Monday 4 May 2009

ProgNósticos: Pink Floyd


Os Pink Floyd congregam em si, simultaneamente, a respeitabilidade e a aversão pura das gentes dos meios musicais. Em seu favor têm o mais que respeitável passado psicadélico sob os comandos de Syd Barrett que durou menos que um fósforo. O disco de estreia, The Piper at the Gates of Dawn, editado no ano charneira do maior terramoto musical que a música popular haveria de conhecer, em 1967, é uma das peças mais inspiradoras da música que perdurou por muitos anos tal o impacto que causou em tanta gente, e em especial num senhor de nome David Bowie. A locura de Barrett impediu a progressão natural da vida da banda, sendo mais um exemplo de alguém que convivia mal com a exposição e o sucesso (quantas vezes mais iríamos ouvir esta mesma história...), mas os factos da vida demonstram que ela é assim mesmo, e não há volta a dar-lhe. Cedo os restantes elementos recorreram a um amigo de Barrett, David Gilmour, para ir tapando os buracos nas falhas do seu líder. E a história poderia bem ter terminado por aí, e para muitos os Pink Floyd morreram pouco depois da sua nascença. A Saucerful of Secrets, de 1968, é já um disco com os quatro “membros de sempre” da banda, Roger Waters, Rick Wright, Nick Mason e David Gilmour, agarrado aos sons psicadélicos do seu mentor e ainda com um tema da sua autoria, “Jugband Blues”. É das poucas bandas, a par dos Rolling Stones, que manteve uma estabilidade notável na sua formação, o que indicia um sentido de coesão forte, e que se manifestaria também pelo mais bem sucedido casamento que existe entre uma banda e o estúdio de arte responsável pelas capas dos seus discos. A união entre os Pink Floyd e o estúdio Hipgnosis de Storm Thorgerson é tão forte que ambos se citam mutuamente na nossa cabeça. Os anos haveriam de passar para um grupo que procurava claramente uma nova identidade e caminho orientador, perdido que estava para sempre o guia espiritual, Syd Barrett. Ummagumma, de 1969, é por isso uma busca nessa demanda mas ainda agarrada às raízes fundadoras do grupo, havendo espaço para cada membro expor as suas ideias em composições que se estendiam por vários minutos e secções, algo que a pouco e pouco se foi perdendo em anos posteriores à medida que Waters se afirmava e impunha. Pelo meio, ainda houve tempo para trabalhar em bandas sonoras (More, em 1969) repescando as sonoridades psicadélicas e viagens alucinogénicas que a sua música sugeria. Atom Heart Mother, de 1970, é um tour de force falhado e um bom exemplo de como uma excelente banda com boas ideias se pode transformar numa catástrofe em potência. Felizmente, a correcção veio pouco depois no álbum que, em definitivo, relançou a carreira dos Floyd para a sua segunda encarnação: Meddle, em 1971. Um álbum dividido em dois (como o vinilo fisicamente permitia) tem o primeiro lado tomado por composições curtas e directas com alguns travos bluesy, mas que continha aquele assombro que é “One of These Days”. O segundo lado, com uma só composição de mais de 20 minutos e que ficará como uma das mais inspiradas que a banda produziu em toda a sua carreira, “Echoes”, é um misto de psicadelismo dos primeiros tempos com o germinar de ideias que viriam a dar frutos nos álbuns subsequentes. A partir daqui nota-se que os Pink Floyd começam a aprimorar os efeitos de produção e a incorporar elementos vários nas composições, nomeadamente sonoridades e ruídos do dia a dia, em construções afins da música concreta e que contribuiam para a estruturação das ideias dos álbuns muito para além da simples música, construindo autênticas peças de arte sonora. A gravação do álbum seguinte (se excluirmos a contribuição para mais uma banda sonora, que foi Obscured by Clouds), levou seis meses a concretizar e veria a luz do dia no ano da graça de 1973. O seu nome, The Dark Side of the Moon. Aqui os Pink Floyd construiram um autêntico diamante musical: belo, resistente, mutifacetado e duradouro. É sem dúvida alguma um álbum ícónico e marcante dos anos 70 e um dos discos mais importantes alguma vez feito na história do rock. Ao fim de um longo percurso, os quatro Floyds conseguiram repetir a proeza que o seu antigo mentor e companheiro, Syd Barrett, havia conseguido com o primeiro disco e não creio que hajam outras bandas (se é que há alguma) pós-Beatles que tenha conseguido tamanho feito. Ainda que nesta altura os Pink Floyd sejam claramente associados ao progressivo, essa classificação pode ser algo discutível (senão mesmo redutora), como aliás é toda e qualquer tentativa de engavetar música em géneros musicais. A aproximação directa que o grupo mantinha à música com linhas melódicas características onde pontificava a guitarra de Gilmour, para sempre a sonoridade de marca do grupo, concediam-lhe uma aura de respeitabilidade que os seus congéneres de estilo não possuiam.



