Wednesday 28 February 2007

A Minha Grafonola

Reconheço que retirei o título de um programa da Radar, mas acho que é adequado. Reflecte, somente, aquilo de que gostei no ano passado. Aqui fica então o conjunto de discos que apareceram em 2006 (compilações e reedições incluídas) e que me acompanham com a devida regularidade (sem qualquer ordem particular):

TV on the Radio – Return to Cookie Mountain
Tom Waits – Orphans
P J Harvey – The Peel Sessions
Pop Dell’Arte – PoPlastik
Cat Power – The Greatest
Balla – A Grande Mentira
Lisa Germano – In The Maybe World
Sol Seppy – The Bells of 1 2
The Knife – Silent Shout
Sonic Youth – Rather Ripped
Bob Dylan – Modern Times
Dead Combo – Quando a Alma não é Pequena Vol II
Final Fantasy – He Poos Clouds
Kelley Polar – Love Songs of the Hanging Gardens
Banda do Casaco – Hoje há Conquilhas Amanhã não Sabemos (1977, reed. 2006)

Incluindo outras andanças...

Esbjörn Svensson Trio (e.s.t.) – Tuesday Wonderland
Steve Reich – Phases
Claudio Monteverdi – Vespro della beata vergine; Paul McCreesh

Inconsequentes:

Yeah Yeah Yeahs – Show your bones
Clap Your Hands Say Yeah – idem, que não tenho pachorra para voltar a escrever um nome tão idiota...
She Wants Revenge – idem

Ouvi-os muitas vezes na rádio e não me dizem nada:

Muse, Bloc Party, Editors, Arctic Monkeys, Snow Patrol, e muitos, muitos outros que não me lembro o nome.

Pronto! Agora que também confessei aqui quais as coisas que não gosto particularmente já ganhei uma mão cheia de inimigos... Podem reclamar à vontade! Quanto aos primeiros, vou deixando com a regularidade que me for possível, um dos seus registos para deleite de quem vem à procura de uma boa sobremesa para acompanhar os pratos servidos, começando com os TV on the Radio, seguramente um dos grandes discos de 2006.

Sunday 25 February 2007

O Universo Extravagante


Dado que o assunto sobre a Energia e Matéria Negras no Universo suscitou interesse que baste, aqui deixo uma sugestão de leitura aos interessados neste assunto. O livro em causa chama-se “The Extravagant Universe” e foi escrito por Robert P. Kirshner, professor de Astrofísica na Universidade de Harvard, e líder de um dos dois projectos que analisaram as Supernova Tipo Ia mais distantes, ou seja, com elevados desvios para o vermelho (redshift). O outro grupo era liderado por Carl Pennypacker e Saul Perlmutter, do Lawrence Berkley Laboratory, na California. O livro não tem tradução em português (pelo menos ainda), mas conseguem-se boas edições paperback em língua inglesa a preços aceitáveis.

O livro de Robert Kirshner começa por dar um enquadramento do problema, percorrendo as raízes históricas das ideias que acabaram por formar o percurso desta aventura até à descoberta surpreendente, em 1998, que a expansão do Universo está a acelerar. Revisitamos não só Einstein e Hubble, mas um conjunto de outros astrofísicos cujos nomes não são conhecidos do grande público, um dos quais o truculento Fritz Zwicky, de origem suiça, cuja definição de “spherical bastard” se encontra nos anais da ciência: “a bastard any way you look at it”. Este astrofísico é responsável pela designação de “supernova” (na altura, anos 30, um novo tipo de estrelas explosivas, bastante mais catastróficas e violentas) e pela hipótese da “matéria negra”, descoberta nos aglomerados de galáxias. O livro é de leitura fácil e contém uma parte relativa aos processos observacionais dedicados ao estudo das estrelas supernova que conduziram à descoberta da expansão acelerada do Universo. O livro contém igualmente uma releitura dos modelos do Universo à luz das novas descobertas, nomeadamente a energia negra. Demonstra também a forma como os dados são sempre escrupulosamente escrutinados em ciência antes de serem publicados e apresentados à comunidade científica. Um cuidado que, por vezes, tende a ser esquecido neste cada vez mais competitivo e stressante mundo científico, onde o futuro da carreira profissional e as hipóteses de angariar novos projectos é função directa do número de publicações científicas produzidas, muitas sem interesse nenhum. Mais raro, embora tenham acontecido dois casos mediáticos nos últimos anos, é haver pura desonestidade e completa falsificação de resultados. Após a publicação dos resultados das Supernova Ia, a revista Science elegeu a expansão acelerada do Universo a descoberta científica do ano. Vale seguramente a pena tentar saber porquê.

