Thursday 4 June 2009

ProgNósticos: Van der Graaf Generator


Poderíamos perguntar, nos dia de hoje, se alguém se lembra de uma banda de rock que nas vezes da guitarra nos enfiava com um saxofone nos ouvidos. A resposta, muito provavelmente, vem sob a forma de Morphine, mas acontece que os Van der Graaf Generator já tinham inventado a fórmula nos finais dos anos 60.

Os Van der Graaf Generator, geraram-se por volta de 1967 comandados por Peter Hammill e desde cedo prometem a realização de algo distinto na cena rock da época. Não são bem psicadélicos, nem progressivos, nem jazz-rock, antes têm aversão a qualquer tipo de classificação. Diga-se que, em grande parte, são mesmo difíceis de catalogar. A estreia com The Aerosol Grey Machine em 1969, sob a etiqueta Mercury, não é propriamente auspiciosa e Tony Stratton-Smith, que entretanto funda a Charisma, tenta convece-los a assinar pela sua editora. Após ultrapassar os problemas legais, editam o segundo disco com o selo da Charisma (e primeiro da editora), The Least We Can Do Is Wave To Each Other, em inícios de 1970 apesar de Peter Hammill se manter contratualmente vinculado à Mercury onde, de resto, se manteve durante a sua carreira a solo. Aliás, na carreira dos Van der Graaf Generator prevalece uma ambiguidade entre as suas próprias criações e as de Peter Hammill, sendo o grupo uma quase espécie de heterónimo de Hammill muito embora várias composições sejam assinadas pelos seus membros. Hammill deseja manter a sua indivudualidade criativa o que em certa medida condiciona a vida do grupo que se reparte basicamente por dois períodos, de 1967 – 1972 e 1975 – 1978. Ainda houve uma reunião recente, mas dessa não daremos conta aqui. A sua formação mais clássica era constituida por Peter Hammill na voz, guitarras e teclados, Hugh Banton no órgão e baixo, Guy Evans na bateria e David Jackson no saxofone. É com esta formação que editam, em 1971, aquele que é para muitos a sua obra prima, Pawn Hearts. O estilo e a marca identificadora já ali se encontram e vai condicionar os registos que haveriam de prossegir mais tarde, já que após este disco entram no primeiro hiato temporal. O registo dos Van der Graaf Generator é dominado pela voz áspera de Hammill que, contudo, oscila entre a raiva contida e a suavidade calma de um registo agudo a acusar falsete. Estes registos vocais contrastam frequentemente na sua música dando-lhes, a par com os restantes instrumentos, uma dinâmica inconfundível. O órgão desenha a música com grosos traços negros, com uma espessura de som típica como só os verdadeiros órgãos Hammond a conseguem dar, e o saxofone entra a fazer as vezes que tradicionalmente competiam às guitarras. O saxofone tem ainda a capacidade de tornar a sonoridade do grupo, a espaços, notoriamente jazzística. O grupo tem em “A Plague of Lighthouse Keepers” a primeira peça de fôlego a ocupar todo um lado do vinilo, com mais de 20 minutos. Nesta composição os elementos do grupo foram contribuindo com pequenos temas musicais, tal como os andamentos de uma peça, construindo uma das obras de arte do género. Pawn Hearts é o disco que conta ainda com a guitarra de Robert Fripp, dos King Crimson. Apesar da originalidade, ou talvez por causa dela, os Van der Graaf Generator nunca foram muito populares, contudo Pawn Hearts conseguiu a proeza de ser número 1 no top em Itália durante várias semanas, iniciando assim uma relação de amor entre os italianos e o rock progressivo como não se encontraria em mais nenhum outro país europeu.



O hiato temporal iria deixar espaço para Hammill continuar com a sua cruzada musical e angústias poéticas (um dos mais originais poetas que o rock alguma vez conheceu), a qual se reflectia por diversos géneros, e até acaba com um disco que guarda uma história importante no contexto do maior terramoto musical da década de 70: trata-se de Nadir's Big Chance, de 1975. Musicalmente cru e directo, é a primeira referência punk no Reino Unido e uma obra especialmente acarinhada por John Lydon, que haveria de fundar os Sex Pistols pouco tempo mais tarde. Hammill e os seus Van der Graaf Generator constituem uma das adorações musicais do maior ícone do punk inglês. O ano de 1975 é também o da refundação dos Van der Graaf Generator, com o disco Godbluff, seguido ainda de Still Life (1976), o disco que me levou à entrada no universo da banda, em especial com “My Room (Wainting for Wonderland)”, onde Hammill se quedava por longos momentos de introspecção que deixava pairar com a languidez da sua voz no seu registo mais suave. A discografia dos Van der Graaf Generator era difícil de obter por cá e levou-me um tempo até um dia encontrar a saudosa discoteca Dansa do Som onde pude, pela primeira vez, comprar um disco da banda: World Record (também de 1976). A estrutura destes dois discos denotava uma banda quase em piloto automático, com 3 composições de um lado do vinilo e 2 composições do outro, sendo que uma delas se esbatia na suavidade da voz de Hammill como que a pedir um porto de abrigo e um descanso à intensidade das músicas anteriores. No caso de World Record, cabia a “Wondering” essa tarefa. Mas a dinâmica musical e vocal do grupo era constante, nunca dando tréguas ao ouvinte. Desengane-se quem ache que a entrada no universo Van der Graaf Generator é simples: não só dá trabalho como ainda é exigente.

