Saturday 28 August 2010

Projecto Blair Ghost


O último filme de Polanski, "O Escritor Fantasma", enquadra-se num daqueles objectos cinematográficos de suspense e mistério sem verdadeiramente pretender vestir essa roupagem, pelo menos nos termos mais convencionais do género. Tendo como ponto de partida um escritor que é contratado para escrever as memórias de um antigo primeiro-ministro britânico que se encontra, para todos os efeitos, exilado nos Estados Unidos, dando assim continuidade ao trabalho do seu antecessor que morreu misteriosamente, o filme de Polanski agarra-nos pelos mais diversos motivos, a começar desde logo pela inusitada importância que é dada ao manuscrito e o seu cariz de objecto de cobiça pelas esferas da política e espionagem. Sem percebermos verdadeiramente o que se está a passar e o que se encontra por detrás, pelo filme vão-se desfiando duras críticas à actuação americana e seus lacaios (aqui materializados pelo próprio ex-primeiro-ministro) na chamada guerra contra o terrorismo. O argumento discorre pois num ambiente em que o espectador, tal como o escritor (excelente interpretação de Ewan McGregor), vai descobrindo a pouco e pouco o que realmente está a provocar tamanha celeuma nos meios políticos. Tudo isto sem deixar de haver uma ponta de ironia e sarcasmo veiculada pela personagem de McGregor, quanto mais não seja até pelo facto de o ex primeiro-ministro (Pierce Brosnan) uma vez confrontado com a mão pesada do Tribunal Penal Internacional de Haia, ter os Estados Unidos como um dos poucos (mesmo raros) países de onde não pode ser extraditado, precisamente o país onde o próprio Polanski se encontra a braços com a justiça e impedido de visitar. Aliás, a tónica humorística que por vezes vai perpassando pelo filme é um claro sinal de irreverência que quase parece fazer perder a força do argumento, quando na realidade percebemos que ele está lá de propósito, não para retirar densidade e espessura, mas para nos mostrar que não vivemos 24 sobre 24 horas em tensão, sobressalto ou enterrados nos nossos próprios fantasmas, dúvidas e receios. A colagem do argumento ao historial do governo Blair são inevitáveis não perdendo tempo nem oportunidade para lembrar da hipocrisia que são a vida política e as relacções internacionais. Felizmente que o que seria facilmente tomado com grande aparato, efeitos especiais, tiroteios e perseguições alucinantes por um qualquer realizador de blockbusters, aqui se mostra contido e na medida certa para tornar o enredo bem mais terra a terra e credível sob esse ponto de vista. Afinal, não parece ser assim tão difícil fazer um cinema suportado no argumento e nos personagens... ou se calhar é. Em todo o caso, um dos bons momentos passados numa sala de cinema. Recomendável.

4/5

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