Thursday 6 October 2011

Os Cristais Que Não o São


Este ano os Prémios Nobel estão a chamar-me um pouco mais a atenção, neste caso porque o da Química premeia alguém que se move por uma ciência que me é particularmente cara: a Cristalografia. Assim, o israelita Dan Shechtman, que em 1984 trabalhava no NIST (National Institute of Standards and Technology, na altura conhecido como National Bureau of Standards), recebeu o Prémio Nobel da Química de 2011 por ter descoberto os quasi-cristais. O significado da descoberta advém do facto de se julgar que apenas as substâncias cristalinas (toda a substância sólida que apresenta periodicidade translacional nas três direcções do espaço) produziam padrões de difracção de raios-X e de abrir ao conhecimento uma multiplicidade de formas como os átomos de uma estrutura sólida podem ser arrumados. O facto de os cristais terem periodicidade (ou se quisermos, simetria) translacional, implica necessariamente (e é facilmente demonstrado matematicamente) que admite apenas um número limitado de simetrias de rotação, a bem dizer, 5. Estas simetrias designam-se por 1, 2, 3, 4 e 6 e representam o número de vezes em que podemos dividir a rotação completa de uma circunferência, ou seja, 360º. O estranho de tudo isto foi quando Dan Shechtman obteve um padrão de simetria rotacional 10 e por vezes 5, ou seja, em forte contradição com as restrições impostas pela simetria translacional. Como não se acreditava que outras substâncias, que não as cristalinas, podiam apresentar estes padrões, a reacção inicial foi de rejeitar o resultado. A persistência do laureado e de outros seus colaboradores, permitiu-lhes ir em frente e publicar os resutados na Physical Reiew Letters em 1984 abrindo assim caminho a um conjunto de outras estruturas cuja característica principal é sererem simétricas, mas aperiódicas, que o mesmo é dizer, sem simetria translacional. A estas novas estruturas deu-se o nome de quasi-cristais.

Os padrões aperiódicos não eram contudo novos e haviam já sido gerados e descobertos por matemáticos. Os mais famosos dos quais são devidos ao matemático inglês Roger Penrose, e são conhecidos como Padrões de Penrose (Penrose tillings). Estabelecer a ponte entre estes padrões e as novas estruturas descobertas foi bastante rápido. De salientar finalmente que os quasi-cristais estudados são normalmente ligas metálicas e são todos sintéticos. Contudo, e por mero acaso, neste ano de 2011, foi publicada a descoberta do primeiro quasi-cristal natural, na revista American Mineralogist, com o sugestivo nome de icosaedrite (devido à simetria 5 do icosaedro) e com a composição Al63Cu24Fe13.

Para terminar, uma nota para referir que ao contrário do título da notícia do Público, os manuais de cristalografia não estavam errados, nem nunca estiveram, como se depreende do que aqui escrevi.

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