Thursday 22 March 2007

Alterações Climáticas: Um “Rough Guide” (I)

Conforme prometido, vou iniciar um conjunto de textos que pretendem esclarecer o melhor que me é possível, algumas das questões que se podem colocar à generalidade das pessoas sobre a matéria das alterações climáticas. Vou começar por mencionar três acontecimentos recentes que podem traduzir a complexidade do tema e alguma confusão que normalmente paira sobre a imprensa (esclarecida e menos esclarecida). Quando coloquei aqui o primeiro texto sobre este assunto, o centro da Europa tinha sido fustigado por uma tempestade bem violenta de que resultaram cerca de 30 vítimas. Mais recentemente, os meios noticiosos vêm mostrando o triste panorama de erosão do litoral na Costa de Caparica e em Esmoriz. No momento em que venho escrevendo estas palavras, tivemos uns dias anormalmente quentes para a época. Três situações, uma só causa? Não! Destas três situações descritas, somente a erosão costeira suscitou uma preocupação de debate sobre alterações climáticas na imprensa nacional, e conjecturas sobre a subida do nível do mar. Pois bem, de todas elas esta é, muito provavelmente, a que nada terá a ver com alterações climáticas, mas somente com a imbecilidade de quem deveria cuidar do ordenamento do território. Ainda agora, em vez de reconhecerem o que sempre esteve mal, ou seja, construir selvaticamente em cima da praia, gritam impropérios contra o INAG ou qualquer outro instituto estatal que possua os requisitos mínimos de não ter rosto e ter as costas largas. E lá vão fazendo remendos e paliativos que, para além de caros, nunca vão resolver o problema, ou seja, são sempre uma não-solução. As nossas praias são sistemas dinâmicos, em que a areia é transportada normalmente na direcção sul (olhem para um pontão ou uma baía na costa e vejam de que lado se acumula mais areia). Todo o sistema dinâmico se encontra num equilíbrio transiente desde que os fluxos de saída forem compensados pelos fluxos de entrada. Ora, com a construção de barragens em vários rios as areias fluviais há muito que deixaram de chegar ao mar e, por isso, de alimentar as praias. Quanto aos dias quentes que temos tido não têm sido notícia, mas também nada significam embora seja fácil (ou mesmo tentador) fazer a associação com as alterações climáticas e o aquecimento global. Esta associação pode ter tanto de real como de imaginário, simplesmente não é possível dizer nada sobre o assunto. Quanto à tempestade violenta de Janeiro, as causas já são mais preocupantes não pelo evento singular em si, mas por o registo do número de tempestades violentas ter vindo a aumentar há vários anos. Aliás, não é por acaso que as seguradoras foram das primeiras empresas a apoiar os estudos sobre alterações climáticas. E porque podem aumentar as tempestades violentas? Simplesmente porque se a temperatura média global aumentar implica, por exemplo, que a taxa de evaporação aumente e, consequentemente, também o ritmo do ciclo hidrológico.

O Efeito de Estufa

Começemos com o efeito de estufa para dizer, em primeiro lugar, que é bom que exista. Se assim não fosse, todo o Planeta Terra era uma imensa Sibéria com uns (des)agradáveis –30ºC de temperatura. Mas então o que é, de facto, o efeito de estufa? É o efeito de aquecimento da atmosfera resultante de alguns dos seus gases absorverem radiação infravermelha impedindo a sua total libertação para o espaço. A radiação infravermelha tem um comprimento de onda maior que o da luz visível (diz-se “abaixo” do vermelho porque, como já se mencionou aqui, quanto maior o comprimento de onda menor a sua frequência), e se colocarmos a nossa mão uns centímetros acima de uma superfície que esteve ao Sol sentimos essa radiação sob a forma de calor. Pois bem, da quantidade de energia que a Terra recebe do Sol, parte é reemitida para a atmosfera sob a forma de infravermelhos. É aqui que os gases ditos de efeito de estufa são fundamentais no processo uma vez que as suas ligações químicas vibram em ressonância com esses comprimentos de onda e por isso os absorvem, impedindo assim que tudo se escape para o espaço exterior mantendo uma temperatura agradável durante o período em que a superfície terrestre não recebe luz directa do Sol. Esses gases são, por exemplo, o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o vapor de água (H2O) que é, aliás, o pior deles todos (outros exemplos incluem o óxido nitroso e os famosos CFC’s – da destruição da camada de ozono). No entanto só se menciona o CO2, que dos três é o que possui um poder de efeito de estufa (greenhouse warming power) menor, e porque é que será? Em primeiro lugar, o vapor de água é o nosso gás de efeito de estufa natural e encontra-se na atmosfera, em parte, sob a forma de nuvens que são brancas. Ora essa característica ajuda a reflectir a luz visível do Sol que incide na Terra (albedo), tendo por isso um efeito atenuante ao aquecimento. Um dia nebulado tem temperaturas bem mais baixas que sob as mesmas condições um dia com céu limpo. O metano não é um gás muito abundante, embora tenha aumentado a sua concentração de 0.8 ppmv para 1.7 ppmv (partes por milhão por volume) de 1850 até 2000. Além disso é instável e fortemente reactivo na atmosfera e oxida-se (para CO2 e H2O) ao fim de um certo tempo. O seu tempo de vida na atmosfera é de cerca de 10 anos. O CO2, pelo contrário, tem um tempo de vida de 100 anos ou mais. Isto significa que cada molécula destas que um automóvel conduzido por nós libertar vai permanecer na atmosfera, em média, 100 ou mais anos (sobrevive à nossa própria longevidade). Em termos de concentrações globais, os gelos da Antárctica demonstram que a concentração máxima de CO2 desde há 400 mil anos foi de 280 (mais ou menos 5) ppmv correspondente aos períodos interglaciares, comparativamente aos 370 ppmv actuais. A relacção deste gás com o aumento da temperatura tem sido muito contestada, acrescendo ainda o facto de o sistema climático da Terra ser bastante complexo porque todos os pequenos factores que intrevêm no clima, no seu conjunto, podem ter acções mensuráveis e são difíceis de ser contemplados nos modelos climáticos, quanto mais não seja por uma questão de dimensão. Vejamos então este exemplo: depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001, o espaço aéreo dos EUA ficou interdito durante 2 dias, o suficiente para que a temperatura média atmosférica subisse até cerca de 2ºC. Surpreendidos? Pois bem, os rastos de condensação deixados pelos aviões têm exactamente o mesmo efeito das núvens, isto é, reflectem a luz solar e por isso ajudam a baixar a temperatura. Nesses dias sem aviões também não haviam rastos. Por aqui poderemos apreciar quão complexo se pode tornar este sistema, e quão importantes podem ser factores que não julgávamos sequer relevantes.

Terminemos por aqui a primeira digressão neste tema. Em digressões subsequentes irei dar conta dos registos do CO2 e temperatura, do clima no passado, do ciclo do carbono e de soluções para o futuro. Não sei ao certo quantos textos isto implica, mas depende da inspiração e do tempo disponível.

2 comments:

extravaganza said...

Se existem soluções para o futuro já não é mau... Ler sobre este tema deixa-me deprimida :((

strange quark said...

Cheer up! :))

Depressões não arranjam soluções. Nem de propósito, a Visão desta semana traz uma espécie de guia do (bom) poluidor (como somos todos em geral...). Este é um assunto que se encontra próximo de matérias que ensino, por isso sou algo sensível ao tema. Nesse mesmo número da Visão fiquei estupefacto com afirmações do Mariano Gago, ministro da Ciência e Ensino Superior. Já poucas coisas me surpreendem neste mundo...