Thursday 20 March 2008

Viva a Primavera

Pois é! A Primavera é uma estação de renascimento e convite ao enamoramento. Para celebrar a efeméride, junto a capa de um delicioso livro de Michel Bridenne, que recebeu na devida altura a edição em Portugal pela extinta Meribérica/Liber. Cheio de um humor se(x/ns)ual à medida da ilustração da capa, protagonizado por animais com os quais sentimos uma cumplicidade imediata, é um dos melhores momentos de boa disposição que a BD produziu nos últimos anos. De salientar o prefácio de Soulas onde, a porpósito da pouca importância que os autores de BD têm, afirma: “Quanto melhor conhecemos as pessoas pseudo-importantes, tanto mais gostamos dos animais... de Bridenne, claro”.

Michel Bridenne – Fièvre de Printemps, Ed. Glénat, 1993

Boa Primavera!

Wednesday 19 March 2008

Ciclo de Vida


Arthur C. Clarke, o autor de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, para sempre imortalizado por Stanley Kubrick naquele que é, provavelmente, o mais revolucionário filme de ficção científica alguma vez feito e de “Rendez-Vous com Rama”. Arthur C. Clarke o autor daquela série televisiva fantástica, que misturava um bocado de ciência com muita especulação (embora em demasia, mas era o que lhe dava a magia), de seu nome “O Mundo Misterioso de Arthur C. Clarke”. Arthur C. Clarke, o homem, abandonou-nos ontem à noite aos 90 anos, mas o autor há-de ficar para sempre connosco.

E porque a vida é, no fundo, uma eterna celebração e nada melhor do que celebrar tudo o que nos tenha proporcionado uma existência mais preenchida, hoje o Hot Clube de Portugal faz 60 anos. Parabéns!

Monday 17 March 2008

Coisas do Arco da Velha (#3)

No regresso de uma rubrica antiga, vamos até aos anos 70. Na cena punk, de onde partem as primeiras raízes de Nina Hagen e da sua Band, há por vezes a ideia feita que para fazer música só é preciso ter algum (pouco) jeitinho e desencantar umas notas arranhadas de uns instrumentos musicais. Mas cuidado pois quando se quer fazer algo realmente sério e consequente nota-se que ter uma base musical educada e treinada por trás é não só essencial como ajuda (e muito). Deliciem-se, porque a interpretação (para já não falar da voz e de tudo o resto, incluindo o humor) é simplesmente divinal!


Naturträne - Nina Hagen Band (1978)

Sunday 16 March 2008

Recuperados em 2007

Continuando a análise muito pessoal de MMVII, abordamos aqui o assunto numa perspectiva de não correr atrás do que foi notícia, mas de salientar algumas das coisas que valeram a pena. Enquanto que para muitos vale o ditado “o primeiro milho é para os pardais”, aqui na tasca acredita-se que “o segundo rato é que leva o queijo”. Pois bem, o ano transacto assistiu à recuperação de algumas obras musicais dignas de registo, e é delas que aqui damos conta.

Começando talvez por uma jovem banda, registe-se a reedição do EP dos iLiKETRAiNS, “Progress Reform” que já havia saído no ano anterior, sob a chancela da Beggars Banquet com uma faixa bónus. São uma banda a seguir com interesse, e peguei neles devido à entusiasmante insistência da estimada amiga Extravaganza. Editaram o seu primeiro disco (de corpo inteiro) também em 2007, “Elegies to Lessons Learnt”, mas não me cativaram o suficiente quanto este pequeno EP.

Lullaby for a Liquid Pig” de Lisa Germano. Depois desse belíssimo disco que dá pelo nome de “In the Maybe World”, a edição do seu registo anterior é bastante oportuna, acompanhado com um segundo CD de gravações ao vivo, incluindo alguns temas do seu concerto no Santiago Alquimista, em finais de 2006.

