Sunday 21 February 2010

Espaço


Por ser simplesmente bonito e porque imaginamos aqui a banda sonora de Kubrick de 2001 a dominar o bailado destas peças de tecnologia em órbita terrestre, no caso concreto, a Estação Espacial Internacional. Foto da NASA retirada do site do Público.

Thursday 18 February 2010

Vícios Privados, Revelações Públicas

Ninguém questiona o dever de segredo de confissão dos padres das diversas religiões cristãs. Ninguém se atreve a mexer no sigilo bancário. Ninguém questiona o dever de sigilo profissional dos advogados. Então, porque razão se atropela de forma impune e sistemática o segredo de justiça? O que me incomoda não é ficar na ignorância do que o primeiro ministro, um membro do conselho de administração da PT, um ministro, ou um gestor do BCP disseram entre si nas conversas telefónicas. O que verdadeiramente me incomoda é a inépcia da justiça em zelar pelos interesses do Estado e dos seus cidadãos perante actos de corrupção e atentados à liberdade individual, quer sejam arguidos ou não.

Tuesday 16 February 2010

Whatever Works! Not Always


Até parece que dei em cinéfilo, mas na realidade serei apenas um amante da 7ª arte com gosto pela coisa que agora arranjou um pouco mais de tempo para reavivar este prazer antigo. Pois bem, os mais atentos reconhecerão no título deste texto o título do último filme de Woody Allen. Falar de Woody Allen, é como falar das férias ou das noites de farra com os amigos. Aparte o exagero de reduzir Woody Allen a uma mera conversa de circunstância, ao olhar para a longa carreira deste realizador fica-me a sensação de alguém que nunca quis fazer do seu cinema mais do que um momento de boa disposição conjugado com (auto)terapia psiquiátrica. Também não quero dar a sensação que não gosto do Woody Allen, o que não podia estar mais longe da verdade. Allen tem a sensibilidade cinematográfica dos mestres que admira e a veia literária adequada aos temas que aborda. Em vários aspectos é um realizador singular. Enquanto que vemos a maioria dos realizadores como uma peça numa engrenagem gigantesca que ele se esforça a todo o custo não atrapalhar, Allen é uma espécie de homem dos 7 instrumentos, o performer de rua que apresenta, toca, canta, dança, lança os foguetes e apanha as canas, e segue descansado para casa dispensando a meia dúzia de amigos que o ajudaram naquele dia. É pois uma free-mind que faz o que lhe dá na real gana como forma de expiar as suas crises existenciais e amorosas, as suas dúvidas teológicas e morais, a sua hipocondria, lançando algumas farpas às realidades sociais que o rodeiam num dado contexto, sendo que este é frequentemente o meio artístico de Nova Iorque.

Nova Iorque, pois! Se há realizador que mostra amor por Nova Iorque, a resposta vem célere em forma de Woody Allen. Veja-se Manhattan e precebe-se porquê. Este último filme parece por isso um regresso do filho pródigo, ou o reatar de uma relação que acabou em divórcio. E nesse aspecto este Whatever Works (Tudo Pode Dar Certo) (a)parece (como) uma súmula de tudo o que Allen já nos deu. Colocar ali todos os fantasmas e problemas já passados e esperar que... whatever works. E se a fluência até nos mostra um filme que tem piada, não aborrece e nos deixa com a sensação de uma hora e meia bem passada, já por outro lado fica aquela sensação de déja vu, em que o efeito surpresa desvanece-se a cada cena que passa pois temos a certeza que Woody Allen, pese embora as citações cinematográficas (com especial ênfase em Apocalypse Now), se cita a si próprio com tal asseverança que praticamente se auto-plagia. E não é só a relação entre Boris (Larry David) e Melody (Evan Rachel Wood) que nos remete para a relação em Manhattan, é a recorrência sobre a sua crise existencial cimentada pelo acto de envelhecer e até o interpelar da audiência (lembremo-nos de Rosa Púrpura do Cairo). Aqui não há lugar ao brilhantismo do argumento de Match Point, nem tão pouco da comédia despretenciosa de Scoop. Poderemos dizer que Woody Allen não se deu mal em Londres e que se dá melhor em Nova Iorque. Mas não por este Whatever Works, mas pelo que fez no passado. E é por isso que é preciso mais que uma simples reconciliação para que essa relação volte a funcionar como algo fresco e que nos diga que vale a pena. Nota positiva para o facto de Larry David não tentar sequer emular os tiques nem a hiperactividade de Allen que dispara palavras ao ritmo alucinante de uma metralhadora, tal como Kenneth Branagh o fez em Celebridades, detalhe que nos dava vontade de lhe despejar o carregador de uma metralhadora em cima.