The Extravagant Universe
Robert P. Kirshner
Princeton University Press, 2002

Friday 23 February 2007

Zeca


Canção de Embalar

Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu'inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer

José Afonso "Cantares de Andarilho", 1968

Wednesday 21 February 2007

Uma Questão de Testículos

O Dr. Alberto João Jardim é seguramente uma figura de estimação da equipa deste restaurante. Vem a propósito a sua afirmação sobre os portugueses não terem testículos para tomarem o resultado do referendo sobre o aborto como não vinculativo e, assim, pura e simplesmente ignorarem o resultado das urnas. Ao ouvir estas palavras de tão digna figura de estado, ainda questionei a minha integridade física. Mas admitindo que o Dr. Alberto João Jardim tem conhecimentos básicos sobre anatomia humana, depreendo das suas palavras que não aprecia por aí além as pessoas sem testículos. Dirão outros especialistas, que não eu, se estas afirmações indiciam as orientações sexuais do Dr. Alberto João Jardim.

O Dr Alberto João Jardim foi, contudo, mais longe e quis dar provas ao povo português que tem testículos. Pois bem! Decidiu fazer uma birra (algo que faz com alguma frequência) porque a nova Lei das Finanças Regionais lhe cortou a mesada. Entre (muitas) outras coisas, o Jornal da Madeira deixará de receber importantes financiamentos públicos essenciais ao garante da pluraridade democrática do referido jornal. Pior ainda, a Madeira arrisca-se a não ter sequer um clube de futebol na primeira liga. Uma catástrofe! Assim, assumindo um acto digno de um homem com testículos, anunciou que vai pedir a demissão de Presidente da Região Autónoma da Madeira, por falta de condições para trabalhar, sublinhando o seu carácter de pessoa não agarrada ao poder. Como homem com testículos que é, ainda afirmou que vai à luta e recandidata-se ao lugar, já que não está para o ceder a traumatizados socias, pouco inteligentes e submissos ao Governo Central, entre outros mimos lançados na comunicação social a previsíveis adversários (ou companheiros de partido, porque não se percebeu a quem se referia). Assim, apresenta-se a um eleitorado refém do clientelismo político e do populismo fácil, com a segurança de quem vai novamente ocupar o lugar que agora quer daixar vazio. É seguramente a mais pura manifestação do português com testículos. A liberdade de expressão na Madeira ficou igualmente patenteada na peça jornalística da SIC Notícias, no dia de Carnaval, em que o repórter perguntava a vários transeuntes a sua opinião sobre a posição do Dr. Alberto João Jardim, com uma parcela significativa dos inquiridos a esquivar-se à pergunta ou a dizer algo que fosse. Seguramente um momento alto da liberdade de expressão: liberdade para se manter calado. Pois bem, para quem não gosta de gente sem testículos, muitos madeirenses parecem mostrar a ausência dos ditos. A completar o ramalhete, o PSD vem a público defender a posição do Dr. Alberto João Jardim, numa digna manifestação de ausência de testículos por parte dos líderes do partido.

Caro Dr. Alberto João Jardim, já reparou na quantidade de gente sem testículos que parece haver à sua volta? Mas é a sua sorte! Porque se tivessem testículos, todos ficaríamos a saber, finalmente, que quem não tem testículos é o senhor!

Monday 12 February 2007

Votar ou não votar

Passado o dia do referendo, e com uma vitória clara dos votantes do Sim, prevaleceu o bom senso deixando assim para a consciência de cada um a decisão livre de abortar até às 10 semanas de gestação. Os sinais políticos dados para a rápida mudança da lei são promissores, apesar de algumas vozes virem a público lembrar o carácter não vinculativo do referendo, e por esse motivo, qualquer lei emanada do parlamento estar ainda sujeita a promulgação pelo Presidente da República. Mais uma vez creio que é evidente a vontade dos que votaram, porque quanto aos outros, confesso que não sei o que dizer senão que me entristece esta falta de consciência cívica, de sermos tão expeditos em dizer e falar mal, mas na hora da verdade preferirmos ficar calados, quais cães acossados com o rabo entre as pernas. Simplesmente não consigo perceber esta atitude, por mais que tente.