Do Tempo do Vinil, é assim que se chama uma iniciativa com direito a blogue que se dedica a reeditar em formato CD (PCM) discos que, na sua maioria, nunca viram outra edição que não em vinilo (de uma vez por todas, a tradução correcta do inglês vinyl é “vinilo” e não “vinil” de acordo com as regras ortográficas, sendo o nome de um grupo funcional de compostos orgânicos, e deriva do latim “vinum”, que quer dizer “vinho”. Os LPs são constituídos por um polímero de vinilo específico, daí a designação). Foi assim com o primeiro dos GNR, “Independança”, mas também os Sheiks (“Missing You”), Jorge Palma (“Com uma Viagem na Palma da Mão”), e Tantra (“Mistérios e Maravilhas” já havia sido editado em CD numa outra ocasião). Para este ano encontram-se na forja o Quarteto 1111 (“Onde Quando Como Porquê Cantamos Pessoas Vivas”), Telectu (“Ctu Telectu”) e o Quinteto Académico. Da chancela da Companhia Nacional de Música, que em 2006 nos tinha devolvido o essencial “Hoje Há Conquilhas Amanhã Não Sabemos” da Banda do Casaco, veio o mais importante disco de rock português dos anos 70: “Mestre” dos Petrus Castrus (Como? O Rui Veloso? Nesta altura ainda não sonhava que viria a ser alguém!).

Jean Michel Jarre decidiu regravar o seu primeiro registo, Oxygène, para a celebração dos 30 anos de existência. Na realidade são 31, pois o disco viu-se editado em 1976 mas só em França. O que tem feito entrou numa vulgaridade enfadonha e não merece que se lhe preste grande atenção sendo, talvez por esta razão, um nome que diz pouco às gerações mais novas. No entanto, Oxygène foi (e continua a ser) um disco magistral, e possuidor de uma frescura que na altura era muito difícil de conseguir. Resiste completamente à erosão do tempo, enquanto que muita música electrónica dos anos 80 soa hoje tal como a estética dos filmes de ficção científica série B dos anos 50: não só datada, mas também irritantemente naïf.

Friday 14 March 2008

Ladies and Gentlemen We're About to be Launched into Space


Caríssimos frequentadores e visitantes ocasionais desta tasca:

Anuncia-se para breve, mais concretamente a 10 de Julho de 2008, no Passeio Marítimo de Algés (que se transformará certamente num autêntico Cape Canaveral) a actuação dos Spiritualized. Dias depois da edição do seu muito aguardado novo álbum, “Songs in A & E”, diria que não há muitas bandas no activo que me façam aguentar com multidões ruidosas e desconforto geral, para já não falar nas condições pouco ideais para audição de um concerto de uma banda que, segundo rezam algumas más-línguas (não sei o que rezarão a boas-línguas), constitui uma experiência única de vida.

Wednesday 12 March 2008

Prova de Discos: MMVII

Não sou especialista musical, nem sequer almejo a tal estatuto, e talvez por isso me veja um bocado embaraçado na panóplia de títulos e edições musicais que saem todos os anos, que nos levam a pensar que precisaríamos de mais vidas que 7 gatos juntos para apreciar tudo o que nos servem ao ouvido. Há um movimento por aí que pretende ir contra a corrente do lixo alimentar, designada “slow-food”. Pois bem, como no meio de tanta nota musical acabamos sempre por levar com algum lixo sonoro em cima, reclamo desde já a designação de “slow-music” a um movimento que se dedique a apreciar os discos com calma e reflexão. Se o estimado leitor vem aqui à procura de novidades ou últimos gritos da moda, chegou ao lugar errado, mas agradeço o tempo que dispensou a ler o texto até aqui. Durante estes últimos meses, várias foram as aquisições relativas a 2007 que me chegaram às mãos. A escolha é obviamente muito pessoal e altamente selectiva. Não tenho qualquer objectivo em mente, simplesmente partilhar convosco as minhas próprias preferências, gostem ou não delas. Como sempre afirmei: faço isto pelo prazer, e nada mais.

Nestas matérias também não distingo entre Portugueses e os Outros. A música, quando é boa, não tem estilos, géneros ou fronteiras. É apenas música e encanto para os ouvidos. E só mais uma coisa: há coisa de poucos dias a minha amiga Extravaganza ofereceu-me mais música do que eu normalmente compro em 2 anos. Ainda que um ou outro grupo pudesse aqui figurar nesta espécie de lista, abstenho-me por agora de os colocar cá, até porque devo levar o resto do ano a digerir tanta música. Estes foram aqueles em que eu arrisquei investir e ouvir.

1. “Espaço” - Mário Laginha Trio. Para começar, levamos logo com um português, e na esfera do jazz demonstrando que, quando se quer e se sabe, faz-se muito boa música por cá sem necessitar de inventar a roda, apenas procurando formas clássicas e bem estabelecidas. O título do disco parece sugerir isso mesmo: deixar-nos a vaguaer pelo espaço, sem que disso nos demos conta. Simplesmente reconfortante e belo. 4,5/5.

