Wednesday 12 March 2008

Prova de Discos: MMVII

Não sou especialista musical, nem sequer almejo a tal estatuto, e talvez por isso me veja um bocado embaraçado na panóplia de títulos e edições musicais que saem todos os anos, que nos levam a pensar que precisaríamos de mais vidas que 7 gatos juntos para apreciar tudo o que nos servem ao ouvido. Há um movimento por aí que pretende ir contra a corrente do lixo alimentar, designada “slow-food”. Pois bem, como no meio de tanta nota musical acabamos sempre por levar com algum lixo sonoro em cima, reclamo desde já a designação de “slow-music” a um movimento que se dedique a apreciar os discos com calma e reflexão. Se o estimado leitor vem aqui à procura de novidades ou últimos gritos da moda, chegou ao lugar errado, mas agradeço o tempo que dispensou a ler o texto até aqui. Durante estes últimos meses, várias foram as aquisições relativas a 2007 que me chegaram às mãos. A escolha é obviamente muito pessoal e altamente selectiva. Não tenho qualquer objectivo em mente, simplesmente partilhar convosco as minhas próprias preferências, gostem ou não delas. Como sempre afirmei: faço isto pelo prazer, e nada mais.

Nestas matérias também não distingo entre Portugueses e os Outros. A música, quando é boa, não tem estilos, géneros ou fronteiras. É apenas música e encanto para os ouvidos. E só mais uma coisa: há coisa de poucos dias a minha amiga Extravaganza ofereceu-me mais música do que eu normalmente compro em 2 anos. Ainda que um ou outro grupo pudesse aqui figurar nesta espécie de lista, abstenho-me por agora de os colocar cá, até porque devo levar o resto do ano a digerir tanta música. Estes foram aqueles em que eu arrisquei investir e ouvir.

1. “Espaço” - Mário Laginha Trio. Para começar, levamos logo com um português, e na esfera do jazz demonstrando que, quando se quer e se sabe, faz-se muito boa música por cá sem necessitar de inventar a roda, apenas procurando formas clássicas e bem estabelecidas. O título do disco parece sugerir isso mesmo: deixar-nos a vaguaer pelo espaço, sem que disso nos demos conta. Simplesmente reconfortante e belo. 4,5/5.

2. “Mirrored” - Battles. Uma lufada de ar fresco, é talvez a melhor definição para este quarteto que faz um rock dançável “à lá funk”, com estruturas rítmicas elaboradas com raízes claras na escola do jazz. “Math Rock”?, “Prog Rock”?, “Whatever Rock”?, não interessa. Tal como as fórmulas matemáticas, põe-nos os neurónios a mexer. 4,5/5

3. “Comicopera” - Robert Wyatt. É para ser lido como “Comic Opera”. Ao terceiro disco (da lista), e a influência jazz ainda não se desvaneceu. Robert Wyatt não perdeu a alma musical que alimentou os saudosos Soft Machine. Disco de uma elegância extraordinária, com melodias e arranjos precisos e harmoniosos, torna-se um prazer ouvir num fim de tarde com o sol a incendiar o horizonte em tons de laranja. A versão do “Hasta Siempre Comandante” de Carlos Puebla é que seria dispensável, pois quem conhece o original, como eu, não se habitua a esta. 4/5

4. “The Flying Club Cup” - Beirut. Achei o primeiro disco apenas interessante e nada mais, mas este deixou-me rendido. As melodias chegam a ser brilhantes mas o que verdadeiramente dá o grande salto em frente são, sem dúvida, os arranjos. A mão, ou melhor, as cordas de Owen Pallet não terão sido de somenos importância. Zach Condon mostrou uma maturidade crescente e um sentido claro de direcção a seguir, tudo bons indícios para que o próximo possa vir ainda melhor. É assim que todos os músicos e bandas deveriam crescer. 4/5

5. “Sky Blue Sky” - Wilco. Parece um tesouro desenterrado dos anos 70. As melodias cativantes e aquelas guitarras e solos que parecem ter caído em desuso na música actual, fazem deste disco uma agradável viagem ao passado com óculos do século XXI.4/5


6. “In Rainbows” - Radiohead. Quando em tempos se colocou a fasquia muito alta, tudo o que se lhe segue é sempre menor. Parafraseando Paul Simon (com adaptações), “one band's ceilling is another band's floor”, e o chão dos Radiohead está ao nível do tecto da maioria das bandas. Intimista e melancólico, transporta-nos agradavelmente para um universo algo psicadélico: arco-íris, pois! 4/5

7. “All Hour Cymbals” - Yeasayer. Um nome a dar para o esquisito e uma capa de um gosto mais que duvidoso não são bom pronúncio. Mas esta banda de Nova Iorque, que parece ter caído no goto de David Byrne, a que não serão estranhas as referências tipo world-music, consegue um cocktail musical bastante agradável e quase nos leva a pensar que houve um bando de terroristas da Al-Qaeda a assaltar a sala de produção durante as gravações. 4/5

