Thursday 8 February 2007

Breve Trapalhada de Quase Tudo (II)

Ler a Parte I

Pelo livro é constante a confusão entre os termos “massa” e “peso” os quais, na realidade, representam duas coisas bem distintas. No entanto este é um erro comum, ou não estivéssemos nós habituados a dizer que o nosso peso é de 70 kg, exactamente na unidade de medida que utilizamos para definir a massa de um corpo. Pois bem, no dia-a-dia estas afirmações não nos causam confusão, nem dificuldades de comunicação entre diferentes interlocutores. Já em ciência, as palavras têm necessariamente de ter um significado preciso, ou o menos ambíguo possível, e por isso é que escrever sobre assuntos científicos não é fácil, e muito menos para alguém de fora da respectiva área científica. Então vamos começar por esclarecer que “massa” mede a quantidade de matéria de um corpo em quilogramas, a unidade do Sistema Internacional (S.I.) que o mundo da ciência adoptou universalmente (é uma das poucas vitórias francófonas num mundo anglo-saxónico); “peso” é uma “força”, no sentido em que Newton a definiu, ou seja, é o resultado da multiplicação da “massa” pela “aceleração”, neste caso a “aceleração da gravidade” no Pleneta Terra. Por isso é que o nosso “peso” é inferior na Lua uma vez que a aceleração da gravidade no nosso satélite é bastante inferior à da Terra. Desenganem-se os adeptos das dietas, pois na Lua a nossa “massa” continuaria a ser exactamente a mesma. O que as balanças fazem não é mais do que traduzirem a força exercida por um corpo sobre um conjunto de molas em unidades de massa. Isso é possível mercê da compressão exercida sobre as molas as encurtar de forma aproximadamente linear e constante. Espero que estejamos esclarecidos sobre este assunto. Outra confusão mais difícil de perceber, é a que Bill Bryson faz entre “peso” e “densidade” quando fala da estrutura da Terra, nomeadamente no que correctamente devería ser referido como a densiadade dos minerais, ou na Atmosfera relativamente à densidade das massas de ar. Mas a mais aberrante é a que o autor afirma no final do livro sobre a experiência de Cavendish para determinar o “peso”(?) da Terra, como se a Terra pudesse ser pesada, mas mesmo o leitor mais atento até poderia pensar (mal) que Bill Bryson se referia à massa. Ora, “densidade” é a quantidade de matéria, ou seja a “massa”, contida num dado volume, e creio que não merece mais justificações.

Apesar destes primeiros engulhos, a prosa, de uma forma geral, é solta e desempoeirada o que ajuda o leitor a seguir facilmente o autor no seu caminho, mas eis que aparece algo que me deixou completamente perplexo. Bill Bryson afirma que a palavra “átomo” provém do latim e significa “massa pequena”! É o que se chama escrever duas asneiras de uma só penada. Muitos de nós (esperemos que cada vez mais no futuro) aprendemos, em algum momento, que a palavra “átomo” provém do grego e significa “indivisível”, ou não tivesse sido Demócrito o primeiro a conjecturar sobre esse assunto.


Quando os assuntos entram na Geologia, a prosa vai-se frequentemente perdendo em confusões e imprecisões, mas que são dificeis de particularizar sem entrarmos em domínios mais técnicos. Esta dificuldade também não será incomum uma vez que a Geologia lida com mecanismos, na sua maioria, deduzidos por via indirecta e observação cuidada das rochas, que têm a dificuldade acrescida de, muitos deles, nunca os termos presenciado e de se espraiarem por escalas de tempo que não se coadunam com a escala de tempo da vida humana. Ao falar do Yellowstone (parque natural com inúmeras fontes (hidro)termais), fala-se de um supervulcão (tema objecto de um documentário ficcionado da BBC) que resvala com uma facilidade extrema para o uso de superlativos como superpluma, quando na realidade o termo correcto a usar seria “ponto quente” (hot spot). O que é diferente de dizer que associado ao ponto quente existe uma “pluma”, ou seja, magma que ascende de forma rápida ao longo de estreitas condutas através do manto (a controvérsia reside na sua existência ou não, e em caso afirmativo, saber exactamente de onde, se da descontinuidade dos 650 Km ou da fronteira manto-núcleo) e que acaba por se acumular na base da crosta porque esta é, ainda assim, menos densa que o magma, levando este a estender-se lateralmente ao longo de vários quilómetros. Na realidade o termo “superpluma” até é empregue, mas para referir acontecimentos vulcânicos passados com a extrusão de volumes de magma quase inimagináveis, um dos quais formaram as espessas camadas de basalto do planalto do Deccan na Índia. Este evento é hoje considerado como a causa mais que provável da extinção dos dinossáurios (e ocorreram também outros eventos anteriores do género que têm igualmente uma mesma correspondência com extinções em massa). O papel do famoso meteorito que caíu em Chicxulub teve apenas a particularidade de acontecer aproximadamente na mesma altura (um azar nunca vem só!), muito embora a datação do intervalo temporal da ocorrência possua uma incerteza maior que a datação dos referidos basaltos. No entanto, a perspectiva de Bill Bryson resume-se ao muito bombástico (no sentido literal e figurado) meteorito e muito pouco à hoje mais que provável causa principal. Quando Bill Bryson refere os microorganismos extremófilos, que se acreditava não existirem em ambientes com temperaturas superiores a 50ºC, a seguir menciona a descoberta destes organismos nas fontes hidrotermais (o mesmo que quentes, se quisermos simplificar a linguagem) do Yellowstone a mais do dobro desta temperatura(!?). Ora bem, que se saiba, à superfície da Terra, a água dessas fontes entra em ebulição a 100ºC (vá lá! um pouquinho mais devido à existência de vários componentes químicos em solução), ou seja, não temos, de facto, fontes hidrotermais a temperaturas superiores a 100ºC. Contudo, um leitor atento, logo a seguir, deveria perguntar porque é que as fontes submarinas (a 4000 m de profundidade) se encontram a 130ºC (como é referido no livro), ou até mesmo a mais de 300ºC. Acontece que a pressão exercida pela coluna de água evita a ebulição desta (separação entre a fase gasosa e líquida), mas na realidade, nestas condições a água é já um fluido supercrítico (este superlativo é real!), o que significa que não existe uma fase aquosa e uma fase vapor distintas, mas sim uma única fase fluida, por mais voltas e reviravoltas que dermos ao sistema.

(Conclui amanhã)

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