2. “Mirrored” - Battles. Uma lufada de ar fresco, é talvez a melhor definição para este quarteto que faz um rock dançável “à lá funk”, com estruturas rítmicas elaboradas com raízes claras na escola do jazz. “Math Rock”?, “Prog Rock”?, “Whatever Rock”?, não interessa. Tal como as fórmulas matemáticas, põe-nos os neurónios a mexer. 4,5/5

3. “Comicopera” - Robert Wyatt. É para ser lido como “Comic Opera”. Ao terceiro disco (da lista), e a influência jazz ainda não se desvaneceu. Robert Wyatt não perdeu a alma musical que alimentou os saudosos Soft Machine. Disco de uma elegância extraordinária, com melodias e arranjos precisos e harmoniosos, torna-se um prazer ouvir num fim de tarde com o sol a incendiar o horizonte em tons de laranja. A versão do “Hasta Siempre Comandante” de Carlos Puebla é que seria dispensável, pois quem conhece o original, como eu, não se habitua a esta. 4/5

4. “The Flying Club Cup” - Beirut. Achei o primeiro disco apenas interessante e nada mais, mas este deixou-me rendido. As melodias chegam a ser brilhantes mas o que verdadeiramente dá o grande salto em frente são, sem dúvida, os arranjos. A mão, ou melhor, as cordas de Owen Pallet não terão sido de somenos importância. Zach Condon mostrou uma maturidade crescente e um sentido claro de direcção a seguir, tudo bons indícios para que o próximo possa vir ainda melhor. É assim que todos os músicos e bandas deveriam crescer. 4/5

5. “Sky Blue Sky” - Wilco. Parece um tesouro desenterrado dos anos 70. As melodias cativantes e aquelas guitarras e solos que parecem ter caído em desuso na música actual, fazem deste disco uma agradável viagem ao passado com óculos do século XXI.4/5


6. “In Rainbows” - Radiohead. Quando em tempos se colocou a fasquia muito alta, tudo o que se lhe segue é sempre menor. Parafraseando Paul Simon (com adaptações), “one band's ceilling is another band's floor”, e o chão dos Radiohead está ao nível do tecto da maioria das bandas. Intimista e melancólico, transporta-nos agradavelmente para um universo algo psicadélico: arco-íris, pois! 4/5

7. “All Hour Cymbals” - Yeasayer. Um nome a dar para o esquisito e uma capa de um gosto mais que duvidoso não são bom pronúncio. Mas esta banda de Nova Iorque, que parece ter caído no goto de David Byrne, a que não serão estranhas as referências tipo world-music, consegue um cocktail musical bastante agradável e quase nos leva a pensar que houve um bando de terroristas da Al-Qaeda a assaltar a sala de produção durante as gravações. 4/5

8. “Mudar de Bina” - Norberto Lobo. Técnica, sentido rítmico e melódico como raramente se observa no universo da guitarra clássica, misturando referências Country/Blues com o tradicional e o clássico, fazem deste um dos mais interessantes discos de produção nacional a descobrir. Da Borland, claro (passe a publicidade, mas estes tipos merecem). 3,5/5

9. “Kismet” - Jesca Hoop. Vem com a bênção do Tom Waits, mostrando uma variedade de estilos, nem todos equilibrados, mas possuindo uma versatilidade notável. Tem por aqui vários caminhos por onde seguir sem se estampar na próxima paragem. Pessoalmente perfiro as músicas despidas e ritmadas como “Seed of Wonder” ou “Havoc in Heaven”, com tons folk de herança europeia. 3,5/5

10. “Year Zero” - NIИ . Os fãs crucificaram-no, mas como não sou desses, devo estar descontaminado de preconceitos. É daqueles discos que não se ouve aos bocados, mas por inteiro. É essa espécie de coerência narrativa musical que o torna, do meu ponto de vista, extraordinariamente interessante. Além disso, Trent Reznor ainda mostra uma habilidade única para construir melodias. Alguns excessos de efeitos especiais seriam bem dispensáveis, e assinale-se a “estranha” semelhança da parte final deste disco com a do saudoso “The Downward Spiral” (desejos de apanhar uma inocência perdida?). Não chega lá mas consegue ser, ainda assim, belo. Como termo de comparação, está muitíssimos furos acima do anterior (“With Teeth”), que não conhecia mas procurei entretanto ouvir. 3,5/5

11. “Shangri-la” - Wraygunn. Paulo Furtado fez um belíssimo disco de puro rock, com referências óbvias à América, demonstrando que é uma imbecilidade o rock não estar na categoria de “world music” como deveria. Provavelmente o único estilo de música com direito a esse epíteto. Um exemplo de discriminação inaceitável.3,5/5