(3/5)

Saturday 13 February 2010

Turn Sixty


Foi há 3 anos que abri este estabelecimento, e à terceira postadela estava a dar os parabéns ao David Bowie pelos seus 60 anos de vida. Agora, estou a fazer a mesma coisa para o Peter Gabriel. E a oportunidade não poderia ser melhor dado que daqui por dois dias sai o seu novo disco, agora a reinterpretar músicas escritas por outros, desde Paul Simon e Neil Young aos Radiohead, Magnetic Fields e Bon Iver, num total de 12 temas. E também é verdade que Bowie e Gabriel têm uma ligação entre si, não só pelo facto de no próximo disco de Gabriel haver uma versão do “Heroes”, como foram ambos os expoentes máximos da teatralização das performances musicais nos anos 70. Bowie num registo, apesar de tudo, bem mais contido que o de Gabriel que levou os Genesis à capa da New Musical Express quando, numa performance do grupo e surpreendendo os próprios colegas que desconheciam o que se iria passar, entra em palco com um vestido vermelho e uma máscara de raposa enfiada na cabeça. O rapaz tímido e contido, com um ego ainda latente, acabaria por expôr todos os seus desejos e ideias nos concertos dos Genesis que levariam os restantes membros da banda a não acharem muita piada ao caminho que se estava a tomar, porque a música parecia ficar para segundo plano e os admiradores cada vez mais associavam a banda a uma extensão de Peter Gabriel, quando na realidade a mesma fora criada na base da comunhão e participação de todos na composição musical. A corda esticou e acabou por rebentar com o álbum “The Lamb Lies Down on Broadway”.

Decorridos mais de 2 anos e alguma clausura fora do barulho das luzes, Peter Gabriel começa a sua carreira a solo com a edição do seu primeiro álbum sem nome a que se seguiriam mais 3 na mesma linha, conhecidos simplesmente por I (1977), II (1978), III (1980) e IV (1982), ou por “Car”, “Scratch”, “Melt” e “Security”, aludindo à fotografia da capa dos discos ou, no caso do último, pelo nome como foi editado nos Estados Unidos. O tema “Solsbury Hill” do primeiro registo, recuperado como hit no álbum “Plays Live” de 1983, era a expiação dos fantasmas e dos acontecimentos que levaram à saída de Gabriel dos Genesis. Neste primeiro álbum, Peter Gabriel explora várias formas de expressão musical, incluindo uma das suas favoritas, o soul. É um disco ainda agarrado ao passado e a dar corpo à afirmação pessoal. No disco seguinte começam as sementes do experimentalismo e a colaboração com Robert Fripp (produtor do disco). Um disco algo desequilibrado mas denunciador dos elementos que antecipavam as ideias para o disco seguinte e que se pode considerar uma herança do “The Lamb...” com os Genesis. Robert Fripp tinha, com este disco de Peter Gabriel, o de Daryl Hall que nunca saíu e o seu “Exposure” de 1979 (que inclui versões de dois temas de discos de Peter Gabriel e o “North Star” cantada por Hall) a intenção (entretanto gorada) de criar esta trilogia de discos a sair em 1978. O grande salto iria ocorrer com o terceiro registo, uma obra prima que, de forma algo injusta, raramente é considerada como tal. Gabriel consegue criar uma atmosfera e um estilo musical único, carregado de negrume onde os sons dos instrumentos são depurados ao essencial, e juntos constroem as peças musicais suportados pelas percursões. Neste disco começa igualmente uma abordagem a temas como o medo, e exclusão e a consciência política mais activa. Da abertura de “Intruder” com a utilização da técnica gated drum que lhe confere uma força incomum, ao clássico hino anti-apartheid “Biko” cuja guitarra inicial emula um grito lancinante de angústia, passando pelo hit “Games Without Frontiers”, o disco nunca é menos que muito bom. O passo seguinte foi a continuação destas ideias mas em que a experimentação e a exploração dos ritmos africanos vão tomando forma, num álbum cuja produção sonora é irrepreensível e o primeiro, senão dos primeiros, misturado digitalmente.