Talvez em futuros referendos (e constitucionalmente, parece que a questão sobre a regionalização virá novamente à luz do dia) se possam utilizar as modernas técnicas de marketing, em que os votantes telefonam para o número 6969 se querem votar SIM ou 6868 se querem votar NÃO (custo de 0,60€ + IVA) e o primeiro milhão de votantes automaticamente ficará habilitado a um sorteio de 10 automóveis, 100 telemóveis e 5000 bolas de praia para animar a malta. Adicionalmente ainda se promoverá um espectáculo de variedades e não aquela coisa chata, informativa, do apuramento dos votos, com cantores da moda bem regados com o “pop chula” nacional. E assim se cobrem também os custos da iniciativa eleitoral.

Friday 9 February 2007

Breve Trapalhada de Quase Tudo (III)

Ler a Parte II

O conteúdo melhora substancialmente quando se começa a aproximar das questões sobre a vida na Terra (praticamente a última metade do livro), a sua origem, evolução e episódios de extinção, terminando com a evolução do Homem e as vicissitudes das discussões académicas sobre o assunto. Ainda assim, aparece um excesso de simplificação em algumas explicações sobre as extinções em massa. Reconheça-se também que esta é sempre uma questão sensível em divulgação científica, já que o binómio simplicidade/rigor funciona como um cobertor demasiado curto para a cama onde nos deitamos, ou seja, se queremos tapar o pescoço o mais certo é os pés ficarem de fora, e vice-versa. No entanto, mesmo aqui deparei com mais uma asneira. Na página 320 diz-se “O trilobite tinha uma estrutura corporal composta por três partes, ou lobos – cabeça, cauda e tórax – daí a origem do nome.” o que está completamente errado, já que esses lobos existem e são de facto 3, mas dispõem-se longitudinalmente ao corpo do animal, sendo por isso absurdo que façam a divisão entre cabeça, tórax e cauda conforme se mostra em figura anexa.


Os restantes problemas devem-se à tradução e edição da obra. Incluem-se exemplos como o termo “peridotite” (a tradutora optou por deixar a palavra inalterável) o qual deve ser traduzido para “peridotito”. Aliás, a tradução dos termos de rochas e minerais é até bastante simples, uma regra comum (com várias excepções, note-se) corresponde à substituição da terminação –ite para –ito, talvez para não se confundir com alguma infecção. No entanto, numa das excepções aparece “piroxeno” em vez de “piroxena”. Outro aspecto que me deixou intrigado foi o termo “condutos”, que pensei serem a tradução do inglês “conduits” (e porque não “condutas”?), mas que a dado momento também significa “chaminés”, o que me deixa na dúvida onde se encontra o problema, se na tradução ou no original, já que as fontes hidrotermais submarinas formam “chaminés” (“hydrothermal chimneys”), referidas noutro contexto no livro. Há ainda a salientar a insistente referência a “trilobite” no masculino, quando na realidade, na literatura da especialidade, é referida no feminino (nem aqui o género feminino escapa ileso!). Também se deixa o termo “interglaciárias” assim em suspenso, sem se perceber se se refere a épocas, ou a períodos (neste caso “interglaciários”). É basicamente a mesma coisa, mas se a palavra é para sobreviver isolada no texto deveria ser “interglaciários”.


Para finalizar, na contracapa encontramos várias citações de apreço pela obra, e ainda a referência que este livro recebeu o Aventis Prize 2004, que é um prémio atribuído pela Fundação Aventis, e gerido pela Royal Soceity, para obras de divulgação científica. Quanto às citações:

Uma obra para aprendermos tudo o que os nossos professores não nos ensinaramAmerica’s Book Review – ainda bem que não nos ensinaram!

Um guia das descobertas científicas que dificilmente poderá ser melhorado” Antony Daniels – seja lá quem ele for... provavelmente necessitará de melhorar a sua cultura!

“...uma obra que reflecte a mais maravilhosa forma de educar, todas as escolas seriam um lugar melhor se este fosse o seu número um da bibliografia científicaThe Times Literary Supplement – Ainda bem que não é! E esta mania de pensar que se aprende a brincar e sem esforço tem de ser varrida das ideologias pedagógicas que por aí grassam.