12. “1970” - JP Simões. Não é propriamente um exemplo de inovação, mas mais uma bela e sentida homenagem a Chico Buarque. Seria apenas vulgar, não fosse o facto de JP Simões conseguir um lote de boas canções com arranjos a condizer, excelentemente acompanhadas pelas suas letras de recorte distinto. E tem uma versão de “Inquietação” de José Mário Branco. 3/5

13. “Person Pitch” - Panda Bear. Beach Boys meet the Lisbon soundscape. Ao fim de um tempo satura, embora em regra sejam interessantes as misturas e colagens de sons, alguns dos quais reconhecemos como sendo estranhamente familiares. É a chatice de sempre com este tipo de discos... fica-se com a sensação que o enamoramento vai durar pouco. 3/5

14. “23” - Blonde Redhead. Este disco tem sido para mim o mais puro exemplo de malmequer-bemmequer. Tal como as ondas do mar, as afinidades com o disco ora vão, ora vêm. Continuo indeciso... tem momentos bastante bons, mas receio que caia no esquecimento rapidamente. 3/5

15. “The Good The Bad and The Queen” - Idem. A cada novo ano que passa tenho que enfiar um barrete. O deste ano chama-se “The Good The Bad and The Queen”. Até simpatizei com o disco inicialmente, mas não consegue passar da mediania, apenas com “Herculean” a sobressair de tudo o resto. A culpa é do Damon Albarn e a sua brilhante criação de nome Gorillaz, que me levou inclusivamente há uns anos a olhar para os Blur quando, apesar de apenas os conhecer superficialmente, achava que eram uma banda banal. 2,5/5

Seguir-se-ão mais algumas sequelas que darão conta do meu muito pessoal balanço de MMVII.

Tuesday 11 March 2008

Crónicas da Mediocrilândia

Este fim de semana estive no evento AudioShow 2008 organizado pela revista Audio e Cinema em Casa, a convite de um amigo e fabricante nacional de amplificadores de potência a válvulas. Mas não irei falar do evento em si, tão somente de um pequeno episódio. Num país pequeno como o nosso, ao fim de um tempo numa dada tribo acabamos por conhecer meio-mundo nesta área, e precisamente numa dessas conversas de ocasião com um velho conhecido, acabei por falar também com um músico da Orquestra Gulbenkian. Entre os quatro que ali estávamos veio à baila o prestígio internacional que a orquestra granjeia, sendo frequentemente convidada para actuar nos mais prestigiados palcos da música erudita a nível mundial. Neste canto, de onde a mesma orquestra é originária, nem uma palavra. Um muro de silêncio tão diligentemente erguido que ensurdece por completo a nossa capacidade de discernimento entre o acessório e o essencial para a cultura e as nossas vidas. Após um dos presentes ter elogiado o concerto que tinha assistido da Orquestra Gulbenkian na véspera, nota que nem uma linha é escrita sobre o evento em jornais de referência da nossa imprensa escrita. Muito disto se explica pela falta de tradição musical na sociedade portuguesa. Somos musicalmente incultos e parecemos muito satisfeitos com esse facto. Daqui se justifica, em parte, o porquê de tanta produção nacional ao nível da música popular ser de uma qualidade confrangedora. A pouca que escapa vem da esfera do jazz e não será por acaso, demonstrando que a educação musical séria serve, afinal, para alguma coisa. Também não deixo de estabelecer uma relação entre este estado de coisas e a reforma preparada no Ministério da Educação para o ensino da música. Mais uma vez demonstramos que estamos a ser, no mínimo, uns autênticos burgessos a lidar com esta situação, levando uma ministra que nem classe tem para ostentar tal posição, a proferir afirmações populistas sobre o carácter esbanjador e elitista que o ensino da música comporta actualmente. O problema é que, para o menos informado e atento, este argumento colhe apoios. E de uma vez por todas vamos assumir se queremos ou não investir em valores da educação e cultura, sabendo nós que ensinar música às massas é importante, mas para quem quiser estudar música a sério sem comprometer as restantes vias profissionalizantes do ensino (e há muitos que querem) o ensino tem de manter o seu carácter singular, de um professor para um aluno nas classes de instrumento, mantendo igualmente a integração entre o sistema de ensino público e as escolas de música (Conservatório, Gregoriano, etc.). O que se pretende fazer não é mais que destruir expectativas cerceando as hipóteses de desenvolvimento e aperfeiçoamento musical dos naturalmente mais dotados e apaixonados da música e no fundo passarmos a ser como o Zézinho bem português, obrigando o dotado a ser tão medíocre como todos os outros, pois só assim a mediocridade geral passa despercebida. E se alguém não compreende como é possível a classe dirigente deste país promover estas propostas, a resposta é muito simples: são tão medíocres como nós!