O tiro final veio com The Quiet Zone/The Pleasure Dome, um disco com dois títulos (um para cada lado do vinilo) e o nome encurtado para Van der Graaf, possui as sonoridades mais domesticadas e até é relativamente hear-friendly. Para isso terá contribuido a saída de Hugh Banton, tendo entrado Nic Potter para o baixo e ainda Graham Smith, que introduz o violino na banda. Aliás, a inclusão do violino confere vários tons ritmados em pizzicato com um sentido melódico que faz deste o “mais pop” (perdoe-se-me a heresia da observação) dos discos dos Van der Graaf Generator. Daqui em diante, apenas temos Peter Hammill em caminhada solitária, sempre dando os seus registos particulares, muito próprios e avesso a modas ou tendências, sem medo de ser crú, suave ou pomposo, pois a música serve para isso mesmo: expressar o que nos vai na alma!


PS (que isto também é um blogue de ciência): O nome Van der Graaf Generator provém de um gerador, incorrectamente escrito com um f a menos (deveria ser Graaff), que produz altas voltagens electrostáticas estáveis, podendo atingir 5 megavolts de tensão. Estes geradores são utilizados, por exemplo, para acelerar protões em instrumentos como o PIXE, que é uma espécie de microscópio e significa Emissão de raios-X Induzida por Protões (Proton Induced X-ray Emission).

Tuesday 2 June 2009

Wilco @ Coliseu de Lisboa


No passado Domingo dia 31 de Maio os Wilco visitaram-nos pela primeira vez, apresentando-se no Coliseu de Lisboa depois de virem do Theatro Circo em Braga. Sendo uma banda que fui aprendendo a conhecer e a gostar (e muito) nos últimos 3 anos, cativando-me com discos como Yankee Hotel Foxtrot e Sky Blue Sky de 2007, os Wilco representam um rock fresco com as melhores referências num registo mais ou menos folk, mais ou menos country, que mistura de uma forma bem estruturada e extremamente inteligente ingredientes modernos, onde a experimentação sónica ocupa um lugar concreto com a dose certa. Poderia lá eu perder um concerto de uma banda deste calibre? Claro que não! Mesmo que os preços, um tanto elevados conforme se queixaram alguns, fossem potencial fonte de repulsão. O que se viu no Domingo, foi um concerto que só não esteve perfeito porque a escassa audiência (Coliseu a menos de meia-casa) tornava aquela sala demasiado grande e deixava a banda algo desamparada. Mas os Wilco não só mostraram que são uma das mais importantes bandas da década, oferecendo um repertório que se baseou em mais de 50% nos discos acima mencionados e que constituem duas pérolas indispensáveis em qualquer discoteca, como são irrepreensivelmente profissionais e músicos de uma qualidade notável. As coisas começaram algo frias e não auguravam nada famoso quando ao segundo tema atacam “I am trying to break your heart”. Por mim achei uma delícia a forma como transpuseram este tema ao vivo, e a veia mais experimental/ambiental ainda continuou com “Radio Cure” para minha grande satisfação. Neste momentos quedei-me na dúvida se a maioria dos presentes conheciam verdadeiramente os Wilco pois faltavam reacções por parte do público. A custo, só lá para a metade do concerto ao som dos primeiros acordes de “Jesus, etc”, o público responde com uma ovação (contida) de nítida aprovação. No entanto não faltaram outras pérolas como “War on war”, “Ashes of American flags”, “Heavy metal drummer”, “Impossible Germany” ou “Sky Blue Sky”. O diálogo de guitarras tomava por vezes proporções que quase fazia pensar que estaríamos num concerto dos Sonic Youth, algo que não deixou de me surpreender, pois a gentileza dos temas em disco estava aqui transposta com uma dose de electricidade e decibéis avantajada, permitindo viagens que se iniciavam calmas e acabavam em autêntica esquizofrenia. A frieza inicial foi cedendo aos poucos durante o concerto, com algumas trocas de palavras entre Jeff Tweedy e o público, regadas com o sabor típico do humor americano para estas ocasiões. Até que os Wilco deixam o palco. Claro que a malta pede o encore e a banda cede. E aqui o público responde da melhor maneira, fugindo todo lá para a frente e em vez de um tema sairam 6, e deu-se todo um novo concerto, mais enérgico, vivo e comunicativo, incluindo o tema “You Never Know” do próximo álbum. O Coliseu, de repente, ficou contido no espaço da 1ª plateia e pena foi que todo o concerto não tenha sido assim. Refira-se por fim, o prazer de ver Nels Cline a tocar guitarra, mas justiça seja feita a todos os membros da banda que mostraram um entrosamento extraordinário. Como nota negativa, o som que estava demasiado alto, numa sala imprópria para o efeito. Mas aos cultores do nosso espírito perdoa-se-lhes tudo, mesmo estas pequenas derrapagens. Um excelente concerto a demonstrar que o rock não só ainda se encontra bem vivo, como se recomenda! 4,5/5

PS: Este é o post nº 200! Em jeito de comemoração, oferece-se um bilhete para a próxima actuação dos Wilco em Portugal...

Monday 1 June 2009

Os Gigantes Também se Abatem



A General Motors vai abrir falência hoje. Aquele que foi o maior construtor automóvel do mundo, com sede na sociedade que mais depende do automóvel, sociedade essa referência do capitalismo e mentora da produção em série, através do famoso Ford Modelo T, protagoniza uma queda i(r/c)ónica. Não sei se o capitalismo está ou não falido, porque a tendência natural das sociedades é para o desequilíbrio social, mas uma coisa estará seguramente falida: o modelo de desenvolvimento prevalecente nas sociedades modernas para o qual a queda deste gigante não poderia ser melhor metáfora.