8. “Mudar de Bina” - Norberto Lobo. Técnica, sentido rítmico e melódico como raramente se observa no universo da guitarra clássica, misturando referências Country/Blues com o tradicional e o clássico, fazem deste um dos mais interessantes discos de produção nacional a descobrir. Da Borland, claro (passe a publicidade, mas estes tipos merecem). 3,5/5

9. “Kismet” - Jesca Hoop. Vem com a bênção do Tom Waits, mostrando uma variedade de estilos, nem todos equilibrados, mas possuindo uma versatilidade notável. Tem por aqui vários caminhos por onde seguir sem se estampar na próxima paragem. Pessoalmente perfiro as músicas despidas e ritmadas como “Seed of Wonder” ou “Havoc in Heaven”, com tons folk de herança europeia. 3,5/5

10. “Year Zero” - NIИ . Os fãs crucificaram-no, mas como não sou desses, devo estar descontaminado de preconceitos. É daqueles discos que não se ouve aos bocados, mas por inteiro. É essa espécie de coerência narrativa musical que o torna, do meu ponto de vista, extraordinariamente interessante. Além disso, Trent Reznor ainda mostra uma habilidade única para construir melodias. Alguns excessos de efeitos especiais seriam bem dispensáveis, e assinale-se a “estranha” semelhança da parte final deste disco com a do saudoso “The Downward Spiral” (desejos de apanhar uma inocência perdida?). Não chega lá mas consegue ser, ainda assim, belo. Como termo de comparação, está muitíssimos furos acima do anterior (“With Teeth”), que não conhecia mas procurei entretanto ouvir. 3,5/5

11. “Shangri-la” - Wraygunn. Paulo Furtado fez um belíssimo disco de puro rock, com referências óbvias à América, demonstrando que é uma imbecilidade o rock não estar na categoria de “world music” como deveria. Provavelmente o único estilo de música com direito a esse epíteto. Um exemplo de discriminação inaceitável.3,5/5

12. “1970” - JP Simões. Não é propriamente um exemplo de inovação, mas mais uma bela e sentida homenagem a Chico Buarque. Seria apenas vulgar, não fosse o facto de JP Simões conseguir um lote de boas canções com arranjos a condizer, excelentemente acompanhadas pelas suas letras de recorte distinto. E tem uma versão de “Inquietação” de José Mário Branco. 3/5

13. “Person Pitch” - Panda Bear. Beach Boys meet the Lisbon soundscape. Ao fim de um tempo satura, embora em regra sejam interessantes as misturas e colagens de sons, alguns dos quais reconhecemos como sendo estranhamente familiares. É a chatice de sempre com este tipo de discos... fica-se com a sensação que o enamoramento vai durar pouco. 3/5

14. “23” - Blonde Redhead. Este disco tem sido para mim o mais puro exemplo de malmequer-bemmequer. Tal como as ondas do mar, as afinidades com o disco ora vão, ora vêm. Continuo indeciso... tem momentos bastante bons, mas receio que caia no esquecimento rapidamente. 3/5

15. “The Good The Bad and The Queen” - Idem. A cada novo ano que passa tenho que enfiar um barrete. O deste ano chama-se “The Good The Bad and The Queen”. Até simpatizei com o disco inicialmente, mas não consegue passar da mediania, apenas com “Herculean” a sobressair de tudo o resto. A culpa é do Damon Albarn e a sua brilhante criação de nome Gorillaz, que me levou inclusivamente há uns anos a olhar para os Blur quando, apesar de apenas os conhecer superficialmente, achava que eram uma banda banal. 2,5/5

Seguir-se-ão mais algumas sequelas que darão conta do meu muito pessoal balanço de MMVII.

6 comments:

M.A. said...

Muito, muito bonito esse disco dos Wilco. Dos mesmos, se ainda não conheceres, recomendo o "Yankee Hotel Foxtrot". Para mim, até ver, o disco do século.

Abraço

Unknown said...
This comment has been removed by the author.
strange quark said...

M.A.

É sem dúvida um bonito disco. Apenas conhecia coisas soltas dos Wilco, e principalmente do que referes, Yankee Hotel Foxtrot, que andei a namorar há uns tempos. É uma banda que me despertou a atenção há apenas 2 anos, mas este foi o primeiro disco deles que comprei. Gracias! :)

Undergrave

Antes de mais, wellcome. A tua mensagem despertou-me a curiosidade e fui espreitar o que se passava: Spiritualized! Este é mesmo um dos que não se devem perder. :) Obrigado pela informação.

Unknown said...

fui eu SQ - estava com o outro mail ligado e nem me apercebi...=(
mal vi a noticia lembrei-me logo de ti por isso vim aqui deixar a boa nova:)

extravaganza said...

eheheheheh
"mal vi a noticia lembrei-me logo de ti por isso vim aqui deixar a boa nova:)"

Não fui a única, então! :)))

strange quark said...

Ter umas quantas pessoas que se lembram de nós é muito reconfortante. :))