Thursday 6 March 2008

TOP of the POP'S

Há por aí uma coisa que se chama Convenção de Estocolmo cuja palavra de ordem é “RIDDING THE WORLD OF POPS”. Isso mesmo! Mas de que POP se trata? Não é da música mas é pena... mas serve na mesma. O termo POP aqui refere-se a Persistent Organic Pollutant, o que bem vistas as coisas também caracteriza muita pop que anda por aí. Não só polui como é persistente. E com isto até se pode arranjar todo um novo significado para o termo TOP como Transient Organic Pollution, atendendo ao facto de quem lá chega desejar permanecer muito tempo embora isso seja normalmente muito difícil devido aos efeitos tóxicos que provoca. Ainda assim, por vezes permanece em demasia. Mas neste panorama de exposição mediática há sempre lugar para mais uma listinha do tipo TOP. A última ouvi-a proferida há pouco tempo aos microfones da rádio Radar sobre as melhores vozes de sempre. É mais um daqueles TOPs a que já há quem recorrentemente lhes chame “Shit List” ou “Lista de Merda” se quisermos perder as nossas tendências mais pedantes ancoradas em anglicismos e anglofilias. Esta tendência de listar tudo e mais alguma coisa, desde os 500 melhores álbuns do século, aos melhores cantores pernetas nascidos em noite de lua cheia, é quase doentia e ainda por cima apresentada de forma séria por respeitadas publicações da área musical. Pois bem, eu que até curto bastante os Joy Division, acho da mais elementar injustiça colocar o Ian Curtis na 3ª posicão do TOP Melhores Vozes de Sempre. Em face da definição de TOP, o rapaz deveria ser o primeiro classificado. O seu timbre de voz é bastante bonito, mas por vezes desafina de tal forma que eu, que até já aprendi música e cantei, tenho sérias dificuldades em reproduzir. É daquelas coisas que está na massa do sangue de um gajo. E se o objectivo é fazer uma lista de merda, ao menos façam-na com classe!

Tuesday 4 March 2008

Sérgio Godinho Bem Assessorado


O ano de 2008 parece musicalmente morno, no meu modesto e limitado ponto de vista, de quem normalmente apenas segue o que vai sendo dito por aí por gente mais bem informada. Tal como no ano transacto, o primeiro CD que adquiri foi de um português. O deste ano recaíu, há cerca de pouco mais de um mês, no “Nove e Meia no Maria Matos” do Sérgio Godinho e os Assessores, a banda que o acompanha ao vivo e em estúdio. Se os ministros tivessem assessores destes diriam seguramente menos asneiras na praça pública. Claro que também era preciso que, seguindo o exemplo do Sérgio Godinho, tivessem algo de útil para dizer. Normalmente, não é o caso por isso vamo-nos quedar pelas melodias e as palavras de Sérgio Godinho, um ídolo que reencontro ao fim de mais de dez anos de divórcio. Confesso! A culpa é inteiramente minha, e deve-se exclusivamente a não ter prestado a devida atenção ao que tem feito entretanto. Boa oportunidade por isso para rever alguma matéria dada neste seu registo ao vivo, em especial do seu último álbum, “Ligação Directa”, de onde provêm 6 das 18 composições do disco. E que disco, senhores! Os arranjos são de uma subtileza e originalidade quase desconcertante. As suas músicas, e várias há dos seus tempos áureos de cantor de intervenção, aparecem aqui vestidas com novas roupas que as tornam reconhecíveis, mas estranhamente joviais e modernas, como se o Sérgio encontrasse um prazer renovado em cantá-las. Esta capacidade de se reinventar sem perder o essencial da sua identidade é uma característica que Sérgio Godinho guarda de outras ocasiões. A primeira, que assisti ao vivo no Instituto Franco-Português, teve como resultado o álbum “Escritor de Canções”. Arranjos minimalistas, condizentes com a presença de 3 elementos em palco, incluindo o próprio Sérgio, Nani Teixeira no baixo e Manuel Faria dos Trovante, responsável também pela produção e misturas. Mais tarde vemos a edição de “Irmão do Meio”. Agora este, desta vez com o Nuno Rafael aos comandos dos arranjos musicais. Desculpem-me se omito outras obras similares, mas estas são as que conheço. E depois, há aquela música inebriante da série infantil dos “Amigos do Gaspar”, objecto raro e pouco recuperado, aqui executada de forma magistral e contagiante, dando uma enorme vontade de extravasar de alegria pelos ritmos e as palavras (sempre) simples do Sérgio. Um contador de histórias exímio e um artesão das palavras e das frases que fazem do Tiago Bettencourt um aprendiz de fraldas, o Sérgio tem sempre algo para nos dizer, qualidade que, bem vistas as coisas, há muito poucos que se possam vangloriar de ter.

