Friday 19 January 2007

Cuidar da Nossa Casa

Há certos assuntos que rapidamente transpõem a barreira das preocupações académicas e saltam para a praça pública, sendo objecto de comentários vários, alguns por personalidades armadas em treinadores de bancada vituperando os profetas da desgraça, baseados numa sapiência que não passa de uma leitura mais ou menos desinformada de um conjunto de press releases e meia dúzia de artigos que mostram o conteúdo do prato já mastigado para facilitar a sua digestão intelectual. Termos gastronómicos à parte, que só ficam bem neste blog, o que motiva esta minha intervenção prende-se com as notícias recentes sobre a tempestade violenta que se está a abater sobre o centro da Europa e que levou já à morte de mais de 30 pessoas. É óbvio que vou abordar o problema das alterações climáticas.

Antes de mais, é necessário que fique claro que a consciencialização pública deste problema é fundamental, e na guerra de contra-informação que é dirigida a todos os temas que são polémicos, e este não é exepção, a necessidade de aprofundamento e gosto pela cultura científica na sociedade é de importância fulcral. Ninguém conseguirá assimilar de forma crítica tudo o que é dito acerca deste assunto, e os problemas vêm de ambas as facções extremistas, mas saber um pouco mais de ciência ajuda imenso. A questão sensível nesta discussão tem a ver com o abalo que a necessidade urgente de mudança de atitudes no mundo industrializado e tecnológico provoca na estrutura económica, o que imediatamente grangeia uma prole de contestatários e situacionistas de peso, embora a questão não se esgote aqui. Não menos importante é o cada vez maior individualismo social, quando se deve perceber que o interesse colectivo neste caso assegura a nossa própria sobrevivência e, mais importante, a das gerações vindouras reenquadrando os ideais sobre os direitos individuais levados ao extremo num contexto onde também existem, acima de tudo, deveres.

Os argumentos esgrimidos contra as evidências do aquecimento global apontam para o carácter singular das observações à escala humana, sendo necessário tempos de observação mais longos para retirarmos conclusões definitivas sobre o assunto, como se os assuntos científicos tivesssem conclusões definitivas. No entanto, as evidências acumulam-se, as mais importantes das quais até nem acontecem agora, mas vão sendo progressivamente desenterradas a um passado muito distante, por vezes incomensuravelmente distante à nossa escala. E o que nos permitem concluir essas observações? Que o clima terrestre sofreu diversos episódios de mau humor (do nosso ponto de vista e no de muitas espécies) por motivos que não tiveram qualquer intervenção “externa” no meio ambiente. Também é verdade que nunca em período algum na história da Terra houve uma espécie cuja acção no ambiente tenha sido tão forte como a nossa, e se quisermos falar sobre o CO2, o valor actual de 360 ppm (partes por milhão) na atmosfera, está bem acima de qualquer registo nos últimos 400 000 anos cuja concentração máxima não ultrapassou os 280 ppm nos períodos de clima mais favorável. Esta e muitas outras evidências, que não passam de meras singularidades segundo o que alguns nos querem fazer acreditar, e que aqui não será o local para as mostrar ou discutir em pormenor, podem facilmente ser invocadas. Também ninguém pode afirmar de forma séria para onde nos levam as nossas acções, mostrando infernos escaldantes ou invernos gélidos, e não é preciso ser muito perspicaz para perceber que se temos dificuldade em prever o tempo a curto prazo, a esta escala podemos dizer que qualquer cenário se torna facilmente irrealista. Podemos no entanto ter ideias sobre tendências, e mesmo assim admitindo que estamos a considerar as variáveis fundamentais do problema no nosso modelo. Mas como diria um especialista “We are running an uncontrolled experiment”. Alguém quer arriscar nos resultados e consequências da nossa atitude de aprendizes de feiticeiro? Também não podemos suportar por muito tempo a atitude de varrer a sujidade para debaixo do tapete. A física tem um conceito que poucos o entendem nessa forma e que se chama “inércia”. Um exemplo prático: considere um grande navio (cargueiro) e também a sua forma de locomoção. Ao contrário dos automóveis, que contam com o forte atrito do solo ao movimento das rodas, colocar um navio em marcha demora tempo, e mais tempo ainda até que atinja uma velocidade de cruzeiro estável. Os comandantes sabem bem que, quando se aproximam de um porto, têm de desligar as máquinas com antecedência uma vez que a massa inercial do navio ainda o permite fazer deslizar por muito tempo. O descuido aqui paga-se caro, com o navio a irromper molho adentro, como numa ocasião que assisti no porto de Ponta Delgada. O sistema climático terrestre tem uma inércia gigantesca pelo que apesar dos males acumulados desde a Revolução Industrial, nós mal começámos a sentir as mudanças, mas a máquina já está em movimento. Por isso é que mesmo que paremos agora, a inércia, mais uma vez, manterá a máquina em movimento por muito tempo mesmo... E agora? De que estamos à espera para fazer alguma coisa?


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