A admiração de Peter Gabriel pelo cinema e demais formas de arte audio-visual já vem do tempo dos Genesis com as performances de “The Lamb...” e quando o realizador de “O Exorcista” o convida para uma colaboração mercê da leitura de um dos seus textos surrealistas e impenetráveis. Apesar dessa oportunidade nunca concretizada, o cinema acabou por ter um papel fulcral na sua carreira, encimada pela banda sonora de The Last Temptation of Christ (1989) de Martin Scorcese e de Rabbit-Proof Fence (2002) de Phillip Noyce. No entanto, o período após 1982 veria um Gabriel mais preocupado com uma vertente pop materializada no seu disco “So” de 1986 e produzido por Daniel Lanois. Disco explorador de uma síntese brilhante das ideias anteriores e de ritmos soul e r&b que deram lugar a “Sledgehammer”, o qual representa um marco na produção vídeo, merecedor de vários elogios e prémios. Continuava assim a demanda pela performance e mistura de diferentes formas artísticas. O disco alcançaria um sucesso sem precedentes e, ironicamente, destronaria do top o álbum da sua antiga banda. A componente exerimental ía sendo deixada para segundo plano, mas a faixa final, com pouco mais de 3 minutos, é reveladora da especial aptidão que demonstra para explorar atmosferas negras. De permeio ainda teve uma colaboração com Laurie Anderson na co-autoria de “Excellent Birds” no disco “Mr Heartbreak” de 1984. A dispersão por diferentes actividades, que incluem a fundação de uma editora dedicada à promoção de músicas do Mundo, deixam cada vez menos espaço para a criação musical. Os registos começam a ser muito espaçados, e “Us” de 1992 é uma espécie de condução em piloto automático e o continuar do filão de “So” mas com resultados muito mais modestos, se não tanto comerciais pelo menos artísticos. Tirando os projectos paralelos cinematográficos, teríamos de esperar dez anos pelo registo seguinte, “Up”, de 2002. Parece uma espécie de “sit back, relax, and think what you've done”. Referências à vida, mas em especial à morte e ao(s) medo(s), é a constatação que é nestes campos onde Peter Gabriel se mexe melhor, conseguindo uma ambiência e atmosferas que mostram que a vontade de fazer algo novo e consequente não morreu. Não sendo um disco de assimilação imediata, é uma síntese equilibrada de muitas ideias dos registos de “III” e “IV”, complementadas por ideias atentas à música da altura e um certo requinte orquestral resultado dos anos de experiência. É pois um disco de alguém que não precisa de demonstrar nada a ninguém, despojado do acessório embora não do adorno sóbrio. De salientar o tema de abertura, “Darkness”, cujos momentos sujos e agressivos denotam que ouve, ou ouviu, Nine Inch Nails, pelo que não é de estranhar que tenha sido Trent Reznor a remisturar alguns dos temas incluídos no lado b dos singles.