Apetece terminar dizendo que o humor, efectivamente, sobrevive para além da obra original...

Boas Leituras!

Thursday 8 February 2007

Breve Trapalhada de Quase Tudo (II)

Ler a Parte I

Pelo livro é constante a confusão entre os termos “massa” e “peso” os quais, na realidade, representam duas coisas bem distintas. No entanto este é um erro comum, ou não estivéssemos nós habituados a dizer que o nosso peso é de 70 kg, exactamente na unidade de medida que utilizamos para definir a massa de um corpo. Pois bem, no dia-a-dia estas afirmações não nos causam confusão, nem dificuldades de comunicação entre diferentes interlocutores. Já em ciência, as palavras têm necessariamente de ter um significado preciso, ou o menos ambíguo possível, e por isso é que escrever sobre assuntos científicos não é fácil, e muito menos para alguém de fora da respectiva área científica. Então vamos começar por esclarecer que “massa” mede a quantidade de matéria de um corpo em quilogramas, a unidade do Sistema Internacional (S.I.) que o mundo da ciência adoptou universalmente (é uma das poucas vitórias francófonas num mundo anglo-saxónico); “peso” é uma “força”, no sentido em que Newton a definiu, ou seja, é o resultado da multiplicação da “massa” pela “aceleração”, neste caso a “aceleração da gravidade” no Pleneta Terra. Por isso é que o nosso “peso” é inferior na Lua uma vez que a aceleração da gravidade no nosso satélite é bastante inferior à da Terra. Desenganem-se os adeptos das dietas, pois na Lua a nossa “massa” continuaria a ser exactamente a mesma. O que as balanças fazem não é mais do que traduzirem a força exercida por um corpo sobre um conjunto de molas em unidades de massa. Isso é possível mercê da compressão exercida sobre as molas as encurtar de forma aproximadamente linear e constante. Espero que estejamos esclarecidos sobre este assunto. Outra confusão mais difícil de perceber, é a que Bill Bryson faz entre “peso” e “densidade” quando fala da estrutura da Terra, nomeadamente no que correctamente devería ser referido como a densiadade dos minerais, ou na Atmosfera relativamente à densidade das massas de ar. Mas a mais aberrante é a que o autor afirma no final do livro sobre a experiência de Cavendish para determinar o “peso”(?) da Terra, como se a Terra pudesse ser pesada, mas mesmo o leitor mais atento até poderia pensar (mal) que Bill Bryson se referia à massa. Ora, “densidade” é a quantidade de matéria, ou seja a “massa”, contida num dado volume, e creio que não merece mais justificações.

Apesar destes primeiros engulhos, a prosa, de uma forma geral, é solta e desempoeirada o que ajuda o leitor a seguir facilmente o autor no seu caminho, mas eis que aparece algo que me deixou completamente perplexo. Bill Bryson afirma que a palavra “átomo” provém do latim e significa “massa pequena”! É o que se chama escrever duas asneiras de uma só penada. Muitos de nós (esperemos que cada vez mais no futuro) aprendemos, em algum momento, que a palavra “átomo” provém do grego e significa “indivisível”, ou não tivesse sido Demócrito o primeiro a conjecturar sobre esse assunto.


