Friday 29 May 2009

E os Prémios de 2008 Vão Para...

Pois é! Enfiar listas dos melhores de 2008 quando já vamos a meio do ano seguinte não parece lá muito consequente. Mas importa referir que aqui o estaminé se está nas tintas para o assunto, pois aquilo que pretende é dar-se a conhecer (e é pelas afinidades que depois chegamos às bandas e discos) e partilhar o que gosta. Por outro lado, já aqui se apregoou várias vezes o direito ao conceito de “slow-music”, e é disso que se trata porque a vida não é passada em exclusivo nestas coisas e ter uma opinião reflectida sobre os assuntos tem as suas vantagens, porque apareceu muita coisa cheia a fogo de artifício que já perdeu o brilho por completo. E o ano de 2008 será, pelo menos, de Bradford Cox que decidiu dar à estampa duas obras de fôlego, uma com a sua banda, os Deerhunter, e a outra em nome próprio mas com a designação de Atlas Sound. Dizer que há algo que arrebate é difícil, mas houve coisas boas.

Pois então aqui vai o veredicto:

1. Atlas SoundLet the Blind Lead Those Who Can See But Cannot Feel. Um título comprido, algo difícil de recordar e dizer direito é um bocado arriscado, mas Bradford Cox dá-nos um disco musicalmente e texturalmente inspirado, introspectivo e melancólico, com sessões espíritas pelo meio. Saíu bem cedo em 2008 mas tem-se mantido fiel ao que promete. 4,5/5

2. SpiritualizedSongs in A & E. Jason Pierce andou pelo limbo à custa de um grave problema de saúde e em resposta manda cá para fora o seu melhor registo desde “Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space”. Intenso e tipicamente elaborado, vários são os registos que perduram na memória que, tal como no anúncio (um tanto “cliché”, admito), “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. 4,5/5

3. Sérgio GodinhoNove e Meia no Maria Matos. Não é propriamente muito comum considerar discos que não são mais que revisão da matéria dada, mas cuidado que o Sérgio dá-nos muito mais do que isso. É toda uma reinterpretação das suas músicas que, tal como uma família ao fim de semana, decide arranjar-se, comprar roupa nova, e sair à rua a passear. E que bem que se passeiam estas canções, algumas delas com mais de 20 anos mas que continuam a fazer todo o sentido passados que estão 35 anos de democracia com alguns amargos de boca. Mas é por isso que o Sérgio faz falta: não só sempre foi pertinente nas suas letras, como no momento em que age. 4/5

4. Why? - Alopecia. Um hip-hop com laivos de indie pop/rock, ou vice-versa. Um disco refrescante a dar ideia que o caldo de culturas é, e será sempre, uma receita para se fazer boa música. Óbvio que há quem arranje os ingredientes e não consiga mais que um caldo insípido pronto a ser tomado por pessoas pálidas e doentes. Acontece que os Why? confeccionaram vários acepipes dignos de menção num bom guia Michelin da música. 4/5

5. DeerhunterMicrocastle/Weird Era Continuation. Bradford Cox strikes again, agora com a banda e na versão 2 em 1. Microcastle dá-nos uma música mais próxima dos cânones tradicionais, sem o ser verdadeiramente, aberta e a respirar uma atmosfera que era mais opressiva em Atlas Sound. No entanto, as coisas voltam a esse estado de espírito em Weird Era Continuation. E não queria deixar de referir as citações, mais ou menos óbvias, a uns The Jesus and Mary Chain. 4/5

6. Bon IverFor Emma, Forever Ago. Mais um que se refugia num nome que pede algo de quase utópico. Justin Vernon vem mais uma vez demonstrar que quando um tipo se encontra mais ou menos na merda ou em clausura melancólica forçada, consegue expelir cá para fora música e canções do melhor. Alternativamente, pode ser que seja uma fatia de nós, que a consumimos, é que somos arreigadamente melancólicos e não conseguimos ouvir outra coisa. 4/5

7. António Pinho VargasSolo. Mais um exemplo de revisão da matéria dada, mas em formato intimista, recatado e minimalista. A riqueza das peças de António Pinho Vargas não se perde nesta transposição para piano. Para ouvir em silêncio e em pleno estado de solidão. 4/5

8. Fleet FoxesFleet Foxes. Poderiam bem ganhar o prémio de banda revivalista do ano. Sonoridades folk dos sixties, com coros e ritmos atraentes que não só entram facilmente no ouvido como perduram mais que o simples hit momentâneo. Arriscado em certa medida, mas seguramente bem apostado. Contra terão o facto de a coisa começar a aborrecer se repetirem a fórmula. 4/5