Em 2010, Peter Gabriel faz 60 anos, faz um disco de versões de músicos e bandas que cobrem o espectro temporal da sua vida artística, do passado à actualidade, e volta a trabalhar com Bob Ezrin, produtor do seu primeiro disco em 1977. Uma bela súmula condensada no ciclo da vida, com as críticas a inidiciar que, mais uma vez, Peter Gabriel consegue manter um estatuto de criação artística que, embora embaciado pelos anos, mantém um brilho que poucos conseguem manter ao longo de uma carreira com esta longevidade, sem discutirmos se é melhor ou pior, pois isso não compete ao próprio, mas aos que ainda o ouvem com gosto. E eu sou um deles.

Friday 12 February 2010

O Fio da Meada

As embrulhadas que recorrentemente afloram a público sobre as alegadas tentativas de controlo do Governo sobre a Comunicação Social têm vindo paulatinamente a desgastar a imagem do Primeiro Ministro. Se as suspeitas no caso Freeport configuravam muitas vezes uma tentativa forçada de colar José Sócrates a uma aprovação cujos contornos legais eram no mínimo suspeitos, mas que perigosamente faziam resvalar os ataques ao Governo para a história do pastor e do lobo, as recentes trapalhadas públicas e esfarrapadas explicações que não explicam coisa nenhuma, não parecem deixar muita margem de manobra. Um Governo sob esta carga de suspeita, mesmo que inocente na matéria, coisa que parece não estar, não tem condições para continuar em funções. Não será por acaso que no PSD se desencadeou uma vaga repentina de ataque à liderança. Mas como parece faltar verticalidade de carácter a esta classe política, talvez tenhamos de esperar sentados para que o óbvio aconteça. No entanto subsiste uma dúvida: alguém me explica como é que o José Eduardo Moniz, que se diz vítima desta estratégia, acaba na vice-presidência da Ongoing, a empresa que segundo os jornais de hoje faria parte da estratégia da PT, e por conseguinte do Governo, para controlo dos media?

Wednesday 10 February 2010

O Mundo Formatado

Já tem sido aqui abordada a encruzilhada em que a actual indústria discográfica se encontra. Fruto de um misto de ganância e vistas curtas, não é preciso ser muito perspicaz para se prever que daqui advêm consequências, mais ou menos graves, para as produções discográficas periféricas, da qual Portugal faz parte. Os downloads maciços e a perca de receitas com a venda de CDs, por muita vontade de fazer a cama aos gulosos das multinacionais que nós tenhamos, tem como resultado final o prejuízo efectivo dos que fazem da arte a sua forma de vida e ganha pão. O mundo globalizado põe toda a gente a gostar e a consumir a mesma coisa. Mesmo aquela música dita alternativa ou indie tem, à escala global, mais vendas e proveitos que o mais mediático músico lusitano. E é disso que se trata, de um factor de escala.

Vem isto a propósito de numa recente entrevista, Laurent Filipe afirmar que precisa de 20 mil euros para gravar um disco, valor com que nenhuma editora se atreve a avançar. Se a estupefacção for tão grande como a minha, eu repito: são mesmo 20 mil euros. Isto é o que custa um carro de gama média que muita gente da classe média compra. Claro que ser um músico de jazz, por muitas qualidades que tenha, e Laurent Filipe tem-nas de sobra, não é bem a mesma coisa que um gajo pegar numas guitarras em que arranha uns acordes, dá-lhe umas batidas e coloca três ou quatro notitas num órgão Casio, mistura tudo no computador, faz um sucesso bestial e transforma-se num geniozinho (substantivo recentemente em voga para entronizar qualquer coisa com piada com uma atitude DIY) que conseguiu furar a ganância das multinacionais. Não, aqui falamos de gente que toca música um pouco mais elaborada, acto que a maioria dos ditos geniozinhos seriam incapazes de alguma vez fazerem. E com isto não quero fazer juízos de valor sobre a qualidade intrínseca de cada coisa, pois cada um terá o seu espaço e os seus públicos. O espaço e os públicos onde Laurent Filipe se move tem músicos profissionais que, como toda a gente, precisam de um ganha pão, e por isso 20 mil euros até parece ridiculamente obsceno para produzir um disco que conte com a participação de uma orquestra e alguns convidados, tal como Laurent Filipe confirmou. E isto é de uma pessoa que no dia 8 de Junho de 2009 comemorou, com um concerto no CCB, os seus 30 anos de carreira.



