BLITZ

Por volta das dez é servido o prato principal. Os Grizzly Bear fazem a sua entrada e dão logo o mote do que iria ser o suporte do espectáculo, abrindo com o mesmo tema que abre Veckatimest (aqui no estaminé mantém-se como o melhor disco que saiu em 2009). Os temas do último álbum dos Grizzly Bear deixavam-me apreensivo sobre a forma como o seu poder melódico e textural se enquadrariam num espectáculo ao vivo. Contudo, ao fim de dois temas os receios desvanecem-se e com um público receptivo e ansioso por ver este conjunto de músicos de uma certa corrente indie subitamente catapultados para um espectro de audiência bem mais alargado que a sua música faria suspeitar, a comunicação e empatia torna-se imediata o que muito ajudou para que o espectáculo acabasse por ser, a todos os títulos, memorável. O desfilar das músicas de Veckatimest continuava, entrecortadas por algumas dos álbuns anteriores, até que atacam “Two Weeks” fazendo levantar toda a plateia para gingar a anca ao ritmo das teclas de Daniel Rossen. Os temas podiam variar do mais acústico “Deep Blue Sea” (da colectânea Dark Was the Night), até ao mais elaborado “Ready, Able” (uma das favoritas aqui da casa) que o grau de profissionalismo e execução musical não as deixavam perder o brilho e magia que emanam. Os 4 elementos em palco contribuem exemplarmente para dar uma coesão sonora e musical ao melhor nível do que os temas gravados em estúdio merecem, e enquanto Daniel Rossen dava voz à maior parte das canções, juntamente com a guitarra e raros momentos nas teclas, Edward Droste secundava-o nos coros ou tomava primazia em temas onde a voz ecoava mais fundo (fruto do tratamento no microfone), dando um cheirinho na guitarra ou nos efeitos do pequeno omnichord e Chris Taylor ficava com as despesas rítmicas no baixo, ou ainda na flauta, clarinete ou saxofone (tudo tratado) bem como nas vocalizações. A amálgama encaixava na secção rítmica tradicional assegurada por Christopher Bear, que não enjeitava uma colaboração vocal de vez em quando. As vocalizações e os respectivos arranjos dos Grizzly Bear, aqui soberbamente executadas, é outro dos seus pontos fortes enraizando assim a sua herança na pop de 60 (os Beach Boys vêm-nos logo à cabeça) com boas doses de psicadelismo e conjugação sónica inovadora (por vezes próximo do experimental), dando corpo a uma das mais interessantes propostas musicais que se revelaram no ano transacto catapultando-os como um dos valores seguros neste início de século. Depois de terminarem a prestação, que pecou por curta, ainda vieram ao palco para nos brindarem com uma versão acústica minimalista (guitarra acústica, precurssão e vozes) de “All We Ask”, não perdendo nada do seu fulgor e beleza, mostrando mais uma vez que por aqui habita o profissionalismo e uma dose substancial de entrega emocional à arte que praticam. Seguramente um concerto para ficar na memória e para repetir em condições ao nível do que os Grizzly Bear representam e vieram mostrar.

4,5/5