Monday 8 December 2008

Sob o Signo de Kubrick


Apologia de um Cineasta por um seu admirador confesso

Se há cineasta e cinema onde a fusão orgância entre imagem e música chega à alquimia pura é precisamente com Stanley Kubrick. O seu visionarismo perfeccionista andou largos anos à frente de toda a gente, de tal forma que algumas das suas obras continuam irrepetíveis. Passados 40 anos, o silêncio do espaço exterior não voltou a ser emulado da forma como Kubrick o fez em “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968), onde as valsas de Strauss ficaram para sempre ligadas ao bailado das naves em órbita terrestre, e a abertura de “Assim Falou Zaratustra” de Richard Strauss se associa ao nascimento do Homem abençoado por uma estranha tecnologia extraterrestre. As fusões entre electrónicas e música clássica foram outro caldo laboratorial iniciado em “A Laranja Mecânica” (1971) com Wendy Carlos e o inconfundível tema principal, uma adaptação da música de Henry Purcell para as cerimónias fúnebres da Raínha Maria. Uma atmosfera negra e perfeita como retrato de uma sociedade decadente e uma visão pouco complacente da natureza humana que consegue revolver os nossos sentimentos de pernas para o ar. Wendy Carlos haveria ainda de colaborar no filme “The Shinning” (1980), um marco incontornável no género de terror. O piano de György Ligeti é presença constante na existência atormentada do Dr. Harford em “De Olhos Bem Fechados” (1999), e a ambiência da festa privada ficou para sempre materializada na extraordinária composição de Jocelyn Pook “Backwards Priests”. Em “Barry Lyndon” (1975), uma brilhante narrativa cinematográfica e porventura o seu filme mais convencional da fase pós-2001, onde as cenas foram filmadas com luz natural, a ponto de obrigaram à construção de uma câmara com lentes próprias para o efeito, os corpos são muitas vezes animados ao ritmo de um bailado imposto pela banda sonora. E que melhor forma de unir uma comunidade humana sem barreiras senão com uma simples canção, mesmo que cantada em alemão, perante uma plateia de soldados cansados de uma guerra cujas razões no fundo desconhecem, em “Horizontes de Glória” (1957)? A escolha cuidada de uma banda sonora para cinema não é um exclusivo de Kubrick, mas Kubrick levou essa relação a um quase incesto entre duas formas de expressão de tão íntimas que são que imediatamente nos levam a pensar numa delas quando (ou)vimos a outra.


Stanley Kubrick não foi um realizador prolífico porque era um perfeccionista nato, mas cada obra que nos deixou não desdenharia ser considerada entre as maiores na filmografia de qualquer outro ilustre realizador. Desde uma “Lolita” (1962) onde a sugestão e subtileza são infinitamente mais eficazes que um seu remake mais recente de Adrian Lyne, até um “Dr. Estranhoamor” (1964) em que a insanidade militar e política do Mundo em plena Guerra Fria raiam o ridículo e o risível, passando pelo “Nascido Para Matar” (1987) onde a sequência do “sniper” parece ser premonitória do que se passaria, anos mais tarde, na guerra da ex-Jugoslávia. Visionário? Sem dúvida...

Sob o signo de Kubrick, pois! What else?

2 comments:

Wellvis said...

Eu definitivamente sou um apologista também. Apesar de achar «Nascido para matar» sua obra menor, irregular.

Ah, e temos sim de marcar o nosso café logo. Andas por Ciências este ano também?

Outra coisa, vi tua lista no blogue da Radar. Andamos a ouvir coisas completamente diferentes! Com excepção claro, do belíssimo disco do Bon Iver.

Abraço forte.

O Puto said...

Este senhor redefiniu a perfeição a cada filme.