Friday 26 September 2008

O Flautista às Portas da Madrugada


Certamente alguns dos visitantes (e leitores) ocasionais deste estabelecimento, se lembrarão de uma série de animação na tradição inglesa que em tempos adaptou a obra maior de Kenneth Grahame, “O Vento nos Salgueiros”. Aí se contavam as histórias de um grupo de animais que viviam no campo e cujas peripécias do dia-a-dia eram um veículo para a transmissão dos valores da amizade e da coragem. Fomos apresentados ao Texugo, representando a experiência e a sensatez, adquirindo um estatuto de sábio conselheiro e líder do grupo, à Toupeira, retrato da simplicidade e humildade que um dia decidiu ir viver para junto do rio, ao Rato, personagem de uma vivacidade inesgotável e possuindo uma vontade reprimida de ver “outros mundos”, e ao Sapo, figura impulsiva, arrogante, egoista, centrada em si própria e que tem de ser sempre chamada à razão pelos seus amigos (que nunca desistem de o fazer, nem nunca o abandonam). Há cerca de um ano, a editora Tinta de China, fez saír entre nós mais uma edição desta bela obra. Com a tradução irrepreesível e beleza de escrita extraordinária de Júlio Henriques, é um livro, no mínimo, obrigatório. As páginas devoram-se depressa mas muitas vezes somos nós próprios que refreamos a leitura, pois a escrita é de uma elegância e beleza como não tenho tido oportunidade de admirar há muito tempo. Júlio Henriques faz, nesta obra, um trabalho notável que eleva a tradução a um patamar equiparável ao da própria criação literária. Infelizmente não é o que se assiste na esmagadora maioria dos casos. As ilustrações na edição são as originais e famosas de E. H. Shepard, e na contracapa encontramos um excerto de um texto de A. A. Milne, o responsável por esta obra não ter caído na obscuridade, que vale a pena transcrever o seguinte:

Podemos discutir acerca dos méritos da maior parte dos livros e, na discussão, compreender o ponto de vista do interlocutor. Podemos até chegar à conclusão de que, afinal, ele tinha razão. Mas não podemos discutir acerca de «O Vento nos Salgueiros». O rapaz apaixonado oferece-o à namorada e, se ela não gostar, pede-lhe que devolva as cartas de amor que lhe escreveu. O velho experimenta-o no seu sobrinho, e altera o testamento em conformidade. Este livro é um teste de carácter.

Foi publicado em 1908, faz por isso 100 anos este ano.

E porque as referências ao livro se encontram porventura escondidas em locais de exposição bem mais mediática, um dos amantes desta obra dava pelo nome de Syd Barrett, razão pela qual o título do primeiro álbum dos Pink Floyd é a transcrição do título do capítulo 7 da obra de Grahame: “The Piper at the Gates of Dawn”. E assim se criou outro clássico, desta vez há 41 anos, para ser mais exacto.

2 comments:

M.A. said...

Ora aí está uma (ou duas) bela(s) recordação(ões)!

Abraço

strange quark said...

Sem dúvida duas belas recordações, e o livro deve figurar como um daqueles que fazem parte de uma lista dos que devem ser lidos antes de morrermos.

Um abraço