Laurent FilipeA Luz, A Luz (2004)
Laurent Filipe (trompete), com Mário Delgado (guitarra), Rodrigo Gonçalves (piano), Nelson Cascais (contrabaixo) e Alexandre Frazão (bateria)

Monday 8 February 2010

República de Bananas

Em tempos muito idos, foi este grande feito que aqui a equipa atribuíu ao Sr. Jardim. Quando nos chovem notícias do mau momento económico que o país atravessa, com o governo a desfazer-se em explicações para controlar o descalabro da imagem portuguesa a nível internacional, políticas de congelamento salarial e tentativa de contenção da despesa pública, a oposição (nem sei bem porquê, mas talvez porque sim) aprova uma lei que permite um acréscimo de 52 milhões de euros nos gastos para a região autónoma da Madeira. O Sr. Silva ainda terá oportunidade de vetar a dita, embora não pareça que isso venha a acontecer. Entretanto, o Sr. Sócrates e o Sr. Santos, já vieram dizer que tudo farão para contrariar a aplicação da lei, uma espécie de refúgio para compensar a ameaça de demissão política. Entretanto crê-se que o Sr. Louçã, o Sr. Sousa, o Sr. Portas e a Srª D. Manuela terão lugar cativo nas festas madeirenses do próximo fim de semana, como forma de abrilhantar devidamente este momento de elevação e responsabilidade política perante o eleitorado e as pessoas que acham que o que aqui está em causa não é o valor da despesa, mas sim o princípio. Para mais estando tudo isto enquadrado num historial de despesismo ostensivo e criador de clientelismo político que subsiste há vários anos no arquipélago em questão. Aliás, só em pleno ambiente carnavalesco se consegue assistir à bancada direita do parlamento aplaudir a bancada esquerda, e não terão sido os seguidores do governo os únicos a ficar boquiabertos. Pior que caricata, a situação é profundamente triste pois nem um dos intervenientes sai merecedor sequer do respeito dos eleitores, uns pela asneira que proporcionaram e os outros por não demonstrarem dignidade suficiente para transformarem em facto o que não passou de uma ameaça. E o que eu me riria a bandeiras despregadas se o Sr. Sócrates viesse a ganhar uma maioria absoluta. Por muito que me custe essa eventualidade, teria sido o merecido castigo para esta corja de imbecis que não consegue elevar a política acima de questiúnculas saloias. Da minha parte, era desta que o Dr. Garcia Pereira levava um voto meu.

Wednesday 3 February 2010

O Fim da Estrada


O livro “The Road” de Cormac McCarthy, foi não só amplamente elogiado como acabou vencedor de um Pulitzer, pelo que deu naturalmente lugar a uma versão cinematográfica, estreada entre nós há umas semanas. Não sendo conhecedor da obra de McCarthy, senão pela mão dos irmãos Coen através do filme onde a força presencial daquela personagem inacreditável interpretada pelo Javier Bardem é esmagadora, a curiosidade para ver o filme foi ainda alimentada pela sugestão do camarada M.A. cujo conselho foi bastante oportuno.