É inevitável que todo e qualquer processo em que alguém se vê envolvido na criação (consciente) de uma obra-prima, acabe por dar uma ressaca de onde são raros os que conseguem sair e sobreviver. Mas os Pink Floyd já tinham demonstrado uma capacidade de, com tempo, sobreviverem ao seu primero líder e mesmo de se reinventarem com um sucesso sem precedentes. O espaço de 2 anos que mediou a saída do disco seguinte, Wish You Were Here, que não é mais que uma homenagem ao eterno líder perdido à nascença e que haveria de protagonizar uma fugaz aparição em estúdio durante as gravações do disco, permitiu à banda manter um elevado nível na sua prestação enquanto entidade criativa. Peca talvez pela sua maior homogeneidade sonora, o que a meu ver o deixa a perder relativamente ao registo anterior. Cheio dos sintetizadores de Wright e das guitarras de Gilmour que dominam os longos temas “Shine on You Crazy Diamond” Parte 1 e 2, culmina a fase inspiradora da banda e desencadeia o início da liderança egocêntrica de Waters (que poderíamos associar ao prelúdio da 3ª vida da banda, a decadência). Animals, de 1977, é um álbum menor de um grupo que se vê agastado para manter um nível que claramente já não consegue acompanhar. O passo seguinte demora mais 2 anos a ser dado e vem sob a forma da peça mais megalómana alguma vez feita por uma banda de rock, The Wall em 1979. É caso para dizer que se o punk até nem teria assim tantas razões para odiar os Pink Floyd, nesta altura os próprios deram razões mais que suficientes para que o ódio os transformasse em objectos a abater a todo o custo. Contudo será injusto não mencionar que há momentos no disco que são francamente extraordinários e belos, e que se tivesse havido a clarividência de não embarcar numa megalomania egocêntrica, reduzindo a prestação musical a metade, os Pink Floyd poderiam ter-se acercado dos níveis que haviam mantido no período áureo de 73/75. Ironicamente, a queda do muro que se concretiza no álbum acaba por ser uma metáfora à própria queda da banda daqui para a frente. Tal como um gigante que, de repente, se vê com uma dimensão maior do que alguma vez poderá suportar, os álbuns seguintes são uma sequência de tiradas desinspiradas e uma inglória batalha para manter uma dignidade perdida, alimentada ainda por quezílias internas entre Waters e os restantes membros sobre os direitos da banda. Contrariamente a muitos outros, nunca chegaram a cair em tentação, mas também ninguém os livrou do mal.

4 comments:

M.A. said...

Essa dos "quatro membros de sempre" é uma provocaçãozita :)
Por acaso, até nem sou daqueles que acham que os Floyd morreram pouco depois da nascença, pois consigo encontrar muitos motivos de satisfação nos discos imediatamente posteriores ao "Piper". Do "Dark Side" (inclusive) em diante, não gosto, pura e simplesmente. E nem é tanto pelo lado megalómano, de que os Floyd até nem eram o pior exemplo (Yes?! ELP?!).
Mas há coisas nesta gente que me aborrecem, como as batalhas legais do Waters contra os outros membros para uso do nome que, como toda a gente sabe, foi uma criação do Syd Barrett!... Quando o Homem morreu, vieram todos chorar publicamente a perda, como se se tratasse do melhor amigo. Isto, para mim, tem um nome: hipocrisia!

Grande abraço

strange quark said...

As aspas nos quatro "membros de sempre" não está por acaso... ;) creio mesmo que para uma franja de malta que aprecia os Floyd o Syd Barrett encontra-se injustamente esquecido.

Quanto ao resto, não vou discutir sobre se a malta é mais ou menos hipócrita. No fundo, acho triste quando os membros de uma banda (sejam quais forem) se degladiam sobre estas matérias. Mas isto é como tudo... quando cheira a dinheiro e direios é uma chatice!

Respeito o teu (não) gosto por tudo o que veio após 1973, mas acho (extremamente) difícil não considerar o "Dark...", no mínimo, um muito bom disco.

Quanto aos megalómanos Yes e ELP, cá virão a seu tempo... aí sim! é só pessoal a bater no escriba! :)

Um abraço

Shumway said...

Belo post, com um visão pessoal muito interessante.
Para mim continua a ser o "The Piper at the Gates of Dawn", aquele disco que ainda regresso regularmente. Apesar de ainda apreciar bastante o "Dark", o "Wish", e o "The Wall", e ultimamente e de uma forma muito particular voltei a descobrir o "A Saucerful of Secrets".

Abraço

strange quark said...

Para mim, e eu diria que seguramente por razões emocionais e sentimentais, é a "Dark" que regresso com mais frequência. Em primeiro lugar porque foi o disco com que descobri os Floyd e depois porque considero uma obra que não dá azo a emulações. O "Piper" veio depois e após ter descoberto os Floyd psicadélicos com "Ummagumma" e aquela versão ao vivo de "Astronomy Domine". Ainda os tenho todos em vinilo. Resisti muito a comprar o "The Wall" e confesso que não consigo ter paciência para ouvir o disco de fio a pavio. Finalmente, o "Meddle" tem aquela que é provavelmente a minha composição preferido do grupo: "Echoes"!

Um abraço