9. FenneszBlack Sea. Devo esta (e também outras que por aqui se reconhecem) ao facto de ser frequentador assíduo do blogue April Skies. Desde um começo que se enraiza nas fontes electroacústicas de um Xenakis, até uma ambiência que bebe do caldo de Brian Eno (e Robert Fripp, já agora), este austríaco fez um disco que consegue dar mais do que isso, evitando assim ser um mero copista e conseguindo uma obra que sobrevive por si mesma. 4/5

10. Fuck ButtonsStreet Horrrsing. Noise em estado puro mas algo filtrado, condimentado com algum sentido melódico. Não é coisa que se ouça frequentemente, mas tem uma solidez de espírito que transpota a música para além de uma simples “boa ideia”. 3,5/5

E pronto... como vêem, o ano de 2008 já antecipava crise para a compra de discos que foi mais modesta. Note-se que mais de metade até foi adquirida este ano, aproveitando já os preços de saldo. De fora ficaram os The Walkmen e os Dead Combo, apenas por motivos financeiros.

Monday 4 May 2009

A Granja do Vasco...


… era a banda desenhada e o cinema de animação. Faleceu, hoje de madrugada, Vasco Granja. Para sempre indissociado do fenómeno da banda desenhada em Portugal, creio que há uma certa geração de portugueses, onde me incluo, que via a sua presença tutelar na televisão onde divulgava as mais variadas cinematografias de animação, em especial as da Europa de Leste. Com ele descobri um certo vanguardismo na animação, e uma adoração especial pela obra de Norman McLaren. Vasco Granja foi também, desde o seu início em 1968, director da revista Tintim publicada pela Bertrand e que sobreviveu até aos anos 80 (não me lembro exactamente até quando). A cultura e a divulgação da banda desenhada deve imenso a este homem que nos deixou com um sentido de dever cumprido (digo eu!).

ProgNósticos: Pink Floyd


Os Pink Floyd congregam em si, simultaneamente, a respeitabilidade e a aversão pura das gentes dos meios musicais. Em seu favor têm o mais que respeitável passado psicadélico sob os comandos de Syd Barrett que durou menos que um fósforo. O disco de estreia, The Piper at the Gates of Dawn, editado no ano charneira do maior terramoto musical que a música popular haveria de conhecer, em 1967, é uma das peças mais inspiradoras da música que perdurou por muitos anos tal o impacto que causou em tanta gente, e em especial num senhor de nome David Bowie. A locura de Barrett impediu a progressão natural da vida da banda, sendo mais um exemplo de alguém que convivia mal com a exposição e o sucesso (quantas vezes mais iríamos ouvir esta mesma história...), mas os factos da vida demonstram que ela é assim mesmo, e não há volta a dar-lhe. Cedo os restantes elementos recorreram a um amigo de Barrett, David Gilmour, para ir tapando os buracos nas falhas do seu líder. E a história poderia bem ter terminado por aí, e para muitos os Pink Floyd morreram pouco depois da sua nascença. A Saucerful of Secrets, de 1968, é já um disco com os quatro “membros de sempre” da banda, Roger Waters, Rick Wright, Nick Mason e David Gilmour, agarrado aos sons psicadélicos do seu mentor e ainda com um tema da sua autoria, “Jugband Blues”. É das poucas bandas, a par dos Rolling Stones, que manteve uma estabilidade notável na sua formação, o que indicia um sentido de coesão forte, e que se manifestaria também pelo mais bem sucedido casamento que existe entre uma banda e o estúdio de arte responsável pelas capas dos seus discos. A união entre os Pink Floyd e o estúdio Hipgnosis de Storm Thorgerson é tão forte que ambos se citam mutuamente na nossa cabeça. Os anos haveriam de passar para um grupo que procurava claramente uma nova identidade e caminho orientador, perdido que estava para sempre o guia espiritual, Syd Barrett. Ummagumma, de 1969, é por isso uma busca nessa demanda mas ainda agarrada às raízes fundadoras do grupo, havendo espaço para cada membro expor as suas ideias em composições que se estendiam por vários minutos e secções, algo que a pouco e pouco se foi perdendo em anos posteriores à medida que Waters se afirmava e impunha. Pelo meio, ainda houve tempo para trabalhar em bandas sonoras (More, em 1969) repescando as sonoridades psicadélicas e viagens alucinogénicas que a sua música sugeria. Atom Heart Mother, de 1970, é um tour de force falhado e um bom exemplo de como uma excelente banda com boas ideias se pode transformar numa catástrofe em potência. Felizmente, a correcção veio pouco depois no álbum que, em definitivo, relançou a carreira dos Floyd para a sua segunda encarnação: Meddle, em 1971. Um álbum dividido em dois (como o vinilo fisicamente permitia) tem o primeiro lado tomado por composições curtas e directas com alguns travos bluesy, mas que continha aquele assombro que é “One of These Days”. O segundo lado, com uma só composição de mais de 20 minutos e que ficará como uma das mais inspiradas que a banda produziu em toda a sua carreira, “Echoes”, é um misto de psicadelismo dos primeiros tempos com o germinar de ideias que viriam a dar frutos nos álbuns subsequentes. A partir daqui nota-se que os Pink Floyd começam a aprimorar os efeitos de produção e a incorporar elementos vários nas composições, nomeadamente sonoridades e ruídos do dia a dia, em construções afins da música concreta e que contribuiam para a estruturação das ideias dos álbuns muito para além da simples música, construindo autênticas peças de arte sonora. A gravação do álbum seguinte (se excluirmos a contribuição para mais uma banda sonora, que foi Obscured by Clouds), levou seis meses a concretizar e veria a luz do dia no ano da graça de 1973. O seu nome, The Dark Side of the Moon. Aqui os Pink Floyd construiram um autêntico diamante musical: belo, resistente, mutifacetado e duradouro. É sem dúvida alguma um álbum ícónico e marcante dos anos 70 e um dos discos mais importantes alguma vez feito na história do rock. Ao fim de um longo percurso, os quatro Floyds conseguiram repetir a proeza que o seu antigo mentor e companheiro, Syd Barrett, havia conseguido com o primeiro disco e não creio que hajam outras bandas (se é que há alguma) pós-Beatles que tenha conseguido tamanho feito. Ainda que nesta altura os Pink Floyd sejam claramente associados ao progressivo, essa classificação pode ser algo discutível (senão mesmo redutora), como aliás é toda e qualquer tentativa de engavetar música em géneros musicais. A aproximação directa que o grupo mantinha à música com linhas melódicas características onde pontificava a guitarra de Gilmour, para sempre a sonoridade de marca do grupo, concediam-lhe uma aura de respeitabilidade que os seus congéneres de estilo não possuiam.