Quando os assuntos entram na Geologia, a prosa vai-se frequentemente perdendo em confusões e imprecisões, mas que são dificeis de particularizar sem entrarmos em domínios mais técnicos. Esta dificuldade também não será incomum uma vez que a Geologia lida com mecanismos, na sua maioria, deduzidos por via indirecta e observação cuidada das rochas, que têm a dificuldade acrescida de, muitos deles, nunca os termos presenciado e de se espraiarem por escalas de tempo que não se coadunam com a escala de tempo da vida humana. Ao falar do Yellowstone (parque natural com inúmeras fontes (hidro)termais), fala-se de um supervulcão (tema objecto de um documentário ficcionado da BBC) que resvala com uma facilidade extrema para o uso de superlativos como superpluma, quando na realidade o termo correcto a usar seria “ponto quente” (hot spot). O que é diferente de dizer que associado ao ponto quente existe uma “pluma”, ou seja, magma que ascende de forma rápida ao longo de estreitas condutas através do manto (a controvérsia reside na sua existência ou não, e em caso afirmativo, saber exactamente de onde, se da descontinuidade dos 650 Km ou da fronteira manto-núcleo) e que acaba por se acumular na base da crosta porque esta é, ainda assim, menos densa que o magma, levando este a estender-se lateralmente ao longo de vários quilómetros. Na realidade o termo “superpluma” até é empregue, mas para referir acontecimentos vulcânicos passados com a extrusão de volumes de magma quase inimagináveis, um dos quais formaram as espessas camadas de basalto do planalto do Deccan na Índia. Este evento é hoje considerado como a causa mais que provável da extinção dos dinossáurios (e ocorreram também outros eventos anteriores do género que têm igualmente uma mesma correspondência com extinções em massa). O papel do famoso meteorito que caíu em Chicxulub teve apenas a particularidade de acontecer aproximadamente na mesma altura (um azar nunca vem só!), muito embora a datação do intervalo temporal da ocorrência possua uma incerteza maior que a datação dos referidos basaltos. No entanto, a perspectiva de Bill Bryson resume-se ao muito bombástico (no sentido literal e figurado) meteorito e muito pouco à hoje mais que provável causa principal. Quando Bill Bryson refere os microorganismos extremófilos, que se acreditava não existirem em ambientes com temperaturas superiores a 50ºC, a seguir menciona a descoberta destes organismos nas fontes hidrotermais (o mesmo que quentes, se quisermos simplificar a linguagem) do Yellowstone a mais do dobro desta temperatura(!?). Ora bem, que se saiba, à superfície da Terra, a água dessas fontes entra em ebulição a 100ºC (vá lá! um pouquinho mais devido à existência de vários componentes químicos em solução), ou seja, não temos, de facto, fontes hidrotermais a temperaturas superiores a 100ºC. Contudo, um leitor atento, logo a seguir, deveria perguntar porque é que as fontes submarinas (a 4000 m de profundidade) se encontram a 130ºC (como é referido no livro), ou até mesmo a mais de 300ºC. Acontece que a pressão exercida pela coluna de água evita a ebulição desta (separação entre a fase gasosa e líquida), mas na realidade, nestas condições a água é já um fluido supercrítico (este superlativo é real!), o que significa que não existe uma fase aquosa e uma fase vapor distintas, mas sim uma única fase fluida, por mais voltas e reviravoltas que dermos ao sistema.

(Conclui amanhã)

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Wednesday 7 February 2007

Breve Trapalhada de Quase Tudo (I)


O que acontece quando temos uma bela camisa, ou uma blusa lindíssima, e de repente lhe pregamos uma nódoa? Para além de um sentimento de irritação quase instantâneo, por vezes acompanhado por uma ou outra palavra, em quantidade e qualidade dependente da latitude no espaço nacional mas que o decoro me impede de dar um exemplo, é igualmente óbvio para quem presencia a cena que aquela mancha, por muito pequena que seja, toda ela extravasa para além da simples peça de roupa não deixando qualquer espaço para vislumbrar a mesma. A função social dessa peça perde-se assim em segundos. Imagine agora que, em vez de uma, você pregou uma dúzia de nódoas. É o desastre completo! Pois bem, a minha apreciação deste muito elogiado livro de Bill Bryson, "Breve História de Quase Tudo” (2004, Quetzal Editores), está ofuscada pelas dúzias de nódoas que o autor lhe pregou, coadjuvado ainda em alguns detalhes pelo responsável editorial em Portugal.