Falar deste filme não é fácil. Tendo sido visionado há mais de uma semana, os seus ecos ainda reverberam no meu cérebro. Não direi que estamos perante um filme perfeito ou de uma obra-prima, mas estamos seguramente perante um dos filmes mais perturbantes que me foi dado a conhecer nos últimos anos. Para começar, vamos depurar alguns detalhes que, embora façam pouco sentido, são na realidade irrelevantes para o essencial da história mas que convirá esclarecer. O cenário pós apocalíptico que se vive no período em que decorre a acção não permitiria a sobrevivência da espécie humana, ou de qualquer espécie superior, em detrimento das restantes espécies de quem as primeiras dependem e que basicamente foram extintas por um processo ou mecanismo que nos é completamente desconhecido. Aparte esta imprecisão científica que, conforme se afirmou, se revela irrelevante, o autor apenas pretende tornar ainda mais dramática e desesperante a situação em que a espécie humana se vê confrontada, como uma espécie de gedanken experiment, facto que desde logo desclassifica o filme (ou o livro) como ficção científica. E esta é a pedra de toque de tudo o que está por detrás da história. Tal situação limite leva a espécie humana a cometer actos de perfeita barbárie, do qual o canibalismo não será seguramente o único, sob condições que não são passíveis de imaginarmos, nem sequer perante as maiores catástrofes que a humanidade já tenha passado em qualquer período da sua história. Neste contexto somos levados a seguir um pai e um filho na luta diária pela sobrevivência, mas mais importante, na sua luta pela manutenção e preservação da réstia de humanidade que sobra num mundo hostil e sem esperança. É essa esperança que os faz lutar e viver, como a crença num El Dorado que não seja apenas uma simples miragem das memórias de um passado ao qual não é possível regressar. A realização é contida e a ambiência do cenário é transmitida pelos tons cinzentos predominentes, de um céu permanentemente encoberto de cinzas e chuvoso, de locais urbanos em ruinas deixados a um abandono desolador, de um mar (azul, não era?) envolvido por uma bruma persistente que não quer desaparecer. Algumas cenas são chocantes, sem contudo entrarem pelo voyeurismo barato e pornográfico em que muitos filmes tentadoramente caem. Depois há o trabalho de actores, pois é sobre eles que recaem as despesas da história, e bem, pois é algo que um certo cinema mainstream tem vindo a passar progressivamente para segundo (ou mesmo enésimo) plano. A transfiguração que John Hillcoat impôs aos que nos aparecem no ecrã é extraordinária a ponto de tornar quase impossível reconhecermos algumas das faces do cinema (Robert Duvall é um exemplo). Viggo Mortensen mostra-nos mais uma vez a sua capacidade em compôr personagens de valor singular, ao nível do melhor que nos habituou nas duas experiências que partilhou com Cronenberg (A History of Violence e Eastern Promisses). Os flashbacks tornam-se, em certa medida, supérfulos e irrelevantes, mas não ao extremo a que alguma crítica os colocou. Em última análise, foram uma opção do realizador, mas também poderiam não ter sido. Finalmente, falta mencionar o desconforto com que o final deixa o espectador, pois a sensação ambígua em perceber se a história continua ou não bem, estranhamente persiste. O retrato não podia ser mais desencantado e deprimente e qualquer mensagem de esperança vê-se, no máximo, pela greta de uma porta que não sabemos quando será fechada. Daqui sobra agora a vontade de ler o livro, pois se os elogios já eram superlativos e faziam temer a incapacidade de uma trasnposição cinematográfica decente, este resultado só antevê que o melhor ainda estará para vir.


(4/5)

Monday 1 February 2010

Captar o Momento

Não é todos os dias que um jovem português ganha um concurso de fotografia a nível internacional do National Geographic. Hugo Bettencourt Machado, depois de vencer no tópico lugares a nível nacional com a fotografia reproduzida abaixo, viu essa mesma fotografia premiada pelo júri do National Geographic no seu quarto concurso de fotografia a nível global. O Hugo é geólogo, recentemente doutorado pelo Imperial College de Londres, e é uma das razões, a par de alguns dos seus colegas que já se vão espalhando pelos 4 cantos do Mundo, que me fazem sentir orgulho em ser Professor.

Entrevista Rádio Renascença

Site da National Geographic Portugal

Site da National Geographic Internacional


Vulcão Licancabur, na fronteira entre o Chile e a Bolívia; Foto de Hugo Bettencourt Machado