É inevitável que todo e qualquer processo em que alguém se vê envolvido na criação (consciente) de uma obra-prima, acabe por dar uma ressaca de onde são raros os que conseguem sair e sobreviver. Mas os Pink Floyd já tinham demonstrado uma capacidade de, com tempo, sobreviverem ao seu primero líder e mesmo de se reinventarem com um sucesso sem precedentes. O espaço de 2 anos que mediou a saída do disco seguinte, Wish You Were Here, que não é mais que uma homenagem ao eterno líder perdido à nascença e que haveria de protagonizar uma fugaz aparição em estúdio durante as gravações do disco, permitiu à banda manter um elevado nível na sua prestação enquanto entidade criativa. Peca talvez pela sua maior homogeneidade sonora, o que a meu ver o deixa a perder relativamente ao registo anterior. Cheio dos sintetizadores de Wright e das guitarras de Gilmour que dominam os longos temas “Shine on You Crazy Diamond” Parte 1 e 2, culmina a fase inspiradora da banda e desencadeia o início da liderança egocêntrica de Waters (que poderíamos associar ao prelúdio da 3ª vida da banda, a decadência). Animals, de 1977, é um álbum menor de um grupo que se vê agastado para manter um nível que claramente já não consegue acompanhar. O passo seguinte demora mais 2 anos a ser dado e vem sob a forma da peça mais megalómana alguma vez feita por uma banda de rock, The Wall em 1979. É caso para dizer que se o punk até nem teria assim tantas razões para odiar os Pink Floyd, nesta altura os próprios deram razões mais que suficientes para que o ódio os transformasse em objectos a abater a todo o custo. Contudo será injusto não mencionar que há momentos no disco que são francamente extraordinários e belos, e que se tivesse havido a clarividência de não embarcar numa megalomania egocêntrica, reduzindo a prestação musical a metade, os Pink Floyd poderiam ter-se acercado dos níveis que haviam mantido no período áureo de 73/75. Ironicamente, a queda do muro que se concretiza no álbum acaba por ser uma metáfora à própria queda da banda daqui para a frente. Tal como um gigante que, de repente, se vê com uma dimensão maior do que alguma vez poderá suportar, os álbuns seguintes são uma sequência de tiradas desinspiradas e uma inglória batalha para manter uma dignidade perdida, alimentada ainda por quezílias internas entre Waters e os restantes membros sobre os direitos da banda. Contrariamente a muitos outros, nunca chegaram a cair em tentação, mas também ninguém os livrou do mal.