Este livro não é novidade, mas algo que por vezes é contraproducente é o sentido de autoridade que a escrita, especialmente se abençoada por uma chancela editorial (em tempos mais negros era da igreja), pode transportar como se a palavra impressa não contivesse um erro, um mal-entendido, um disparate que fosse, e como tal seja assimilada como verdade absoluta. Se este poder não existisse, não creio que muitos e conceituados especialistas se dessem ao trabalho de desmontar as alucinações históricas, científicas e tecnológicas de Dan Brown. O que se passa com o livro de Bill Bryson até pode ser menos grave do que parece à primeira vista pelas linhas de texto que me dei ao trabalho de escrever. O autor mostra uma admiração sincera pela ciência, percorrendo um espaço fundamentalmente assente nas Ciências Naturais, em particular na Geologia e Biologia. Claro que está longe de abarcar tudo, e Bill Bryson teve o cuidado de reduzir ao mínimo indispensável o percurso pela Física e Química, evitando assim entrar em terreno perigoso e muito movediço para quem não é um frequentador assíduo dessas paisagens. O livro é divertido? Sem dúvida! E momentos houve em que não resisti soltar umas boas gargalhadas. O anedotário científico é extenso e Bill Bryson socorre-se desse expediente várias vezes, o que ajuda a desmistificar a ideia que o cientista é uma pessoa chata, distraída, insociável, inculta (para além do que estuda, e não há equívoco maior do que este), mostrando que a ciência é feita por homens (e menos por mulheres, assunto que merece um comentário à parte) como nós com atitudes nos antípodas dos clichés habituais. Bill Bryson oferece-nos assim uma visão descomprometida da ciência tal como ele a observa, e numa linguagem obviamente acessível, ou não fosse o autor um observador externo que teve, honra lhe seja feita, de penetrar no jargão por vezes obscuro em que se move a própria ciência. Empreender tal tarefa comporta os seus riscos, e Bill Bryson é corajoso o suficiente para se ter lançado de alma e coração a este projecto, e por isso não saíu completamente ileso conforme irei demonstrar a seguir.

Começemos pelos problemas que este livro tem, os quais se podem enquadrar em dois planos diferentes. Em primeiro lugar, no próprio autor que, não sendo um cientista, empreende uma louvável e esforçada tarefa de escrever sobre ciência. Contudo, isso não o isenta de responsabilidades em não ter procurado alguns especialistas que lhe pudessem rever o texto e polir a escrita onde ela resvala para a asneira completa. Em segundo lugar, no mau hábito das editoras nacionais (com uma honrosa excepção, mas que em tempos passados cometeu a mesma asneira em algumas áreas) raramente pegarem em revisores científicos cuja intervenção pode ser fundamental em duas fases: na revisão do texto traduzido, dado que a tradução dos termos científicos não corresponde simplesmente à pesquisa num qualquer dicionário linguístico, de onde a esmagadora maioria estão ausentes, e no complemento da própria obra original, que não raras vezes é necessária, e neste caso concreto ainda mais; no fundo fazer aquilo que o autor se esqueceu de fazer. Mas vamos a exemplos concretos.

(Continua amanhã)

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Sunday 4 February 2007

Pascal Comelade

Este é um nome a fixar, que já vem editando música desde 1975, mas que permanece muito à margem do público português. No entanto, um dos seus CDs editado em 2000 foi precisamente gravado ao vivo em Lisboa (3 temas em Barcelona). Este catalão francês tem um estilo muito próprio e uma sonoridade única dada pelo recurso a instrumentos de brincar, produzindo “covers” de vários compositores e grupos de rock que não são apenas obras de arte de arranjo musical mas também uma delícia para quem as ouve. Esta peculiar identidade valeu-lhe pedidos de colaboração de vários artistas, de entre os quais se destaca PJ Harvey que acabou por colaborar no disco “L’Argot du Bruit” de 1998. Em tempos a FNAC (passe a publicidade) tinha vários dos seus discos expostos, mas já há mais de um ano que as prateleiras se mantém vazias, o que é pena. Aqui fica uma amostra num trecho de um documentário de Olivier Cavaller.



Web Site de Pascal Comelade

Saturday 3 February 2007

Personalidade do Mês (Janeiro)

A esforçada equipa do Restaurante decidiu promover a atribuição de um prémio mensal a uma personalidade, nacional ou internacional (não somos provincianos), que se tenha destacado numa qualquer actividade (também não somos esquisitos). Assim, foi criado o Comité do Restaurante com a incumbência de, mensalmente, analisar as propostas que lhe chegam para a atribuição deste prémio. E porque se avizinha o referendo sobre o aborto, a escolha do Comité recaiu em:

João César das Neves (Economista, Professor na Universidade Católica) ao afirmar que a despenalização do aborto levará a um aumento da sua prática similar ao que se verificou com a aquisição de telemóveis quando estes se banalizaram enquanto produto de consumo.

Comentário da Comité do Restaurante:

É sempre bom termos alguém com uma presciência tão aguda dos destinos da sociedade e que nos proporciona uma visão destes assuntos numa perspectiva de economia de mercado. Estamos sempre a aprender! Renovamos assim os sinceros parabéns ao Prof. Doutor João César das Neves por poder acrescentar este prémio ao seu, seguramente, já extenso currículo.