Vale a pena ver o Mundo aqui do alto
Vale a pena dar o salto

É tão bom uma amizade assim
Faz tão bem saber com quem contar
Eu quero ir ver quem me quer assim
É bom para mim, é bom para quem tão bem me quer

Aí ao lado vai ficar a música "Liberdade", do álbum "À Queima Roupa", porque me parece demasiadamente adequada aos tempos que correm.

Monday 3 March 2008

Yin e Yang

A propósito da pequena peça de humor de um dos meus cartoonistas preferidos actuais que está aí mais abaixo, lembro que neste país não deveria haver lugar para tanto espanto, senão vejamos:

1. Durão Barroso, inflamado militante do MRPP que nos tempos do PREC fazia declarações nada simpáticas para a dita burguesia e o patronato, hoje não só passou pela presidência de um governo de direita, como é o digníssimo presidente da Comissão Europeia.

2. Arnaldo de Matos, o vanguardista da classe operária, mítico dirigente do já mencionado MRPP. Soube-se há uns anos que era um advogado de sucesso, representante de várias empresas sendo, ao que parece, frequentador assíduo do Clube dos Empresários. É daqueles exemplos em que a vanguarda disparou a tal velocidade que acabou por apanhar os que combatia. Entretanto, a classe operária continua a uma velocidade equivalente à de um Mini e já perdeu de vista os dirigentes vanguardistas. O seu livro de cabeceira deve ter sido o “Banqueiro Anarquista” do Fernando Pessoa.

3. Ainda hoje vi recordada uma frase do Marcelo Rebelo de Sousa, proferida em 1996, afirmando que nem que Cristo descesse à Terra seria candidato a líder do PSD. Se Cristo não desceu, o que desceu? Deus?

Cartoon de Bandeira, publicado no dia 1 de Março de 2008 no DN.

Sunday 2 March 2008

A Nossa Terra

Já aqui foram mencionadas as iniciativas de cariz científico e não só relativas ao Ano Polar Internacional e Ano Internacional do Planeta Terra. O primeiro havia sido lançado há precisamente 1 ano e 1 dia e vê agora os seus dias chegarem ao fim neste mês. O segundo, arrancou também no ano passado, mas só a 12 e 13 de Fevereiro de 2008, em Paris, foi lançado oficialmente sob os auspícios da UNESCO. Ambos os eventos são oportunidades únicas para uma consciência colectiva dos problemas que nos afectam no planeta onde habitamos e, para todos os efeitos a muito longo prazo, o único no Universo onde tal é possível. Ninguém, em seu perfeito juízo, deita abaixo a sua própria casa.

A revista Nature publicou em Janeiro de 2008, um suplemento dedicado ao Ano Internacional do Planeta Terra. Uma ocasião para olharmos para uma ciência que tem sido algo menosprezada na feira das vaidades social onde se olha demasiadas vezes para a indumentária e pouco para a substância. Aliás, em 2007 decorreram 200 anos desde que foi criada a mais antiga sociedade geológica. Decorria o ano de 1807, era uma sexta-feira, 13 de Novembro, e 13 personalidades colocaram a sua assinatura no documento que criou a Geological Society of London. Acto contínuo de desrespeito por crenças supersticiosas, da ciência que mais abalou em todo o século XVIII e XIX as estruturas da fé cristã. No artigo de Frank Press, precisamente sobre “Earth Science and Society”, há duas citações que o autor usa e que merecem ser aqui reproduzidas. Uma vem da pouco simpática Margaret Tatcher, numa ocasião na Royal Society em 1988 onde afirmou “the value of Faraday's work today must be higher than the capitalization of all the shares on the stock exchange”. A outra, do historiador americano Will Durant, que afirmou “Civilization exists by geological consent, subject to change without notice”.

Cabe-nos a nós, meros habitantes neste frágil Planeta Azul, reflectir sobre ambas.